AFRICA E OS DESAFIOS DA CIDADANIA E INCLUSÃO:
> >O LEGADO DE MÁRIO DE ANDRADE
> >
> Palestra Cheikh Anta Diop, por Carlos Lopes (Assembleia Geral do
> >Codesria, Maputo, Dez 2005)
> >
> >Para muitos aqui presentes o nome de Mário de Andrade não despertará
> >imediatamente a atenção. Para outros relembrará, no entanto, uma
> >memória importante.
> >
> >Imaginemos o jovem que em 1954, corrigia, em Paris, as provas de um
> >livro que serviria de referência para os intelectuais africanos: "
> >Nations Nègres et Culture", de Cheikh Anta Diop. O mestre acabara a
> >sua obra prima mas estava doente e precisava de ajuda. O mais jovem
> >aprendia com esse trabalho um pouco mais das suas funções de artesão
> >das letras. O seu espírito inquieto já lhe tinha trazido alguns
> >dissabores com o seu chefe e patrão, o outro Diop. Trata-se de
> >Alioune Diop, criador da revista Présence Africaine, que a História
> >ilustre daqueles anos registou como uma contribuição fundamental, na
> >afirmação de uma identidade política em formação.
> >
> >Nada tinha, à priori, predestinado esse jovem angolano a se tornar o
> >chefe de redação de uma revista em francês, e ter a capacidade de
> >poder inclusivé corrigir as provas de Anta Diop. Bem, na realidade,
> >os seus anteriores estudos de linguística brindaram-lhe uma
> >disciplina etimológica e sintáxica que jamais descurou. Tornou-se
> >desde muito cedo no maior amigo do dicionário, o pai dos espertos,
> >como gostava de brincar. Mas na Présence Africaine começou apenas
> >como secretário particular daquele que admirava, e que pouco dinheiro
> >tinha para lhe pagar.
> >
> >Logo falaremos dos contornos de vida que levaram Mário de Andrade,
> >pois é dele que se trata, a ter esse e muitos outros encontros com a
> >História. Como eterno dissidente era natural que se tornasse em
> >eterno exilado. E foi nesse caminhar de lugar para lugar que acabou
> >cruzando a Bissau pós-independente dos anos 70. Aí tive o privilégio
> >de o conhecer, com ele trabalhar, para depois, assumidamente, me
> >considerar seu discípulo. Deixou-nos há 15 anos atrás.
> >
> >Ao ser convidado para proferir esta palestra ocorreu-me imediatamente
> >a ideia de me conectar a Anta Diop através do fio condutor geracional
> >que me leva a Mário de Andrade. Provavelmente também porque ao fazer
> >uma releitura do legado deste último, chegaremos às propostas do
> >primeiro, suas limitações, e à necessidade de contextualizar ambos
> >nos debates que nos sacodem hoje.
> >
> >Não tenhamos ilusões: os intelectuais africanos estão divididos, suas
> >propostas têm crédito reduzido, suas respostas são tentativas, o seu
> >papel ainda muito desprezado, e sua influência, por consequênçia,
> >bastante limitada. É minha convição que o exemplo de Mário de Andrade
> >é significativo, nomeadamente para nós do espaço lusófono, para
> >entender os actuais desafios dos intelectuais africanos.
> >
> >Vou dividir esta palestra em quatro partes: começarei por apresentar
> >sucintamente o tempo de Mário de Andrade e a geração que o precedeu,
> >e que ele mesmo designou de proto-nacionalista; depois virá uma visão
> >crítica do nacionalismo africano e as suas propostas revolucionárias;
> >em seguida as conquistas, mas também as derivas da negritude e do
> >pan-africanismo; isso permitirá depois analisar as consequências para
> >a cidadania, inclusão e respeito de identidades; e, finalmente,
> >terminar com a interrogação sobre o que tudo isto representa para os
> >intelectuais africanos.
> >
> >1. COMO TUDO COMEÇOU
> >
> >Mário Coelho Pinto de Andrade nasceu no Golungo Alto, na provínvia do
> >Kwanza Norte, em 21 de Agosto de 1928. O seu pai, José Cristino Pinto
> >de Andrade, funcionário bancário, foi um dos fundadores da Liga
> >Africana. Sua mãe, era descendente, mas um pouco abandonada, de uma
> >família de fazendeiros. Mário de Andrade viveu entre pais separados e
> >famílias com várias ramificações, à boa maneira africana. A formação
> >da sua personalidade foi marcada pela vivência rural oferecida pela
> >família de sua mãe, com quem ficou um tempo, mas mais intensamente
> >pelo ingresso no Seminario Católico de Luanda, onde estudou com seu
> >irmão Joaquim, o ex-Cardeal de Luanda D.
> >Alexandre do Nascimento, e outras grandes figuras do nacionalismo
> >angolano.
> >
> >Ao descrever a Luanda dos anos 30 Mário de Andrade, no seu título
> >postumo "As Origens do Nacionalismo", fala-nos de uma míriade de
> >instituições, jornais e processos, que se desenvolveram
> >simultâneamente nas várias colonias portuguesas de Africa. As
> >referências ao resto do continente e ao Brasil estão obviamente
> >presentes, mas não de maneira marcante. Estes movimentos são apegados
> >à valorização dos filhos da terra, em oposição aos que dela não se
> >interessam. Os seus membros quase sempre se revoltam pela falta de
> >atenção das autoridades, o desleixo burocrático e as injustiças no
> >tratamento dos conhecimentos locais, em relação aos que chegam da
> >metrópole.
> >
> >Sem querer detalhar a complicada, embora fascinante, evolução destes
> >movimentos, também chamados de nativos, ou nativistas, a verdade é
> >que eles congregam cada vez mais reinvidicações de caracter político.
> >Essa vertente acabará por determinar o seu futuro: a luta por
> >direitos e, nessa luta, a defesa da cidadania plena.
> >
> >Mas tratava-se de facto de uma cidadania plena, como podemos conceber
> >hoje? Não. Os proto-nacionalistas, como os baptizou Mário de Andrade,
> >eram cheios de contradições e pensavam que os valôres da terra
> >estavam associados à sua capacidade de os protagonizar, ou seja,
> >eles, letrados ou portadores de cultura e saber, no sentido lato
> >desses termos, deveriam ter direitos iguais aos outros cidadãos
> >portugueses. Mas aí parava a reinvidicação.
> >
> >Influenciada pela forma como o Brasil se tornou independente a elite
> >portuguesa distanciou-se um pouco de suas congéneres coloniais
> >europeias, na legitimação de sua ação colonizadora. Em todo o período
> >republicano português sempre existiu alguma forma de representação
> >das colonias nos poderes legislativos centrais, porquanto isso fosse
> >absolutamente não democrático, como justificação para uma ideologia
> >centralizadora: uma só nação, dividida por vários territórios. Assim
> >regia o velho sonho do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, que
> >involuntariamente se transformou em teórico da excepção portuguesa.
> >Ele acreditava que 'o mundo que o português criou' era mais cordial,
> >simpatico e menos dado a uma dominação absoluta e racista. Na
> >realidade esse mundo era mais perverso e se defendia com argumentos
> >diferentes por nunca ter tido a força de dominar economicamente o que
> >detinha, e por essa razão, defensiva, ter-se transformado no mais
> >centralizador dos impérios. Centro fraco, sim, mas com ideologia
> >diferente.
