NO MEU CANTO
Viajando pela poesia de Agostinho Neto
Celso Malavoloneke
Esporeado por uma polémica, polémica essa causada pela arrogância dita «democrática» de uma egocêntrica percepção do monopólio da verdade – revisito a poesia de Agostinho Neto. Não do Agostinho Neto nacionalista que foi, tal como Holden Roberto, Jonas Savimbi, Lúcio Lara, José Ndele, Mário de Andrade e tantos outros. Não. No meu imaginário surge neste momento o Agostinho Neto que burilou o sonho nacionalista que todos eles sonharam, mesmo daqueles cujos caminhos seguiram rumos diferentes, o «caminho do mato, o caminho do soba, o caminho da Lemba, Lemba formosa». Esta é a poesia que degusto. A mais elementar modéstia impede-me de apregoar quaisquer competências para perceber poesia. E preciso? Quando o meu coração se mexe de kaxêxe e a minha alma imagina «o som de grilhetas nas estradas; o canto de pássaros sobre a verdura húmida dos capinzais...» de um período negro na história da minha Nação que alguém – nesse caso Neto – imortaliza na lúdica estética da gramática teimosa do «havemos de voltar... à Angola libertada; à Angola Independente…» não está tudo dito? A ser assim, confesso não perceber «rigorosamente nada de poesia». Prefiro ficar no conforto da minha percebida pequenez intelectual. Porque não quero precisar de intelecto para a poesia, e nem quero perceber poesia, para já. Eu quero senti-la. Quero ouvi-la com a alma. Deixa-la colorir a minha imaginação, e encher o coração com este orgulho de ser parte desta terra e desta gente, orgulho esse para passar à minha prole. Para quê perceber o que posso sentir, e sentindo faz-me bem? Não é esse o papel essencial da Arte e da Literatura? No dia 15 de Abril deste ano, o poeta, contista, jornalista e romancista Mia Couto homenageando o escritor brasileiro Jorge Amado dizia o seguinte: «Deve ser dito (como uma confissão à margem) que Jorge Amado fez pela projecção da nação brasileira mais do que todas as instituições governamentais juntas. Não se trata de ajuizar o trabalho dessas instituições, mas apenas de reconhecer o imenso poder da literatura. Nesta sala, estão outros que igualmente engrandeceram o Brasil e criaram pontes com o resto do mundo. Falo, é claro, de Chico Buarque e Caetano Veloso. Para Chico e Caetano, vai a imensa gratidão dos nossos países que encontraram luz e inspiração na vossa música, na vossa poesia». O mesmo se poderia dizer de Agostinho Neto. O seu mérito como poeta terá sido transformar os ideais nacionalistas em arte literária, e com isso fazer uma poderosa arma de luta. Ter a humildade – que porventura ter-lhe-á faltado como político – de submeter-se ao crivo da crítica na construção de uma obra artística, que constituísse uma fonte de inspiração na construção de uma Nação. Dali que o «não direi nada, mesmo que me espanquem, mesmo que me ameacem de morte. Nada sou, renuncio-me, atingi o zero» atinge para tantos angolanos – sendo verdade que a outros não – aquela sublimidade típica das verdadeiras obras de arte. Sendo impossível dissociar o nacionalista do poeta, o político do visionário sonhador, sou daqueles que confesso-me profundo admirador da sua poesia. E continuarei sendo-o, mesmo que me chamem ignorante em termos de poesia. Mesmo ainda que o impropério venha de um escritor cujas obras para mim têm o mesmo valor literário que a poesia de Agostinho Neto. Convenhamos, porém, que nem todos os que se auto-intitulam donos da competência de perceber a poesia em questão têm, na minha opinião, o mínimo de vivência e exposição para, de perto ou de longe, poderem ser confundidos com angolanos. Tanto os que a atacam gratuitamente como os que defendem arruaceiramente. Será um sinal do complexo das minorias que procuram fazer-se ouvir pelo volume do ruído que produzem? Ao José Eduardo Agualusa, uma réplica: se por gostar desalmadamente da poesia de Agostinho Neto não percebo rigorosamente nada de poesia, então o senhor percebe ainda menos – se é que isso é possível – do papel essencial da Arte e Literatura na vida dos povos. Elegantemente incomodou-se a explicar-lhe o Luís Kandjimbo. Ao Artur Queiroz outro recado: a poesia de Agostinho Neto não precisa de ser defendida com linguagem de carroceiros brigando por uma picha de cerveja barata numa taberna qualquer. A não ser que vocês os dois decidam fazê-lo algures em terras lusas, onde essas baixarias parecem confundidas – confundibilizadas, como diria Paulo Tjipilika – com democracia. Então porquê não irem para lá e entabernarem-se, que assim deixa de ser problema nosso – etu mungwetu, que aqui nascemos, aqui ficámos, aqui sofremos, miseramos, esfomeamos e brigamos na esperança de com a Terra um dia crescer e sorrir. Etu mungwetu que na nossa ignorância até sabemos «criar amor com os olhos secos!»
Recado I
Ao José Eduardo Agualusa, uma réplica: se por gostar desalmadamente da poesia de Agostinho Neto não percebo rigorosamente nada de poesia, então o senhor percebe ainda menos – se é que isso é possível – do papel essencial da Arte e Literatura na vida dos povos
Recado II
Ao Artur Queiroz outro recado: a poesia de Agostinho Neto não precisa de ser defendida com linguagem de carroceiros brigando por uma picha de cerveja barata numa taberna qualquer
Recado III
A não ser que vocês os dois decidam fazê-lo algures em terras lusas, onde essas baixarias parecem confundidas com democracia. Então porquê não irem para lá e entabernarem-se, que assim deixa de ser problema nosso?
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