sexta-feira, junho 26, 2009

O LIVRO DO LICEU ESTÁ AÍ

Deixar Morrer o Dondo ((I) / Aida Freudenthal/ Novo Jornal/ Luanda



Numa breve visita feita recentemente ao Dondo, senti aquela emoção de rever um amigo ou de saborear de novo uma manga madura... A história da vila impõe-se a cada rua, a cada esquina, a cada árvore frondosa que nos protege do ardor do sol, enquanto o Kwanza nos abre o horizonte para a vizinha Kissama e nos sugere melancólicas viagens em direcção ao sol poente. Apesar das temperaturas sufocantes, o ambiente é mágico e convida a percorrer repetidamente as mesmas ruas e largos onde os homens permanecem na sua luta diária como o fizeram os seus antepassados. À semelhança das gerações anteriores, lutam em condições bem difíceis pelo seu sustento, encaminham os seus filhos à escola e repousam precocemente no cemitério da vila. Apesar de características climáticas hostis - dizem alguns que serão as piores em todo o país - a que se deve a permanência deste aglomerado urbano?
Voltando atrás no tempo, surpreende-nos o rápido crescimento da vila no séc. XIX. À medida que as práticas africanas de permuta a curta e a longa distância iam integrando novas técnicas comerciais, a importância do Dondo aumentou, tornando-o então o maior empório comercial do interior. A sua história esteve intimamente ligada ao facto de ali confluírem várias rotas comerciais desde tempos muito recuados, sendo o Kwanza a via complementar por onde grandes pirogas escoavam os géneros para Luanda. Tinha então o porto e a quitanda a função aglutinadora de gentes e de mercadorias tão diversas como o sal da Quissama, peixe seco, óleo de palma e outros víveres, algodão, artefactos de cobre e ferro, tacula, panos, marfim e cera. Também os escravos eram conduzidos à feira do Dondo, trazidos de regiões cada vez mais distantes no interior do continente e daí prosseguiam o caminho até ao litoral. Com o desenvolvimento do comércio “lícito” a partir dos meados do séc. XIX, continuaram a afluir regularmente à vila as comitivas de Ambaquenses, Bangalas e Songos, transportando produtos vários como o café produzido no Cazengo e no Golungo, durante o primeiro surto cafeícola registado em Angola entre 1845 e 1875. Na Quitanda circulavam ao longo do dia numerosos compradores que buscavam as os produtos vendidos pelas “mulheres de negócio”: peixe seco, fuba de mandioca, feijão, sal, e também panos de algodão, chitas, missangas, rendas e bordados.
Ano após ano, aumentou a população urbana ao mesmo tempo que se foi constituindo um núcleo de famílias relativamente abastadas com parentes e sócios em Luanda com os quais mantinham relações comerciais. É o seu quotidiano que Assis Jr. tão sentidamente descreve em “ O Segredo da Morta”.

terça-feira, junho 16, 2009

Texto de Diana Andringa do seu blog Caminhos da Memória!

Fugir para lutar
Diana Andringa






Abril de 1961. A guerra em Angola começara há pouco mais de um mês. As vitrinas do Palácio Foz, então sede do Secretariado Nacional de Informação ostentam ainda as terríveis fotografias dos massacres levados a cabo pela UPA (União dos Povos de Angola), no levantamento armado de 15 de Março – que o primeiro presidente do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), Mário Pinto de Andrade, viria a classificar de “jacquerie”. A Censura impedira os portugueses de conhecer outros massacres anteriormente ocorridos: milhares de mortos de população civil angolana, na repressão da revolta dos plantadores de algodão da Baixa do Cassange, centenas de mortos nos ataques aos muceques de Luanda e na repressão em Icolo e Bengo, na sequência do assalto pelos nacionalistas às prisões e quartéis da capital angolana, ocorrido a 4 de Fevereiro.

Os estudantes africanos em Portugal temem que também sobre eles se abata a repressão. Muitos deles – “nacionalistas progressistas” da Casa de Estudantes do Império, na classificação do inspector Sachetti [1], baptistas e metodistas dos lares de Lumiar de Carcavelos – tinham acorrido ao aeroporto de Lisboa em Dezembro de 1960, protestando contra a deportação do médico Agostinho Neto para Cabo Verde, sendo por isso identificados e retidos para interrogatório pela PIDE. Por outro lado, a guerra que alastra em Angola dá-lhes uma oportunidade de se juntarem às forças que combatem o colonialismo português.