> >
> >Não deixa de ser verdade que os portugueses criaram arquipelagos de
> >relações sociais perversas, e crioulizaram até os movimentos, que
> >depois dariam origem a luta anti-colonial. Ela começa com os
> >proto-nacionalistas. Negros na sua maioria, mas também mestiços e até
> >alguns brancos nativos co-optados para a causa.
> >
> >O processo de urbanização dos anos 30 em Luanda favoreceu o
> >florescimento de bairros típicos, como as Ingombotas, que para além
> >do Km 5, como aludia Mário de Andrade, congregava famílias como a
> >dele próprio, mas também as de Bento Ribeiro, Viana, Mingas, Vieira
> >Dias e Van-Dunem; nomes que qualquer aprendiz da política angolana
> >reconhece. Mário de Andrade não era um membro qualquer dessa
> >comunidade já que muito jovem foi recrutado como professor de latim e
> >português em vários colegios da cidade. Para um negro sem formação
> >universitária isto era um autêntico fenómeno. Ele chegou a ser
> >Professor de gente hoje famosa como Carlos Ervedosa ou Uanhenga Xitu.
> >Seu irmão, que depois seria enviado para a Universidade Gregoriana de
> >Roma, também foi docente, e depois já como padre, Chanceler da
> >Arquidiocese de Luanda; até ser preso em 1960 pelas autoridades
> >portuguesas, durante 14 anos. Nesse interim foi Presidente honorário
> >do MPLA, eleito em 1962. Estamos pois em presença de duas grandes
> >figuras da mesma família que muito influenciaram os rumos da
> >discussão política de Angola.
> >
> >A geração de seu pai, que Mário de Andrade pejorativamente
> >classificava de lumpen-aristocracia, "eram assimilados, eram homens
> >que acreditavam serem verdadeiramente os defensores dos valôres
> >antigos" (Andrade, 1997a, 35). Mas liam os autores brasileiros, bem
> >como Gogol e Gorsky, e muitos eram os divulgadores de "A voz de
> >Angola clamando no deserto", um texto ensaístico de 1901, que servia
> >de referência para a construção de uma identidade de luta.
> >
> >Poucos negros tinham a possibilidade de estudar, já que as regras
> >apertadas da política de assimilação, coabitavam com alguns negros em
> >lugares de destaque, mas apenas os que conseguiam furar a malha da
> >descriminação burocrática. A descriminação social, essa era toda uma
> >outra realidade. Mesmo assim os priviligeados que se destacavam iam
> >para Lisboa. Para lá conseguiu rumar, com dificuldades, Mário de
> >Andrade, em 1948. Na bagagem levava algumas promessas, como a que
> >fez ao seu amigo de tertúlia literária Viriato da Cruz, de que
> >ficaria sempre sintonizado com a terra. Viriato da Cruz viria a criar
> >uma série de movimentos de caracter comunista, fez parte do núcleo
> >fundador do MPLA, e morreu no exílio na China.
> >
> >Mário de Andrade ficará em Lisboa apenas cinco anos, mas parecerão
> >muitos mais para qualquer historiador contemporâneo. É neste período
> >que a agitação da Casa dos Estudantes do Império vai desembocar na
> >criação do Centro de Estudos Africanos, na publicação de várias obras
> >de ensaio e poesia de exaltação da africanidade e negritude, e a
> >maturação das ideias que depois darão origem aos movimentos
> >nacionalistas mais radicais das colonias portuguesas. O expoente
> >deste processo é, sem dúvida, Amílcar Cabral, cujo nome afectivamente
> >Mário de Andrade associa a toda a sua geração: a Geração de Cabral.
> >Mas o agente cultural é Mário de Andrade.
> >
> >Nas palavras dos própios eles começaram a 'reafricanizar os seus
> >espíritos', a entender que os negros tinham mais do que direitos,
> >tinham direito à sua própria independência. A sua dignidade passava
> >pela sua auto-determinação. As leituras e circulação de ideias
> >marxistas davam uma base sólida para poder conceber uma nova forma de
> >luta, unitária, capaz de entender a complexidade da realidade
> >colonial. A força desses movimentos virá do seu caracter unitário, e
> >esse caracter reforça-se na base da concepção colectiva da Africa e
> >das lutas nacionais.
> >
> >Esses movimentos não experimentam qualquer contradição entre a defesa
> >do negro e sua dimensão profundamente humanista e inclusiva.
> >Os seus primeiros apoios vem do Marrocos, da Argélia, da Tunísia de
> >Bourghiba, um dos grandes contribuintes do nacionalismo, do Egipto de
> >Nasser. O papel posterior de Ben Bella e de Fanon será magnético.
> >Em menor escala são influenciados pelos nacionalistas de outras
> >paragens, mas mitificam a Independência dos etíopes e são entusiastas
> >do processo de criação da OUA.
> >
> >Mas, sem margem para dúvida, são os intelectuais e a diaspora que
> >servem primeiro de luz. Eles mesmos sendo da diaspora não poderia ser
> >de outra forma. Para tanto a deslocação de Mário de Andrade para
> >Paris é decisiva. As grandes influências literárias em Lisboa são
> >Nicolas Guillén, Alan Patton, Leopold Sedar Senghor, Aimé Cesaire,
> >Roy Albridge, Countee Cullem, Langston Hughes e os brasileiros Lins
> >do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos. O bibliotecário do grupo, vai
> >alargar os horizontes a partir de Paris. Mário de Andrade trava
> >conhecimento directo, entre outros, com Ferdinand Oyono, Richard
> >Wright, René Maran, Eza Boto, Bernard Dadié, Ray Autra, Albert Camus,
> >Jean-Paul Sartre, René Depestre, para além dos seus professores
> >Georges Gurvitch, Georges Balandier e Roger Bastide, os pais da
> >sociologia moderna Francesa.
> >
> >Nesse leque enriquecedor vão também entrar William Dubois, para além
> >de Cesaire, Senghor, Anta Diop e tantos outros que participaram nos
> >Congressos Pan-africanistas, e de escritores e artistas negros,
> >alguns dos quais Mário de Andrade ajudou a organizar, entre Londres,
> >Paris e Roma. É durante esse período que começam a surgir as
> >primeiras contradições na interpretação pan-africana, polarizadas à
> >volta de Dubois e Marcus Garvey, um americano e outro jamaicano.
> >Segundo Andrade "ressente-se a convergência conceptual na visão
> >utópica da Africa. Fundamentado na convição teórica de uma
> >superioridade dos Afro-Americanos (Black American ou
> >African-American), adquirida ao longo do processo da escravatura,
> >Marcus Garvey 'an extraordinary leader of men', nos própios termos de
> >Dubois, vislumbrava a organização de um esforço de construção do
> >continente a partir da Libéria, espaço de realização económica e
> >financeira de um modelo de sociedade forjada nos Estados Unidos da
> >América, conforme o paradigma civilizacional do Ocidente" (Andrade,
> >1997b, 161).
