sábado, abril 26, 2008

Continuamos com Água!


Réplica a «Dissidência poética ou poética da dissidência», de JE Agualusa

O seu a seu dono




Agualusa atribui todo mérito a Rui Mingas porque se recusa a perceber que os poemas de Agostinho Neto, por si sós, têm uma musicalidade intrínseca, «uma melodia silenciosa», como diria o poeta João Maimona




Adriano dos Santos Jr.





Num artigo publicado no «Novo Jornal», edição nº. 13, de 18 de Abril de 2008, sob o título «Dissidência poética ou a poética da dissidência», o escritor José Eduardo Agualusa decidiu justificar a afirmação feita numa entrevista dada ao «Angolense», acerca da poesia de Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso.

Desta vez Agualusa já não se apresenta como uma divindade, toda ela perfeição, sabedoria, intolerância, detentora da verdade. Surge humano como qualquer um, competente profissional das letras, sensato e modesto a pontos de admitir que tem os seus limites. «…Exerci durante longos anos o ofício de crítico literário em publicações muito respeitadas, como os jornais Público e Expresso, ou ainda a revista Colóquio Letras. Estou consciente, não obstante, do reduzido valor das minhas opiniões literárias. Não são suficientes para autorizar, ou desautorizar quem quer que seja. São simplesmente as minhas opiniões….», diz o grande escritor. Os nossos sinceros parabéns!

Todavia, quanto a nós, ao tentar justificar-se e fazer-se compreender, Agualusa esgrime argumentos falaciosos.

Assim, comparando Agostinho Neto a Leopold Senghor, refere que «…Agostinho Neto foi um político que frequentou a poesia - por razões políticas. Senghor foi um poeta que frequentou a política – por razões poéticas…». São pontos de vista, que nos cabe respeitar.

O que não estamos de acordo é com o fundamento de Agualusa, segundo o qual Leopold Senghor tenha sido um grande poeta por ter ido beber à fonte da Grécia Antiga para além das tradições africanas, ter estudado na Sorbonne, ter tido orgulho pela sua «gota de sangue português», evocada num dos seus grandes poemas transcritos por Agualusa, e ter publicado onze livros, enquanto que Agostinho Neto não poderia ser um grande poeta porque não teria ido beber à bica da Grécia antiga, não passou pela Sorbonne e não publicou assim tantos livros. Para nós Leopold Senghor e Agostinho Neto foram grandes poetas pelas suas obras, independentemente dos santuários do saber que tenha frequentado ou visitado.

Por mais que devamos incentivar os nossos literatos a produzirem muito e terem o máximo apego à Cultura quer seja clássica ou tradicional, não nos podemos esquecer que o Poeta nasce e o Erudito faz-se. Há Poetas analfabetos e Eruditos incapazes de engendrar um poema. Por outro lado, os critérios para a classificação de escritores, poetas, contistas, romancistas, etc., não têm como factor essencial a quantidade de obras publicadas nem o número de versos ou de páginas das mesmas, mas sim a sua qualidade. Existem poetas de um poema só, contistas de um conto só e romancistas de um só romance. Embora possam ser excepções, literaturas relevantes de vários povos e em diversas épocas, registam casos em que autores de uma só obra integram as mesmas galerias que as de outros mais fecundos e com todo o merecimento.

Agualusa diz que «…Neto foi buscar parte da sua motivação poética a Senghor mas não dispunha nem do talento deste, nem da sua vasta erudição…». Aqui chegados, sem querermos comparar o talento e a erudição dum e doutro poeta porque não estamos capacitados para isso e, infelizmente, não dispomos de nenhum instrumento que nos permita aferir o grau de cultura de cada um, como por exemplo uma escala de Richter para medir a intensidade dos terramotos, torna-se conveniente informar para quem não saiba que apesar de não terem estudado na Sorbonne, tanto Agostinho Neto, quanto António Jacinto ou António Cardoso possuíam formação académica; Agostinho Neto e António Jacinto atingiram o nível universitário e António Cardoso tinha o Curso Complementar dos Liceus, então denominado 7º ano, tudo de acordo com o modelo clássico, ocidental, confiram-se os currículos da época; por isso não duvidamos de que, no mínimo, tivessem molhado os pés nas águas da Grécia Antiga, se é que esta é a condição sem a qual não se poderá ser um grande poeta.