Com um número muito reduzido de militantes em Conacry – Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Lúcio Lara, Eduardo dos Santos e Hugo de Meneses – e um pequeno núcleo no então Congo-Brazaville, o MPLA apela aos jovens nacionalistas para que abandonem Portugal e reforcem as estruturas do Movimento no exterior.

O MEA, Movimento de Estudantes Angolanos, constituído sobretudo por frequentadores da Casa de Estudantes do Império, decide então enviar dois representantes a França, onde mais facilmente poderiam tentar contactar a Direcção do MPLA. Edmundo Rocha e Graça Tavares são os escolhidos. A resposta do Movimento, de que não tem possibilidade de os apoiar na saída, leva-os a procurar novos caminhos. Na Bélgica e na Alemanha, vão juntar-se a outros estudantes das colónias portuguesas – José Carlos Horta, de Moçambique, José Fret Lao Shong e Manuel Pinto da Costa, de S. Tomé, Alberto Passos, Arlindo Barbeitos, Carlos Rocha, Desidério Costa, Luís de Almeida, Luísa Gaspar e Ruth Neto, de Angola. E parte de Desidério Costa e Luísa Gaspar a sugestão de um contacto com o bispo metodista de Frankfurt, que talvez os possa ajudar. Este põe os jovens nacionalistas em contacto com outro bispo, Black, da Assembleia Mundial das Igrejas Protestantes, em Genebra. Conhecedor da realidade angolana através de um outro bispo protestante, Ralph Dodge, que vivera muitos anos em Angola, Black apoia as reivindicações dos nacionalistas. (Rocha, 2002:219). Ao responder ao incitamento do MPLA, é das igrejas protestantes, nomeadamente norte-americanas, que os jovens delegados do MEA vão receber auxílio.

Finais de Maio. João Vieira Lopes, finalista de Medicina e Gentil Viana, estudante de Direito, recebem a visita do pastor protestante francês Jacques Beaumont [2]. Beaumont pertence à CIMADE, uma organização ecuménica ligada aos movimentos protestantes de juventude, criada em 1939 para apoiar os refugiados reagrupados nos campos do sul da França, que participara activamente na resistência contra o nazismo e o resgate de Judeus, durante a Segunda Guerra Mundial e se envolvera depois na luta pela independência e o desenvolvimento das colónias, nomeadamente da Argélia.

Acompanhado de outros activistas protestantes, como Charles Harper e Bill Nottingham, Jacques Beaumont vem ajudar a organizar a fuga dos nacionalistas africanos. Anos mais tarde – em 1990 – Bento Ribeiro (Cabulo) [3] recorda alguns descuidos nos contactos havidos:

«Fizemos bastantes erros… O secretário-geral da CIMADE encontrou-se várias vezes connosco no Mandarim… A Pide estava bem informada das nossas movimentações. A maior parte dos angolanos de Coimbra vivia na Rua Antero de Quental, – era onde eu ficava quando ia a Coimbra. A PIDE ficava na mesma rua… Éramos vizinhos do inspector Sachetti, que nos cumprimentava muito afavelmente, mas nos interrogatórios posteriores à nossa saída demonstrou que sabia dos encontros com o secretário-geral da CIMADE.»

Com mais ou menos erros, a fuga dos jovens nacionalistas começa, integrando não só angolanos mas também nacionalistas de outras colónias africanas, como Joaquim Chissano, moçambicano, e Pedro Pires, cabo-verdiano [4]:

«O Iko Carreira é que foi o meu elemento de ligação com o grupo. A organização era de protestantes – houve um elemento de ligação americano protestante preso connosco em San Sebastian . Houve um primeiro grupo que saiu, que passou normalmente a fronteira espanhola-francesa e estava-se a preparar um segundo grupo, convidaram-me para fazer parte e eu aceitei imediatamente. Eu estava na tropa.»

Como Pedro Pires, muitos outros estavam em idade militar e só tinham duas opções: ou ficar e ir combater contra os seus ou sair e juntar-se aos que lutavam no exterior. Optaram, naturalmente, pela segunda.