> >
> >Esses anos 50 e 60 são os das lutas independentistas do continente.
> >O FLN argelino, Kwame Nkrumah e Sekou Touré criam as bases para
> >albergar os nacionalistas de todos os quadrantes. Essa ajuda vai ser
> >bem utilizada pelos nacionalistas das colonias portuguesas. Não é
> >pois de admirar que Mário de Andrade comece cada vez mais a
> >frequentar Argel, Casablanca, Accra, para eventualmente mudar para
> >Conakry em 1960, o ano das Independências africanas. Várias razões
> >militaram para essa escolha; mas a mais importante é a presença de
> >Amílcar Cabral, que tinha assumido a liderença da Frente
> >Revolucionária Africana para a Independência, que depois cedeu o
> >lugar, em 1961, à Conferência das Organizações Nacionalistas das
> >Colonias Portuguesas, que Mário de Andrade dirige de facto, na sua
> >qualidade de Secretário Geral.
> >
> >Antes de se instalar em Conakry Amílcar Cabral havia criado o Partido
> >Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), e
> >contribuído para unificar vários movimentos nacionalistas angolanos
> >que darão origem ao MPLA, no ano charneira de 1956. O primeiro
> >Comité Director do MPLA é estabelecido em 1960, sendo Mário de
> >Andrade escolhido como primeiro Presidente. Ele depressa cederá o
> >lugar a Agostinho Neto, em 1962, por razões que já explicarei.
> >
> >Mário de Andrade, dirige a CONCP, retorna às lides intelectuais onde
> >navegava com facilidade e serve de ponte externa aos vários
> >movimentos. No início dos anos 70 chega a participar, em condicões
> >dramáticas, na frente leste da luta armada. Mas quando em 1974, nas
> >vesperas da independência se posiciona contra a ala dita
> >presidencialista, de Agostinho Neto, é como outros dirigentes,
> >incluindo seu irmão Joaquim, empurrado para uma dissidência, que fica
> >conhecida como a da 'Revolta Activa'.
> >
> >A 11 de Novembro de 1975 Angola torna-se independente, debaixo do
> >fogo de uma guerra civil que durará mais 30 anos. Mas antes que Mário
> >de Andrade possa se quer participar das escolhas do país para o qual
> >foi um lutador incansavel, já acusado de fracionismo e refugia-se na
> >Guiné Bissau. O então Presidente, Luís Cabral, irmão de Amílcar,
> >acolhe-o como biógrafo do heroi guineense e caboverdiano, e depois
> >nomeia-o Presidente do Conselho Nacional de Cultura, e mais tarde
> >Ministro da Informação e Cultura. Por lá ficará Mário de Andrade, com
> >actividade cultural frenética, até ao primeiro golpe de Estado da
> >Guiné Bissau em Novembro de 1980.
> >
> >Novo exílio e fim de vida num Hospital de Londres dez anos depois. O
> >tempo de ainda escrever obras fundamentais, aprimorar sua
> >contribuição sobre o papel dos intelectuais, antes de ser enterrado
> >com cerimonial de Estado em Luanda, no seu país, onde só regressa no
> >caixão e ... que nunca lhe concedeu um passaporte.
> >
> >2. NACIONALISMO E PENSAMENTO REVOLUCIONÁRIO
> >
> >Seria certamente interessante fazer mais uma incursão analítica sobre
> >o discurso nacionalista africano. O que nos importa, no entanto, é
> >tão somente reflectir sobre em que contexto o pensamento de Mário
> >Andrade sobre Nação e nacionalismo evoluiu, e demonstrar quão actual
> >continuam a ser às suas análises.
> >
> >Mário de Andrade foi primeiro influenciado sobre a necessidade de uma
> >historicidade africana. Na altura o objectivo era refutar a tese
> >hegeliana da ausência de História africana. Esse período, que chamei
> >de pirâmide invertida, tinha em nomes como Joseph Ki-Zerbo, Téophile
> >Obenga e outros, os defensores da demonstração de que a História de
> >Africa era uma antítese do que se tinha dito durante muito tempo.
> >Houve exageros de algumas formulações apressadas e certas analogias e
> >comparações. Com a distância do tempo a profundidade de Cheickh Anta
> >Diop destaca-se.
> >
> >Profundo humanista ele tentou demonstrar que o lugar da contribuição
> >negra para a História Universal era irrefutável, e tinha o seu ponto
> >culminante na civilização egípcia. Ao fazê-lo desenvolveu várias
> >teses, sendo a mais intrigante a relacionada à pigmentação e
> >melanoma, como factores de manipulação do pensamento civilizacional
> >ocidental. Falando da unidade biológica do ser humano Anta Diop dizia
> >que"... le problème est de rééduquer notre perception de l'être
> >humain, pour qu'elle se détache de l'apparence raciale et se polarise
> >sur l'humain débarrassé de toutes coordonnées ethniques."
> >(Diop, 1982, 138).
> >
> >Era natural que Anta Diop define-se a problemática nacional em termos
> >de contraponto à ideia de uma civilização ocidental. Como renomado
> >egiptólogo provou que a realidade da presença negra no composito dos
> >valôres modernos universais era reconhecida até pelos gregos. No
> >contexto da sua época era singular o direito ao contraditório. Era
> >algo que poucos podiam fazer com a qualidade e audiência de Anta
> >Diop. Mas houve exageros. Assim ele reforçou, duvidosamente, a ideia
> >de que a unidade biológica dos humanos só podia ser repartida pela
> >vivência cultural e não civilizacional, já que os fundamentos desta
> >última são contribuição de todos. E, no caso singular do Egipto,
> >sobretudo dos negros. Daí a confundir nação e cultura, contendo esta
> >as tais especificidades de alteridade, era um passo compreensível.
> >Mas na realidade errado, já que o próprio conceito de puridade racial
> >que Anta Diop denunciava com veemência, lhe servia igualmente de
> >fundamento para a diferenciação.
> >
> >Trata-se do debate da época, mas um debate que continua presente no
> >nosso tempo. Como se situava Mário de Andrade nessa discussão?
> >
> >Ao designar de proto-nacionalista a geração de seu pai, Mário de
> >Andrade admitiu que às lutas fragmentadas pela dignidade dos filhos
> >da terra tinham uma vertente que levaria a uma reinvidicação de tipo
> >nacional. Ele mesmo, filho, acabou integrando a geração que luta
> >pelos direito a auto-determinação e independência, e fê-lo com a
> >ideia de que Nação era um instrumento utilitário para unificar lutas
> >fragmentadas. Ou seja era uma invenção social conveniente que ganhou
> >forma com a contribuição dos própios protagonistas. Nada de diferente
> >em relação ao pan-africanismo, outra construção hipotética, inventada
> >pela diaspora militante, que não dispunha de identificacao
> >territorial própria no continente.
> >
> >Construções sociais eram ponto comum nos debates marxistas de então.
> >Com a reinterpretação de desejo nacional oferecida pela Comuna de
> >Paris o nacionalismo passou a ser associado à luta de classes. Kwame
> >Nkrumah entitulou o seu livro principal "Luta de classes em Africa",
> >Fanon desenvolveu a teoria da substituição do caracter revolucionário
> >e nacionalista do proletariado pelos camponeses africanos, e Amílcar
> >Cabral teorizou que o conjunto da população colonizada se
> >transformava em classe nacional.