Ademais, não se limitaram ao conhecimento das disciplinas escolares ou universitárias; eram também autodidactas, ávidos de saber e por isso detentores duma cultura invulgar; iam à fonte beber directamente os valores culturais, espirituais e materiais do seu povo, escutando os sábios iletrados, indiferentes ao risco de perderem as vantagens que a cor da pele ou a instrução superior lhes proporcionava na altura, sujeitando-se à prisão e ao desterro, como aliás aconteceu com os três. Não eram portanto nenhuns ignorantes e muito menos analfabetos funcionais ou doutra espécie; eram intelectuais em qualquer das Latitudes, Norte ou Sul.

Quanto a Agostinho Neto ter ido buscar parte da sua motivação a Senghor, como diz Agualusa, pode muito bem ser, não significa demérito nenhum, nada mais natural; é bastante comum autores de muita aptidão, mais novos, inspirarem-se noutros que sejam mais velhos, chegando a imita-los de início, até adquirirem o seu próprio estilo. Mia Couto, o engenhoso, fértil e agora original escritor moçambicano, deve estar cansado de repetir que começou por imitar Luandino Vieira e orgulha-se disso. Não sabemos se Agualusa também terá começado por imitar alguém, pode ser que sim e da mesma forma pode ser que já existam jovens autores, mais novos, a imitarem Agualusa.

Conforme Agualusa, «…Os versos de Agostinho Neto cumpriram com sucesso a função que se propunham, ou seja, a de chamar atenção para a injustiça colonial, mas, ao contrário dos de Leopold Senghor, dificilmente ganharão o futuro…». Como não estamos aqui para discutir pontos de vista pessoais, o nosso é que os poetas Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso já ganharam o futuro, apesar das opiniões em contrário.

Falando de críticas à obra de Agostinho Neto, Agualusa cita duas vozes segundo ele muitíssimo mais autorizadas do que a sua, que entendem ser Agostinho Neto um poeta menor; o que se passa é que Agualusa só terá lido a primeira página do «livro das críticas» a Agostinho Neto; se se der ao trabalho de ler a segunda página, irá de certeza encontrar outras duas ou mais vozes, também muito autorizadas, que entendem ser Agostinho Neto um poeta maior; nesta fase de tolerância e compreensão em que se apresenta não cremos que Agualusa os vá taxar de ignorantes, por esse facto.

«…Talvez se justifique aqui acrescentar, para concluir, que gosto muito de escutar os versos de Agostinho Neto musicados por Rui Mingas. Gosto deles, como centenas de milhares de angolanos, devido à arte de Rui Mingas e também porque fazem parte do meu imaginário, e isto independentemente da sua qualidade literária…», revela Agualusa. A nosso ver, a beleza e o sucesso dos versos de Agostinho Neto musicados por Rui Mingas, que o nosso grande escritor adora escutar, não depende apenas da intervenção do genial compositor; Agualusa atribui todo mérito a Rui Mingas porque se recusa a perceber que os poemas de Agostinho Neto, por si sós, têm uma musicalidade intrínseca, «uma melodia silenciosa», como diria o poeta João Maimona referindo-se à poesia de António Jacinto. Interagindo e complementando-se, os talentos do poeta e do cancionista produziram as maravilhas que encantam até os desafectos.

«…Para escrever grande poesia é preciso primeiro ler grandes poetas universais…», proclama Agualusa; no entanto ninguém lhe garante que Agostinho Neto de facto não leu grandes poetas universais que o potenciassem a escrever a sua grande poesia.

Finalmente Agualusa acrescenta, sentenciando: «…Acreditar que temos muitos poetas excelentes pode melhorar a nossa auto-estima, mas não faz com que tenhamos muitos poetas excelentes. Podemos até convencer-nos a nós, mas não convenceremos nunca o resto do mundo…». Se, por um lado, não é sobrestimando os nossos poetas que passaremos a ter muitos e excelentes, por outro lado, não será subestimando-os que os iremos melhorar; não podemos ter a veleidade de convencer a todos os críticos do mundo da excelência dos nossos poetas; mas não será a opinião de uns quantos autorizados ou não, as vezes até suspeitos, que quebrará o orgulho que temos por eles e ainda mais quando celebrados por muitos outros críticos também autorizados, desse mesmo resto do mundo.




Luanda, 22 de Abril de 2008

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