Estruturaram-se em grupos de 3 a 5 pessoas, em Lisboa, Coimbra, Porto. O local escolhido para a passagem da fronteira foi o Norte de Portugal:

«Um camarada nosso, estudante de Medicina, tinha um amigo que era casado com uma senhora do Norte de Portugal que tinha família na Galiza. Esta senhora pôs-nos em contacto com um familiar, que nos disse que, através de contrabandistas, podia pôr-nos fora de Portugal. Ele era anti-franquista, tinha família dos dois lados da fronteira, tinha os contactos todos feitos. Era preciso pagar – e havia depois a Espanha franquista.» [5]

Era nesta segunda fase que a CIMADE se revelava ainda mais importante, garantindo uma travessia tranquila rumo a França. Embora nem todos os fugitivos fossem protestantes, não contactaram qualquer estrutura ligada à Igreja católica, por esta ser considerada demasiado próxima do regime. Segundo as informações que recolhemos, tampouco o PCP terá sido contactado.

Entretanto, alguns saem legalmente, como Amélia Araújo [6], que pretexta uma ida ao Santuário de Lourdes com a filha de poucos meses a fim de agradecer à Virgem a cura de uma doença da menina, ou Manuel Videira [7], que se justifica com a lua de mel antes do cumprimento do serviço militar. Rui de Sá (Dibala) [8], consegue visto à conta do desporto: jogador de volley no Benfica, acompanha a sua equipa a um torneio em Asnières, França, e arranja ainda maneira de assistir à participação do clube, com Eusébio, no torneio anual do Paris Saint- Germain. Ou ainda como Gim Monteiro [9], que integra a digressão de um episódico Trio Ouro Negro…

Os que saem clandestinamente partem de Lisboa e de Coimbra para o Porto e daí para o rio Minho, que deverão atravessar em botes de contrabandistas.

À frente do grupo de Lisboa estão, segundo João Vieira Lopes, membros das células clandestinas do MPLA, que dá como existindo em Portugal desde 1960. Dos cabecilhas, só um, Pedro Filipe, não seria do MPLA, mas sim militante da UPA/FNLA: «Na altura não fazia diferença.» Ainda segundo Vieira Lopes, «saíram de Lisboa para o Porto, em carros e comboios, mais de 80 pessoas, incluindo crianças de 2 a 5 anos e mulheres grávidas, uma delas de 8 meses».

Pelo meio há episódios curiosos, como relata um dos elementos da CIMADE, Charles Harper:

«Um desvio não planificado leva-nos directamente para uma festa do S. João, em pleno centro de Santo Tirso. Os habitantes parecem surpreendidos perante tantas caras negras. Felizmente, é a época do delírio em torno do rei Pélé. Recebem-nos bem e abrem caminho para passarmos.»

É um facto que, nessa época, os negros que a população conhece são, sobretudo, os grandes nomes do futebol. Os fugitivos são tratados, portanto, com toda a simpatia. Foi aliás um jogador de futebol da Académica, Daniel Chipenda, que convidou Jorge Valentim a integrar a fuga. No seu livro «Esperança», Valentim conta que, no dia combinado, deixou a casa como normalmente, acompanhado por Mateus da Silva, encontrando-se depois ambos num café com um cidadão americano, que falava português e guiava um carro Mercedes Benz. Na fronteira do Minho juntaram-se a outros colegas, formando um grupo de 19 pessoas. A saída para Espanha decorreu sem problemas, bem como a travessia do país e a passagem para França: embora os passaportes que lhes tinham dado tivessem fotos que não coincidiam, e lhes atribuíssem uma língua que desconheciam, passaram sem incidentes para território francês, onde os esperava a gente da CIMADE.

As coisas não correriam tão bem com o segundo grupo, de cerca de cem pessoas:

«Saímos em 3 vagas. A primeira chegou a Espanha, passou pela Espanha e seguiu directamente para França e dali para a Suíça. A segunda vaga parou em Espanha à espera da terceira, para depois seguirem juntas para França. Eu fiz parte dessa segunda vaga, estive 20 dias fechado à espera dos outros, nem podíamos assomar à janela. Depois fomos atravessar a fronteira, os espanhóis não acreditaram nos salvo-condutos senegaleses. A nossa história era que éramos estudantes senegaleses em França, tínhamos atravessado a fronteira em Barcelona, não tinham posto carimbo… os espanhóis não acreditaram, levaram-nos para a Cadeia Distrital.» [10]