> >
> >Para completar estes artifícios teóricos faltava a fundamentação
> >histórica que Anta Diop e seus companheiros proporcionavam. Ao
> >inaugurar o primeiro laboratório de carbono 14 na Africa, Anta Diop,
> >simbolicamente, mostrava a capacidade adquirida de datar os factos,
> >uma prova da antiguidade da historicidade em construção, o elemento
> >fundamental do nacionalismo cultural.
> >
> >Se cultura servia de matriz, então ela tinha de ter uma forma
> >marcante de alteridade, em relação aos valôres culturais do
> >colonizador. Quase que automaticamente esta alteridade era encontrada
> >no caracter negro, o elemento excluído da assimilação colonial. Até
> >Fanon, a partir da Argélia, o reconhecia, mostrando que essa
> >reinvidicação da alteridade negra, não era uma luta racial, ainda
> >menos racista.
> >
> >Este nacionalismo encontrava eco na negritude. Mário de Andrade
> >admirou o rompimento de Aimé Césaire deputado, com o Partido
> >Comunista Francês, por este último não ser capaz de integrar a
> >dimensão cultural das colonias na equação sobre a luta de classes.
> >Achou aquela posição mais corajosa do que a de Senghor que via na
> >negritude apenas um elogio da estética negra, complementar senão
> >equiparável à ocidental. Mas as contradições avolumavam-se. Como
> >distinguir lutas anti-coloniais, genuinamente apenas 'do contra', da
> >sofisticada elaboração nacionalista. Ainda por cima era claro que se
> >tratava de um nacionalismo sem Nação, nas várias definições adoptadas
> >na época. Todas à volta da elevação de caracteres comuns como língua,
> >religião, ancestralidade, ou cultura.
> >
> >Com a chegada de vários líderes pan-africanistas ao poder começam a
> >ver-se algumas diferenças entre o nacionalismo dos revolucionários
> >asiáticos e o dos africanos. O movimento que conduzirá ao Maio de 68
> >foi aquecendo os debates da esquerda francesa, muito presente nos
> >debates dos nacionalistas, devido ao papel motor da Argélia na
> >libertação do continente.
> >
> >Mário de Andrade voltava-se, por seu turno, para os ensinamentos de
> >António Gramsci: a complexidade do estudo da realidade, para a sua
> >transformação (como preconizava o princípio do intelectual orgânico).
> >Ele dá-se conta que a dimensão cultural é melhor captada demonstrando
> >que a luta nacionalista é uma forma de dignificação civilizacional. A
> >tese é de Amílcar Cabral: a luta de libertação é uma demonstração de
> >vontade própria e por isso trata-se de um acto de cultura. Por essa
> >mesma razão a luta não pode ser contra os indivíduos mas contra os
> >sistemas. O reforço do caracter humanista é resultado das reticências
> >que ambos, Cabral e Andrade, desenvolvem em relação ao que estão
> >vendo das independências africanas.
> >Sobretudo a deriva autoritária de Nkrumah e Sekou Touré, que eles
> >conhecem mais de perto. Mas também as tendências que eles mesmos
> >observam nos seus própios movimentos. Falam cada vez mais do estudo
> >da realidade, e a necessidade do conhecimento histórico peculiar de
> >cada realidade, para a poder transformar. Mário de Andrade escreve
> >então com Marc Ollivier "A guerra em Angola", o primeiro estudo
> >sociológico de um angolano. A insitência na historicidade local é
> >inequívoca. A ponte entre as noções humanistas e históricas de Anta
> >Diop e os ensinamentos de Gramsci está feita. Mas as imperfeições
> >sobre o caracter específico do nacionalismo subsistem.
> >
> >O próprio Mário de Andrade escreve nos seus últimos dias que "convém,
> >pois, questionar se um ou mais factores (entre língua, território, a
> >vida económica ou a comunidade de cultura) isolada ou simultanêamente
> >podem desempenhar o papel de motor ou de acelerador do processo de
> >organização dos homens (ou das comunidades) em nações. (...) Mau
> >grado as ilusões da época, os chamados Estados de 'democracia
> >nacional' também não produziram exemplos paradigmaticos na materia em
> >debate [o nacionalismo]. Por seu turno, a construção da unidade
> >africana (implicando a remodelação das fronteiras herdadas da
> >partilha colonial, por dinâmica externa) não se erigiu ainda em
> >factor de consolidação nacional, num quadro continental"
> >(Andrade, 1997b, 16-17).
> >
> >2. NEGRITUDE E PAN-AFRICANISMO
> >
> >A política africana está marcada por paradoxos conhecidos: luta pela
> >integridade territorial herdada de fronteiras arbitrárias versus
> >ideologia pan-africanista; discurso sobre construção nacional versus
> >realidade pluri-étnica conflictiva; adopção de preceitos de
> >desenvolvimento versus formas distributivas refractárias do mercado;
> >promoção da cidadania versus extensão de praticas autoritárias
> >perpetuadoras de sujeitos; recusa pelas elites de modelos
> >institucionais importados versus formas de apropriação e consumo
> >novo-riquistas. A lista não é exaustiva.
> >
> >Muitos destes paradoxos não são únicos ao Estado pós-colonial
> >africano, mas adquirem aqui algumas especificidades, que giram à
> >volta de dois problemas mal resolvidos, que muito ocuparam as
> >reflexões de Mário de Andrade: a questão racial e a ideologia
> >pan-africana. Ambas as questões partem de construções humanas já que
> >tanto raça, como geografia são entidades abstractas, criadas pela
> >dinâmica histórica.
> >
> >Comecemos pela questão racial. Raça no sentido biológico não existe.
> >Todas as diferenças de tipo "racial", ou seja na realidade de
> >fenotipo, limitam-se a 0,001% do genoma humano. Pesquisas no âmbito
> >das ciências sociais demonstram sem dificuldade que o uso de
> >diferenças fenotípicas entre grupos humanos, para legitimar a
> >dominação de uns sobre outros, estão presentes de uma forma quase
> >permanente em todas as regiões do globo. As outras formas permanentes
> >de dominação são o género e as classes. Apesar do caracter falacioso
> >do conceito de raça, e da desmontagem do seu valôr pseudo-científico,
> >é inegável que, como construção social, raça é algo real. E também
> >agrega as colectividades que compartilham aspectos fisicos
> >observáveis, tal como a côr da pele, textura do cabelo e compleição
> >corporal, sendo vivênciada por uma parte importante das pessoas. Se
> >existe a realidade social é natural que os intelectuais se preocupem
> >e tentem interpretar e explicar o fenómeno.
> >
> >Mário de Andrade confrontou-se cedo com esta questão, depois de
> >assistir às discussoes azedas entre os dois pais da negritude
> >(Senghor e Cesaire, por um lado) e entre estes e os expoentes da
> >diáspora americana que reinvidicavam uma identidade pan-africana
> >baseada na côr, ou seja no negro. Uma boa parte da argumentação vinha
> >da exclusão que os negros tinham sido submetidos, desde a escravatura
> >à dominação colonial, motivação primeira para a luta indpeendentista.
