quarta-feira, novembro 21, 2007

Publicado no África 21 por João de Melo/Outubro/07

Diáspora

João Melo

APHAEL EKLU-NATEY, um biólogo togolês radicado na Suíça, teve uma ideia: promover a criação de um fundo para financiar projectos da diáspora africana residente na Europa, a realizar em qualquer país de África. O fundo — cujo capital inicial, segundo a proposta de Eklu-Natey, será de 500 mil euros — será financiado com as contribuições voluntárias d05 membros da diáspora africana, Os próprios contribuintes decidirão se as cotizações que decidirem fazer serão mensais ou trimestrais, Os mesmos — assegura o cientista togolês — poderão recuperar o dinheiro investido a qualquer momento, a juros superiores aos praticados pelos bancos internacionais.
O principal objectivo do fundo será financiar projectos considerados «emblemáticos» em África. Certamente por «deformação profissional», Raphael Eldu-Natey mencionou como exemplo de um desses projectos a criação de uma fábrica de medicamentos à base de plantas africanas. «Um projecto desses — que não interessa aos grandes grupos farmacêuticos de origem ocidental — será extremamente rentável e terá um forte valor social acrescentado, disse ele.
O biólogo assegurou que todas as disposições serão tomadas para que o fundo seja transparente e funcione de acordo com as normas internacionais. Segundo afirmou, o mesmo será gerido por um Conselho de Administração, alargado aos doadores do fundo e também a personalidades externas de reputação mundial. Os promotores do fundo que poderá ser instalado em Paris, Genebra ou Joanesburgo — vão pedir igualmente o apoio da União Africana.
A notícia correu mundo, tendo sido retomada, em especial, por numerosos meios de comunicação social africanos.
Compreende-se porquê. Do período da escravatura aos nossos dias — e por razões que, naturalmente, acompanharam todas as metamorfoses ocorridas ao longo dos tempos, modificando-se com elas —, a chamada diáspora africana espalhou-se praticamente por metade do mundo. Entretanto, se aqueles que foram levados como cativos não pensam hoje num regresso efectivo ao continente africano, pois, para todos os efeitos, transformaram-se em americanos, haitianos, colombianos, brasileiros e outros, os que, em especial depois das independências africanas, foram deliberadamente para o exterior, sobretudo a Europa, ainda mantêm um pé em cada continente. A excepção serão os jovens, filhos desses primeiros emigrantes, mas o drama deles é maior do que o do seus pais: embora nascendo europeus, a Europa recusa-se a aceitá-los, preferindo tornar-se cada vez mais velha e carcomida.
Não são de todo inusitadas, portanto, ideias e propostas como a da criação de um fundo da diáspora africana na Europa pata a realização de projectos no seu continente-mãe. Aliás, existem exemplos de algumas diásporas nacionais nacionais africanas que contribuem grandemente para o desenvolvimento dos seus países, como é o caso paradigmático da comunidade cabo-verdiana no exterior.
Angola não tem, por enquanto, nenhuma política em relação à sua diáspora. Mas ela existe. A rigor, trata-se de várias diásporas, reflectindo a própria diversidade da naçáo angolana. Essas várias diásporas foram sendo formadas em períodos históricos igualmente diferentes e hoje estão radicadas um pouco por todo o mundo, dos países vizinhos a paragens remotas, como Macau ou até mesmo a Austrália, passando pela antiga metrópole colonial, Portugal, e pelo Brasil.
Será que um país com o potencial do nosso, mas extremamente limitado em termos de gente, quer quantitativa quer qualitativamente, pode prescindir da(s) sua(s) diáspora(s)?
Eis a pergunta que deixo à reflexão dos leitores.