«Saímos de Lisboa, fomos ao Porto, e a altas horas da noite partimos para a fronteira, para o Rio Douro. Esperámos muito tempo, não apareceu o passador, tivemos que regressar ao Porto e repetir a operação no dia seguinte. Nessa noite conseguimos passar, num bote de contrabandistas. Estivemos escondidos numa pequena mata, depois transportaram-nos para San Sebastian. É aí que as coisas se complicam. Devíamos passar com um documento senegalês, mas a polícia já devia estar avisada… Fomos interrogados, levados para uma prisão.» [11]

Aparentemente, surgira um imprevisto: o guarda fronteiriço espanhol cuja desatenção fora garantida pela CIMADE adoecera e fora substituído por um colega mais atento, que recusou os argumentos esgrimidos pelos fugitivos. Estes correm o risco de ser devolvidos a Portugal pelas autoridades franquistas: o governo português terá mesmo feito deslocar um avião a Madrid, para garantir o regresso.

O grupo passa assim 48 horas na prisão de San Sebastian. Com eles, os pastores protestantes que os acompanhavam. Mas estes têm contactos que conseguem pôr em acção: há quem fale do Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Couve de Murville, quem refira a administração Kennedy, até mesmo a CIA [12]. Certo é que os prisioneiros são libertados e conduzidos em carros da própria Guardia Civil até à fronteira Irun-Hendaye.

Do lado francês, a CIMADE recebe-os com um enorme jantar e garante-lhes hospitalidade. Mas rapidamente essa hospitalidade lhes vai parecer pesada.

O problema, explica Manuel Videira [13] – que, embora tendo saído legalmente, recebera também apoio da CIMADE – era que continuavam semi-prisioneiros, porque não lhes davam documentos. A razão invocada era o risco, previsível para alguns, de serem tomados por argelinos, numa altura em que estes eram violentamente perseguidos.

Mesmo as visitas não eram fáceis: na CIMADE, diz Videira, para lá de Savimbi, apenas os visitou – até porque lá se encontravam, entre outros, Joaquim Chissano, Pascoal Mocumbi e Joana Simeão – Eduardo Mondlane, que trabalhava na ONU e tinha passaporte diplomático. Já os encontros com Mário Pinto de Andrade – que usaria então passaporte egípcio – Viriato da Cruz e Lúcio Lara eram feitos clandestinamente, num café perto da CIMADE, frequentado precisamente por argelinos. E com o MPLA a exortar todos os que quisessem juntar-se à luta a seguir para Leopoldville, é aí que Mário Pinto de Andrade lhes dá indicações para prepararem uma outra fuga, desta vez da CIMADE.

Segundo Manuel Videira, é a embaixada da Guiné Conacry que arranja passaportes e uma organização clandestina de argelinos em França que organiza a fuga em massa, financeiramente apoiada pelo Gana. Fogem de autocarro, pretextando-se uma orquestra – para o que terão comprado, aliás, diversos instrumentos. Dirigem-se para a fronteira alemã, numa zona pouco vigiada, perto da Bélgica. Com a ajuda de argelinos, atravessam a fronteira e entram na Alemanha. Daí partirão poucos dias depois, de avião, com destino a Accra, no Gana.

Segundo recorda Fernando Chaves [14], voaram primeiro para Amsterdão e depois, pela KLM, para o Gana, com passagem por Las Palmas e Monróvia. Em Acra, foram recebidos pelo Africain Affairs Center e alojados num hotel perto do aeroporto – curiosamente chamado Lisbon Hotel. Mais tarde foram encaminhados para Aximota, um centro universitário, onde ficaram até serem transferidos para Núngua, uma pequena aldeia perto de Tema, a segunda cidade portuária do Gana, onde, refere Chaves, receberam a visita do adido cultural brasileiro, que os convidou a visitar uma fragata brasileira que ali passava e a ir para o Brasil. Foram também visitados por Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz e Miguel Trovoada.

A maioria dos protestantes do grupo dirigira-se entretanto para a Suíça, onde se encontrava já Jonas Savimbi. Outros, como Cabulo, Filipe Amado, Fernando Octávio, Wilson e Ilda Carreira (Baiana), querendo continuar os estudos, tinham optado pela Alemanha [15]. Agora, a proposta feita aos fugitivos é que os estudantes prossigam os seus estudos no Bloco de Leste – URSS e Checoslováquia, sobretudo, mas também na RDA – ou na Suíça e na Holanda.