> >Mário de Andrade escrevia em 1953 num prefácio a uma antologia de
> >poesia negra: " Este caderno (...) não se destina
> >(...) àqueles que, para iludir seus preconceitos, e o seu racismo,
> >nos acusam de racismo. Destina-se fundamentalmente aos que sabem
> >encontrar-se reflectidos nesta poesia (...) e entendem que os negros
> >exercitam também seus timbres particulares para cantar na grande
> >sinfonia humana" (Mata, 2000, 137).
> >
> >Como ideologia o racismo foi fundado pelo pensador Francês
> >Joseph-Arthur Gobineau (1816-1882) com sua doutrina de três pontos:
> >i) a existência de várias raças humanas; ii) a compreensão das
> >diferenças entre raças como factores essenciais do processo
> >histórico-social; iii) e a afirmação da existência de uma raça
> >superior. Ela serviu de ponto de partida para que, no século XX, o
> >britânico Stewart Chamberlain (1825-1927) difundisse na Alemanha o
> >mito da superioridade da raça ariana. Alfred Rosenberg (1893-1946)
> >emprestou, depois da Primeira Guerra Mundial, um verniz
> >pseudo-científico a estas teorias, para ajudar Adolf Hitler, com as
> >consequências conhecidas. Nesta questão da construção racista a
> >Europa têm razões de sobra para modéstia.
> >
> >O impacto destas teorias na visão sobre a Africa foi fulminante.
> >Como demonstrou Mudimbe, a constante referência, implícita ou
> >explícita, a uma inferioridade negra se transplantou para uma
> >inferiodidade africana.
> >
> >O contraponto a esta negação fervilhou os anos 50 e 60 e claro que a
> >época das independências foi completamentamente sugada pela
> >necessidadde, quase o imperativo, de mostrar que existia não só uma
> >igualdade, como mesmo, porque não, uma superioridade africana. Ela
> >podia nomeadamente ver-se pelo caracter revolucionário das lutas
> >africanas. Foi pelo viés da revolução que os africanos inspiraram a
> >esquerda europeia e os seus líderes passaram a ser venerados nas
> >Universidades e centros de saber progressistas. Toda uma geração do
> >pós-guerra empenhada na transformação profunda das sociedades
> >ocidentais pulsou com o avanço da auto-determinação e das
> >independências.
> >
> >É preciso que se lembre que uma boa parte dos dirigentes das lutas
> >independentistas tinham uma audiência intelectual no ocidente que
> >seguramente era superior aos dos actuais líderes políticos do
> >continente. Pode-se assim dizer que a reinividicação em contraponto,
> >a pirâmide invertida, a afirmação do negro e da negritude, serviu
> >para algo significativo: a construção de uma ideologia poderosa.
> >
> >Mário de Andrade foi um dos artífices dessa construção ideológica.
> >Mas fê-lo sempre com um certo cepticismo. As suas críticas ao
> >discurso da negritude, e do luso-tropicalismo do brasileiro Gilberto
> >Freyre, começam já nos anos 60. À medida que o discurso étnico e
> >racial penetra o interior dos movimentos de libertação (com
> >conflictos e competição entre mestiços e negros) ele começa a
> >questionar os fundamentos da valorização do negro às expensas dos
> >princípios humanistas. Com Amílcar Cabral encontra a resposta na
> >dimensão cultural da libertação nacional. Isso é um discurso e
> >ideologia sofisticados, e completamente diferente do de muitos bandos
> >armados que pululam agora no continente. Um levantamentamento recente
> >recenseou 48 só na CEDEAO. Era Fanon que dizia que a falsificação da
> >História e a marginalização pela burguesia nacional na base da etnia,
> >raça ou religião levaria a conflictos e violência organizada.
> >
> >A maior parte do debate actual do Codesria sobre estas questões trata
> >raça como um conceito fundador. Reduz-se assim a complexidade do tema
> >e não se admite o quanto ele já estava encerrado de contradições no
> >período da libertação. Não se trata de algo inventado agora. O debate
> >entre Fred Hendricks e Suren Pillay (Pillay, 2004) sobre a relação
> >entre raça e classe na Africa do Sul actual apenas confirma que as
> >categorias raciais são também construções ideológicas. A evolução do
> >conhecimento sobre identidades obriga-nos, no entanto, a uma
> >releitura total da questão, como tentarei provar mais adiante.
> >
> >A negritude como fundamento é uma fição. Não se pode converter um
> >continente a uma raça (Pillay, 2004). Então o que e ser africano?
> >Qual é a génese e justificação de outra ideologia sempre presente: o
> >pan-africanismo?
> >
> >Edward Said demonstrou de forma definitiva que Ocidente e Oriente são
> >criações abstractas dos homens e, como acontece muitas vezes, as
> >construções ideológicas dos mais fortes e poderosos têm uma vida mais
> >farta e disseminação mais invasora. Oriente foi uma criação do
> >Ocidente. "(...) o orientalismo -disse- teve uma posição de
> >autoridade tal que não creio que ninguém ao escrever, pensar ou agir
> >sobre o Oriente pudesse fazê-lo sem se aperceber das limitações que
> >impunha ao pensamento e a accão. Em resumo, por causa do orientalismo
> >o Oriente não era (e não é) um objecto livre de pensamento ou ação.
> >Isto não significa que o orientalismo determine unilateralmente
> >aquilo que pode ser dito sobre o Oriente, mas sim que ele constitui
> >toda uma rede de interesses que são inevitavelmente convocados (e que
> >estão como tal nele implicados) em qualquer ocasião em que o Oriente
> >seja a questão" (Said, 1997, 3-4).
> >
> >Esta análise é válida em relação à Africa e até ao pan-africanismo.
> >Mas antes é preciso explicar em que circunstâncias.
> >
> >Mudimbe, seguindo a mesma linha de pensamento, demonstrou que a ideia
> >geográfica de Africa, começou por ser uma criação ocidental.
> >Isto é curioso pois a divisão do mundo em Ocidente e Oriente deixa um
> >buraco para a Africa sub-sahariana. É como se ela fosse um
> >sub-produto do Orientalismo. Ao conceito geográfico de Africa vão-se
> >associar, posteriormente, determinismos vários. Segundo Mudimbe desde
> >o século XV a Africa vai ser assimilada a uma mistura
> >pseudo-científica e ideológica que inclui campos semânticos dos
> >conceitos de primitivismo e selvajaria, importados da ideia de
> >barbarismo; e que servirão para justificar o trafego de escravos
> >(Mudimbe, 1994). Mudimbe demonstra com precisao o processo de
> >aprópriação do conceito de Africa pelos movimentos políticos
> >africanos e como, aos poucos, uma ideologia indubitavelmente gerou
> >seu contraponto: o pan-africanismo.