Quanto aos médicos, deverão dirigir-se para Leopoldville, para ali dar assistência aos refugiados que abandonaram Angola na sequência da perseguição aos “assimilados”, que se seguiu ao 15 de Março. Entre os que chegaram ao Gana há vários médicos – Vieira Lopes, Manuel Videira, Mário Assis, Carlos Pestana “Katiana”, Manuel Boal – e a sua presença vai permitir a “operação batas brancas”, ou seja, a instalação em Leopoldville de um organismo estreitamente ligado ao MPLA, o Corpo Voluntário Angolano para Assistência aos Refugiados, CVAAR, que conta também com os médicos do grupo dos “mais velhos” anteriormente sediados em Conacry: Américo Boavida, Eduardo dos Santos, Hugo Meneses. «É a primeira ONG angolana», ironiza Manuel Videira. Criam postos de assistência aos refugiados na fronteira e recolhem fundos e medicamentos, garantindo apoios da Suécia, da Holanda, um pouco de França, mais tarde da URSS.

Outros, como Rui de Sá (Dibala), irão receber treino militar, para seguir para a frente de combate.

Hoje, os elementos da grande fuga de 1961 estão espalhados pelos seus países de origem e em outras partes do Mundo. Alguns ocuparam ou ocupam o mais alto cargo dos seus países, como Joaquim Chissano, em Moçambique e Pedro Pires, em Cabo Verde. Alguns foram ministros, outros embaixadores, generais, deputados, altos funcionários. Em alguns, a forma como a independência do seu país evoluiu deixa uma mágoa: «Não foi isto que nós combinámos!»

Mas aquilo que tinham em mente ao fugirem de Portugal nesse Junho de há 48 anos, isso foi conseguido: o colonialismo português foi derrotado e são agora cidadãos de países independentes – mesmo se a luta pela concretização do sonho de jovens, essa, tem de continuar.


Notas:

[1] AN/TT – PIDE-DGS, Proc. CEI 4529/62, Docs. 132 a 136, abud Rocha, Edmundo, Angola – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano, Kilombelombe, Luanda, 2002, 1º vol., pág. 222.

[2] Rocha, Edmundo, Angola – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano, Kilombelombe, Luanda, 2002, 1º vol., pág. 219.

[3] Bento Ribeiro (Cabulo), declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[4] Pedro Pires, declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[5] Bento Ribeiro (Cabulo), declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[6] Declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”

[7] Declarações recolhidas em Julho de 2006, para a preparação de um documentário sobre a fuga de Portugal dos estudantes nacionalistas das colónias.

[8] Id.

[9] Ibid.

[10] José Araújo, declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[11] Pedro Pires, declarações recolhidas em 1990, para a série “Geração de 60”.

[12] Rocha, Edmundo, Angola – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano, Kilombelombe, Luanda, 2002, 1º vol., pág. 221.

[13] Declarações recolhidas em Julho de 2006, no âmbito da preparação de um documentário sobre a fuga de Portugal dos estudantes nacionalistas das colónias.

[14] Declarações recolhidas em Julho de 2006, no âmbito da preparação de um documentário sobre a fuga de Portugal dos estudantes nacionalistas das colónias.

[15] Declarações de Luísa Gaspar, recolhidas em Julho de 2006, no âmbito da preparação de um documentário sobre a fuga de Portugal dos estudantes nacionalistas das colónias.

sábado, junho 06, 2009

Brecht

"Dificuldade de governar"

1

Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

2

E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3

Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4

Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?

Bertold Brecht

sexta-feira, junho 05, 2009

Bem caçada!

ADEUS GENERAL MOTORS






ADEUS GENERAL MOTORS


*Por Michael Moore, traduzido no Brasil

Escrevo na manhã que marca o fim da toda-poderosa General Motors. Quando
chegar a noite, o Presidente dos Estados Unidos terá oficializado o ato: a
General Motors, como conhecemos, terá chegado ao fim.

Estou sentado aqui na cidade natal da GM, em Flint, Michigan, rodeado por
amigos e familiares cheios de ansiedade a respeito do futuro da GM e da
cidade. 40% das casas e estabelecimentos comerciais estão abandonados por
aqui. Imagine o que seria se você vivesse em uma cidade onde uma a cada duas
casas estão vazias. Como você se sentiria?