> >
> >A partir desta ideia central acertada Mudimbe lança-se, às vezes, num
> >ataque desproporcional sobre a construção de ideologias baseadas no
> >marxismo, e logo, por associação indirecta, as pan-africanas. Uma
> >coisa têm muito pouco a ver com a outra. Ele esquece o papel
> >transformador que essas ideologias baseadas no pan-africanismo
> >tiveram na mobilização cultural dos africanos, na alteração da sua
> >condição política, na sua autodeterminação e transformação. Esse
> >ataque levou a uma polarização entre adeptos e vilipendiadores do
> >pan-africanismo, uma divisão tão ridícula como discutir quem está a
> >favôr ou não do Orientalismo, do pan-arabismo, dos valôres asiáticos,
> >etc. Essas construções ideológicas devem servir de instrumento de
> >análise histórica dos intelectuais e não como arma de arremesso para
> >escolher campos.
> >
> >Mas quo vadis do pan-africanismo hoje?
> >
> >Mário de Andrade oferece uma pista de reflexão. Para ele a memória
> >histórica da diáspora era fundamental para entender aqueles que
> >saíram, mas também os que ficaram, como resultado do trâfego de
> >escravos. A partir dessa constatação ele mesmo se dedicou nos últimos
> >anos da sua vida a aturada pesquisa em centros de memória da diáspora
> >como a Howard University, de Washington DC, ou o Schomburg Center, em
> >Harlem, Nova Iorque. Não fazia senão continuar à procura do fascínio
> >que os negros americanos tinham provocado junto dos
> >proto-nacionalistas afro-portugueses, como os chamou: "um referente
> >priviligeado do renascimento africano (...) Mantendo-se à escuta dos
> >acontecimentos que dizem respeito aos povos do mundo negro, os
> >ideólogos e publicistas contribuem para universalizar o discurso
> >sobre a raça" (Andrade, 1997ª, 184). E acrescenta que eles apenas
> >contribuiram para um processo de ruptura e continuidade.
> >
> >"(...) o protonacionalismo, na sua essência, foi produtor de um
> >discurso com uma finalidade ilusória (...) não tinham atingido o grau
> >crítico de compreensão lógica do sistema colonial português
> >(...) E aí reside, precisamente, o ponto de ruptura que será expresso
> >pela geração que fará a sua entrada na cena da história logo depois
> >da Segunda Guerra Mundial" (Andrade, 1997ª, 186).
> >
> >Essa ruptura, que deu origem aos movimentos nacionalistas, foi
> >importante mas insuficiente. Para Mário de Andrade uma nova ruptura
> >depois das independências era inevitável. A ruptura para afirmar os
> >princípios da inclusão, pluralidade e defesa de minorias, uma ideia
> >que lhe levou à Revolta Activa dentro do MPLA, assumidamente um
> >movimento intelectual parecido com o aggiornamento da esquerda
> >europeia, contra o centralismo e as tendências autoritárias. Nessa
> >mesma linha passou a questionar a manipulação ideológica do
> >pan-africanismo pelos dirigentes dos novos Estados independentes,
> >como forma de legitimação de poderes autoritários.
> >
> >Essas interrogacões são mais importantes do que querer fazer uma
> >aturada epuração de quém é ou não é africano. Como disseram Olukoshi
> >e Nyamnjoh a questão da africanidade é um debate dos que têm poder,
> >sejam elites, dirigentes, classe média ou intelectuais. Para a grande
> >massa dos africanos a Africa é a vivência real, a luta pela dignidade
> >e a humanidade. "Para estas pessoas o facto da sua africanidade não
> >está em questão nem é uma questão (...) Somos supostos assumir, no
> >entanto, que todos os que reclamam Africa definirão os seus papeis,
> >incluindo respeitar os seus compromissos com o continente"
> >(Olukoshi/Nyamnjoh, 2004, 2).
> >
> >4. CIDADANIA, INCLUSÃO E MODERNISMO
> >
> >Qualquer ideologia têm três ambicões: i) a construção do ideário de
> >uma classe ou grupo em ascensão; ii) a sua transformação em senso
> >comum: e iii) a sua imposição em nome de todos pela nova classe
> >dirigente. Muitas vezes essa evolução acontece de forma intuitiva e
> >racional. A ideologia é uma representação, não é realidade.
> >
> >Durante a luta de libertação nacional a ideologia prevalecente
> >variava conforme os países e territórios. Podia-se, mesmo assim,
> >descortinar alguns pontos de convergência à volta de pan-africanismo,
> >nacionalismo, desenvolvimento e o papel do Estado na justificação dos
> >três pilares referidos. Com várias decadas pós-independentes e
> >possível fazer então uma crítica das ideologias que se tornaram senso
> >comum e são agora o apanágio das classes dirigentes. Os intelectuais
> >africanos devem posicionar-se na linha de frente dessa leitura
> >crítica.
> >
> >Para alguns esse debate têm vindo a ser feito como se houvesse
> >necessidade de preservar as ideologias de forma estática. Outros
> >acham que a leitura passa por uma limpeza de todos os argumentos que
> >serviram de sustentáculo a essas mesmas ideologias. Alguns argumentos
> >são interessantes. Por exemplo a defesa de uma visão pós-colonial,
> >refrescada com teorias pós-modernistas, pode ter o seu apelo. Obriga
> >a uma auto-crítica sobre o silêncio de certos intelectuais quando
> >houve clara deriva e manipulação das ideologias nacionalista e
> >pan-africanista, para fins autoritários e de exclusão. Outros são
> >falaciosos porque equacionam a Africa como apêndice da reflexão
> >antropológica ocidental, agora vestida de linguagem politicamente
> >correcta, justificando uma tendência africana para a desordem, o
> >conflicto ou formas de gestão do poder desagredadoras e acéfalas. Por
> >essa razão não é muito apropriado importar categorizações simplistas
> >de pós-modernismo ou pós-colonialismo.
> >
> >Seria um absurdo associar nacionalismo e pan-africanismo a
> >comportamento autoritário. Mário de Andrade reprovaria
> >veementemente. Mas também admitiria, e a sua vida é um exemplo disso,
> >que os dilemas da cidadania, inclusão já estavam presentes antes das
> >independências. Amílcar Cabral foi um dos mais elaborados na
> >articulação desses perigos (Lopes, 2005ª). O trabalho biográfico
> >exaustivo de Mário de Andrade sobre a obra de Cabral tinha como
> >preocupação primeira a disseminação desses alertas. Os trabalhos de
> >Claude Ake não deixam dúvidas sobre sua preocupação com o mesmo tema.
> >Na compilação "African Intellectuals" Thandika Mkandwire et al, fazem
> >uma acusação violenta à censura que essas ideologias acabaram
> >provocando, bem como ao papel de Estados intolerantes, que barraram
> >qualquer espaço ao pensamento autónomo (Mkandawire et al., 2005).
> >Porém, a associação de intelectuais a poderes autoritários deve
> >fazer-nos lembrar a cumplicidade de alguns deles.