É com triste ironia que a empresa que inventou a “obsolescência programada”
– a decisão de construir carros que se destroem em poucos anos, assim o
consumidor tem que comprar outro – tenha se tornado ela mesma obsoleta. Ela
se recusou a construir os carros que o público queria, com baixo consumo de
combustível, confortáveis e seguros. Ah, e que não caíssem aos pedaços
depois de dois anos. A GM lutou aguerridamente contra todas as formas de
regulação ambiental e de segurança. Seus executivos arrogantemente ignoraram
os “inferiores” carros japoneses e alemães, carros que poderiam se tornar um
padrão para os compradores de automóveis. A GM ainda lutou contra o trabalho
sindicalizado, demitindo milhares de empregados apenas para “melhorar” sua
produtividade a curto prazo.

No começo da década de 80, quando a GM estava obtendo lucros recordes,
milhares de postos de trabalho foram movidos para o México e outros países,
destruindo as vidas de dezenas de milhares de trabalhadores americanos. A
estupidez dessa política foi que, ao eliminar a renda de tantas famílias
americanas, eles eliminaram também uma parte dos compradores de carros. A
História irá registrar esse momento da mesma maneira que registrou a Linha
Maginot francesa, ou o envenenamento do sistema de abastecimento de água dos
antigos romanos, que colocaram chumbo em seus aquedutos.

Pois estamos aqui no leito de morte da General Motors. O corpo ainda não
está frio e eu (ouso dizer) estou adorando. Não se trata do prazer da
vingança contra uma corporação que destruiu a minha cidade natal, trazendo
miséria, desestruturação familiar, debilitação física e mental, alcoolismo e
dependência por drogas para as pessoas que cresceram junto comigo. Também
não sinto prazer sabendo que mais de 21 mil trabalhadores da GM serão
informados que eles também perderam o emprego.

Mas você, eu e o resto dos EUA somos donos de uma montadora de carros! Eu
sei, eu sei – quem no planeta Terra quer ser dono de uma empresa de carros?
Quem entre nós quer ver 50 bilhões de dólares de impostos jogados no ralo
para tentar salvar a GM? Vamos ser claros a respeito disso: a única forma de
salvar a GM é matar a GM. Salvar a preciosa infra-estrutura industrial, no
entanto, é outra conversa e deve ser prioridade máxima.

Se permitirmos o fechamento das fábricas, perceberemos que elas poderiam ter
sido responsáveis pela construção dos sistemas de energia alternativos que
hoje tanto precisamos. E quando nos dermos conta que a melhor forma de nos
transportarmos é sobre bondes, trens-bala e ônibus limpos, como faremos para
reconstruir essa infra-estrutura se deixamos morrer toda a nossa capacidade
industrial e a mão-de-obra especializada?

Já que a GM será “reorganizada” pelo governo federal e pela corte de
falências, aqui vai uma sugestão ao Presidente Obama, para o bem dos
trabalhadores, da GM, das comunidades e da nação. 20 anos atrás eu fiz o
filme “Roger & Eu”, onde tentava alertar as pessoas sobre o futuro da GM. Se
as estruturas de poder e os comentaristas políticos tivessem ouvido, talvez
boa parte do que está acontecendo agora pudesse ter sido evitada. Baseado
nesse histórico, solicito que a seguinte ideia seja considerada:

1. Assim como o Presidente Roosevelt fez depois do ataque a Pearl Harbor, o
Presidente (Obama) deve dizer à nação que estamos em guerra e que devemos
imediatamente converter nossas fábricas de carros em indústrias de
transporte coletivo e veículos que usem energia alternativa. Em 1942, depois
de alguns meses, a GM interrompeu sua produção de automóveis e adaptou suas
linhas de montagem para construir aviões, tanques e metralhadoras. Esta
conversão não levou muito tempo. Todos apoiaram. E os nazistas foram
derrotados.

Estamos agora em um tipo diferente de guerra – uma guerra que nós travamos
contra o ecossistema, conduzida pelos nossos líderes corporativos. Essa
guerra tem duas frentes. Uma está em Detroit. Os produtos das fábricas da
GM, Ford e Chrysler constituem hoje verdadeiras armas de destruição em
massa, responsáveis pelas mudanças climáticas e pelo derretimento da calota
polar.

As coisas que chamamos de “carros” podem ser divertidas de dirigir, mas se
assemelham a adagas espetadas no coração da Mãe Natureza. Continuar a
construir essas “coisas” irá levar à ruína a nossa espécie e boa parte do
planeta.

A outra frente desta guerra está sendo bancada pela indústria do petróleo
contra você e eu. Eles estão comprometidos a extrair todo o petróleo
localizado debaixo da terra. Eles sabem que estão “chupando até o caroço”. E
como os madeireiros que ficaram milionários no começo do século 20, eles não
estão nem aí para as futuras gerações.