> >
> >Este debate, curiosamente, está associado à definição de boa
> >governanca, como nos explica o mesmo Mkandawire. Durante o processo
> >de preparaçao dos estudos prospectivos do Banco Mundial sobre Africa,
> >em 1989, foram convocados vários académicos africanos. No prefácio da
> >obra final são reconhecidos como tendo sido os responsáveis por uma
> >viragem no pensamento apresentado no estudo em relação a questões de
> >governanca. No grupo havia nomes como Claude Ake, Makhtar Diouf e Ali
> >Mazrui. Esses académicos convergiam sobre o facto de que para superar
> >o desafio do desenvolvimento era preciso estabelecer relações
> >Estado-sociedade que tivessem as seguintes
> >características:
> >
> >1. - fossem desenvolvimentistas, no sentido de que permitissem uma
> >gestão da economia que maximizasse o crescimento económico, induzisse
> >mudanças estruturais, e usasse recursos de forma eficiente,
> >competitiva e sustentável; 2. - fossem democraticas e respeitosas dos
> >direitos cidadãos; 3. - e, socialmente inclusivas, providenciando
> >condicões dignas, e participação nos processos nacionais (Mkandawire,
> >2004).
> >
> >Boa governança deveria ser entendida como a implementação desses três
> >pilares, e não como depois acabou sendo popularizada.
> >
> >Qualquer uma destas características têm a ver com o pensamento
> >moderno. Ao comparar os renascimentos árabe e ocidental, Samir Amin
> >explica que a relação com a religião foi fundamental no sucesso de um
> >em relação ao outro. A laicidade do Estado, inspirada da Grécia
> >antiga, permitiu ao Ocidente uma modernidade emancipatória,
> >necessária para consolidar o capitalismo e a democracia. Já no caso
> >árabe o renascimento do século XIX nunca foi para além dos parâmetros
> >da religião muçulmana, não rompendo com conceitos tradicionais e
> >restrições de liberdade (Amin, 2004). Pode-se dizer que toda a Africa
> >batalha com problemas similares. Segundo Paulin Hountondji ao olhar
> >os ícones do passado têm de se reconhecer deficiências no seu
> >discurso modernista. "É preciso hoje apropriar-se dessa contribuição
> >de maneira lúcida, crítica e responsável" (Hountondji, 2004, 104).
> >
> >A popularização da democracia multipartidária, a partir do final dos
> >anos 80, modificou consideravelmente a paisagem política no
> >continente. Nos seus primórdios essa transformação foi provocada por
> >um conjunto de factores internos e externos: fim da guerra fria,
> >mudança das relações do continente em termos económicos e comerciais,
> >isolamento internacional crescente, ajustamento estrutural, pressão
> >para reformas institucionais, no campo externo; e no campo doméstico,
> >exasperação pela falta de alternância, urbanização e aumento
> >demográfico, juventude mais radical e desesperada, lutas pelos
> >direitos da mulher, desigualdade crescente, aparecimento de
> >movimentos cívicos.
> >
> >Como observador atento Mário de Andrade vivenciou estas
> >transformações nos seus últimos anos de vida, entre Maputo, Praia,
> >Paris e Lisboa. Preocupava-se com a restrição de liberdades na maior
> >parte do continente. A intolerância e a bajulação provocadas pelo
> >poder. Tinha horror ao cerimonial do poder. Mas nada lhe causava mais
> >desespero do que a exclusão de cidadania. Sendo ele mesmo uma vítima
> >dessa prática política podia observá-la como a hipocrisia mais
> >evidente do suposto caracter nacionalista e pan-africanista de uma
> >parte dos dirigentes africanos.
> >
> >O número de países excluindo na base de origem, raça, etnia, religião
> >ou filiação política foi-se estendendo. Se Amílcar Cabral fosse vivo,
> >a uma dada altura, teria sido destituído de sua nacionalidade
> >guineense. Como foram outros dirigentes nacionalistas importantes
> >vivos. Mário de Andrade contentou-se com nacionalidades de
> >empréstimo, praticando um pan-africanismo pragmático, que é cada vez
> >mais raro.
> >
> >O debate sobre a Ivoirité, é apenas o cume de um problema mais vasto
> >que afecta quase metade dos países do continente. Os intelectuais têm
> >de denunciar estas praticas e não podem esconder-se nas suas
> >lucubrações datadas. Cada vez mais se reconhece que o mundo têm uma
> >só atmosfera, economia, e também um direito internacional mais amplo,
> >uma comunicação mais fluída. Isso também presume a necessidade de uma
> >ética global. Uma ética que reconheça direitos de identidade baseados
> >no princípio de que o desenvolvimento é para trazer mais
> >oportunidades, ou seja mais liberdade de escolhas.
> >
> >Amartya Sen afirma que "a liberdade é central para o processo de
> >desenvolvimento por duas razões: 1) a razão avaliatória: a avaliação
> >do progresso têm de ser feita verificando-se primordialmente se houve
> >aumento da liberdade das pessoas; 2) a razão da eficácia: a
> >realização do desenvolvimento depende inteiramente da livre condição
> >de agente das pessoas" (Sen, 2002, 18).
> >
> >A medição dessas duas razões de Sen pode ser feita pelo grau de
> >cidadania e inclusão das sociedades modernas. Este é um debate
> >africano. Este é um desafio para os intelectuais africanos. Para que
> >filhos de Africa, como Mário de Andrade, não tenham que quemandar um
> >passaporte até à morte.
> >
> >Carlos Lopes, New York, Novembro 2005
PaAFRICA E OS DESAFIOS DA CIDADANIA E INCLUSÃO:
> >O LEGADO DE MÁRIO DE ANDRADE
> >
> >Palestra Cheikh Anta Diop, por Carlos Lopes (Assembleia Geral do
> >Codesria, Maputo, Dez 2005)
> >
> >Para muitos aqui presentes o nome de Mário de Andrade não despertará
> >imediatamente a atenção. Para outros relembrará, no entanto, uma
> >memória importante.
> >
> >Imaginemos o jovem que em 1954, corrigia, em Paris, as provas de um
> >livro que serviria de referência para os intelectuais africanos: "
> >Nations Nègres et Culture", de Cheikh Anta Diop. O mestre acabara a
> >sua obra prima mas estava doente e precisava de ajuda. O mais jovem
> >aprendia com esse trabalho um pouco mais das suas funções de artesão
> >das letras. O seu espírito inquieto já lhe tinha trazido alguns
> >dissabores com o seu chefe e patrão, o outro Diop. Trata-se de
> >Alioune Diop, criador da revista Présence Africaine, que a História
> >ilustre daqueles anos registou como uma contribuição fundamental, na
> >afirmação de uma identidade política em formação.
> >
> >Nada tinha, à priori, predestinado esse jovem angolano a se tornar o
> >chefe de redação de uma revista em francês, e ter a capacidade de
> >poder inclusivé corrigir as provas de Anta Diop. Bem, na realidade,
> >os seus anteriores estudos de linguística brindaram-lhe uma
> >disciplina etimológica e sintáxica que jamais descurou. Tornou-se
> >desde muito cedo no maior amigo do dicionário, o pai dos espertos,
> >como gostava de brincar. Mas na Présence Africaine começou apenas
> >como secretário particular daquele que admirava, e que pouco dinheiro
> >tinha para lhe pagar.
> >
> >Logo falaremos dos contornos de vida que levaram Mário de Andrade,
> >pois é dele que se trata, a ter esse e muitos outros encontros com a
> >História. Como eterno dissidente era natural que se tornasse em
> >eterno exilado. E foi nesse caminhar de lugar para lugar que acabou
> >cruzando a Bissau pós-independente dos anos 70. Aí tive o privilégio
> >de o conhecer, com ele trabalhar, para depois, assumidamente, me
> >considerar seu discípulo. Deixou-nos há 15 anos atrás.