Os barões do petróleo não estão contando ao público o que sabem ser verdade:
que temos apenas mais algumas décadas de petróleo no planeta. À medida que
esse dia se aproxima, é bom estar preparado para o surgimento de pessoas
dispostas a matar e serem mortas por um litro de gasolina.

Agora que o Presidente Obama tem o controle da GM, deve imediatamente
converter suas fábricas para novos e necessários usos.

2. Não coloque mais US$30 bilhões nos cofres da GM para que ela continue a
fabricar carros. Em vez disso, use este dinheiro para manter a força de
trabalho empregada, assim eles poderão começar a construir os meios de
transporte do século XXI.

3. Anuncie que teremos trens-bala cruzando o país em cinco anos. O Japão
está celebrando o 45o aniversário do seu primeiro trem bala este ano. Agora
eles já têm dezenas. A velocidade média: 265km/h. Média de atrasos nos
trens: 30 segundos. Eles já têm esses trens há quase 5 décadas e nós não
temos sequer um! O fato de já existir tecnologia capaz de nos transportar de
Nova Iorque até Los Angeles em 17 horas de trem e que esta tecnologia não
tenha sido usada é algo criminoso. Vamos contratar os desempregados para
construir linhas de trem por todo o país. De Chicago até Detroit em menos de
2 horas. De Miami a Washington em menos de 7 horas. Denver a Dallas em 5h30.
Isso pode ser feito agora.

4. Comece um programa para instalar linhas de bondes (veículos leves sobre
trilhos) em todas as nossas cidades de tamanho médio. Construa esses trens
nas fábricas da GM. E contrate mão-de-obra local para instalar e manter esse
sistema funcionando.

5. Para as pessoas nas áreas rurais não servidas pelas linhas de bonde, faça
com que as fábricas da GM construam ônibus energeticamente eficientes e
limpos.

6. Por enquanto, algumas destas fábricas podem produzir carros híbridos ou
elétricos (e suas baterias). Levará algum tempo para que as pessoas se
acostumem às novas formas de se transportar, então se ainda teremos
automóveis, que eles sejam melhores do que os atuais. Podemos começar a
construir tudo isso nos próximos meses (não acredite em quem lhe disser que
a adaptação das fábricas levará alguns anos – isso não é verdade)

7. Transforme algumas das fábricas abandonadas da GM em espaços para moinhos
de vento, painéis solares e outras formas de energia alternativa. Precisamos
de milhares de painéis solares imediatamente. E temos mão-de-obra capacitada
a construí-los.

8. Dê incentivos fiscais àqueles que usem carros híbridos, ônibus ou trens.
Também incentive os que convertem suas casas para usar energia alternativa.

9. Para ajudar a financiar este projeto, coloque US$ 2,00 de imposto em cada
galão de gasolina. Isso irá fazer com que mais e mais pessoas convertam seus
carros para modelos mais econômicos ou passem a usar as novas linhas de
bondes que os antigos fabricantes de automóveis irão construir.

Bom, esse é um começo. Mas por favor, não salve a General Motors, já que uma
versão reduzida da companhia não fará nada a não ser construir mais Chevys
ou Cadillacs. Isso não é uma solução de longo prazo.

Cem anos atrás, os fundadores da General Motors convenceram o mundo a
desistir dos cavalos e carroças por uma nova forma de locomoção. Agora é
hora de dizermos adeus ao motor a combustão. Parece que ele nos serviu bem
durante algum tempo. Nós aproveitamos restaurantes drive-thru. Nós fizemos
sexo no banco da frente – e no de trás também. Nós assistimos filmes em
cinemas drive-in, fomos à corridas de Nascar ao redor do país e vimos o
Oceano Pacífico pela primeira vez através da janela de um carro na Highway
1. E agora isso chegou ao fim. É um novo dia e um novo século. O Presidente
– e os sindicatos dos trabalhadores da indústria automobilística – devem
aproveitar esse momento para fazer uma bela limonada com este limão amargo e
triste.

Ontem, a último sobrevivente do Titanic morreu. Ela escapou da morte certa
naquela noite e viveu por mais 97 anos.

Nós podemos sobreviver ao nosso Titanic em todas as “Flint – Michigans”
deste país. 60% da General Motors é nossa. E eu acho que nós podemos fazer
um trabalho melhor.