> >
> >Ao ser convidado para proferir esta palestra ocorreu-me imediatamente
> >a ideia de me conectar a Anta Diop através do fio condutor geracional
> >que me leva a Mário de Andrade. Provavelmente também porque ao fazer
> >uma releitura do legado deste último, chegaremos às propostas do
> >primeiro, suas limitações, e à necessidade de contextualizar ambos
> >nos debates que nos sacodem hoje.
> >
> >Não tenhamos ilusões: os intelectuais africanos estão divididos, suas
> >propostas têm crédito reduzido, suas respostas são tentativas, o seu
> >papel ainda muito desprezado, e sua influência, por consequênçia,
> >bastante limitada. É minha convição que o exemplo de Mário de Andrade
> >é significativo, nomeadamente para nós do espaço lusófono, para
> >entender os actuais desafios dos intelectuais africanos.
> >
> >Vou dividir esta palestra em quatro partes: começarei por apresentar
> >sucintamente o tempo de Mário de Andrade e a geração que o precedeu,
> >e que ele mesmo designou de proto-nacionalista; depois virá uma visão
> >crítica do nacionalismo africano e as suas propostas revolucionárias;
> >em seguida as conquistas, mas também as derivas da negritude e do
> >pan-africanismo; isso permitirá depois analisar as consequências para
> >a cidadania, inclusão e respeito de identidades; e, finalmente,
> >terminar com a interrogação sobre o que tudo isto representa para os
> >intelectuais africanos.
> >
> >1. COMO TUDO COMEÇOU
> >
> >Mário Coelho Pinto de Andrade nasceu no Golungo Alto, na provínvia do
> >Kwanza Norte, em 21 de Agosto de 1928. O seu pai, José Cristino Pinto
> >de Andrade, funcionário bancário, foi um dos fundadores da Liga
> >Africana. Sua mãe, era descendente, mas um pouco abandonada, de uma
> >família de fazendeiros. Mário de Andrade viveu entre pais separados e
> >famílias com várias ramificações, à boa maneira africana. A formação
> >da sua personalidade foi marcada pela vivência rural oferecida pela
> >família de sua mãe, com quem ficou um tempo, mas mais intensamente
> >pelo ingresso no Seminario Católico de Luanda, onde estudou com seu
> >irmão Joaquim, o ex-Cardeal de Luanda D.
> >Alexandre do Nascimento, e outras grandes figuras do nacionalismo
> >angolano.
> >
> >Ao descrever a Luanda dos anos 30 Mário de Andrade, no seu título
> >postumo "As Origens do Nacionalismo", fala-nos de uma míriade de
> >instituições, jornais e processos, que se desenvolveram
> >simultâneamente nas várias colonias portuguesas de Africa. As
> >referências ao resto do continente e ao Brasil estão obviamente
> >presentes, mas não de maneira marcante. Estes movimentos são apegados
> >à valorização dos filhos da terra, em oposição aos que dela não se
> >interessam. Os seus membros quase sempre se revoltam pela falta de
> >atenção das autoridades, o desleixo burocrático e as injustiças no
> >tratamento dos conhecimentos locais, em relação aos que chegam da
> >metrópole.
> >
> >Sem querer detalhar a complicada, embora fascinante, evolução destes
> >movimentos, também chamados de nativos, ou nativistas, a verdade é
> >que eles congregam cada vez mais reinvidicações de caracter político.
> >Essa vertente acabará por determinar o seu futuro: a luta por
> >direitos e, nessa luta, a defesa da cidadania plena.
> >
> >Mas tratava-se de facto de uma cidadania plena, como podemos conceber
> >hoje? Não. Os proto-nacionalistas, como os baptizou Mário de Andrade,
> >eram cheios de contradições e pensavam que os valôres da terra
> >estavam associados à sua capacidade de os protagonizar, ou seja,
> >eles, letrados ou portadores de cultura e saber, no sentido lato
> >desses termos, deveriam ter direitos iguais aos outros cidadãos
> >portugueses. Mas aí parava a reinvidicação.
> >
> >Influenciada pela forma como o Brasil se tornou independente a elite
> >portuguesa distanciou-se um pouco de suas congéneres coloniais
> >europeias, na legitimação de sua ação colonizadora. Em todo o período
> >republicano português sempre existiu alguma forma de representação
> >das colonias nos poderes legislativos centrais, porquanto isso fosse
> >absolutamente não democrático, como justificação para uma ideologia
> >centralizadora: uma só nação, dividida por vários territórios. Assim
> >regia o velho sonho do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, que
> >involuntariamente se transformou em teórico da excepção portuguesa.
> >Ele acreditava que 'o mundo que o português criou' era mais cordial,
> >simpatico e menos dado a uma dominação absoluta e racista. Na
> >realidade esse mundo era mais perverso e se defendia com argumentos
> >diferentes por nunca ter tido a força de dominar economicamente o que
> >detinha, e por essa razão, defensiva, ter-se transformado no mais
> >centralizador dos impérios. Centro fraco, sim, mas com ideologia
> >diferente.
> >
> >Não deixa de ser verdade que os portugueses criaram arquipelagos de
> >relações sociais perversas, e crioulizaram até os movimentos, que
> >depois dariam origem a luta anti-colonial. Ela começa com os
> >proto-nacionalistas. Negros na sua maioria, mas também mestiços e até
> >alguns brancos nativos co-optados para a causa.
> >
> >O processo de urbanização dos anos 30 em Luanda favoreceu o
> >florescimento de bairros típicos, como as Ingombotas, que para além
> >do Km 5, como aludia Mário de Andrade, congregava famílias como a
> >dele próprio, mas também as de Bento Ribeiro, Viana, Mingas, Vieira
> >Dias e Van-Dunem; nomes que qualquer aprendiz da política angolana
> >reconhece. Mário de Andrade não era um membro qualquer dessa
> >comunidade já que muito jovem foi recrutado como professor de latim e
> >português em vários colegios da cidade. Para um negro sem formação
> >universitária isto era um autêntico fenómeno. Ele chegou a ser
> >Professor de gente hoje famosa como Carlos Ervedosa ou Uanhenga Xitu.
> >Seu irmão, que depois seria enviado para a Universidade Gregoriana de
> >Roma, também foi docente, e depois já como padre, Chanceler da
> >Arquidiocese de Luanda; até ser preso em 1960 pelas autoridades
> >portuguesas, durante 14 anos. Nesse interim foi Presidente honorário
> >do MPLA, eleito em 1962. Estamos pois em presença de duas grandes
> >figuras da mesma família que muito influenciaram os rumos da
> >discussão política de Angola.
> >
> >A geração de seu pai, que Mário de Andrade pejorativamente
> >classificava de lumpen-aristocracia, "eram assimilados, eram homens
> >que acreditavam serem verdadeiramente os defensores dos valôres
> >antigos" (Andrade, 1997a, 35). Mas liam os autores brasileiros, bem
> >como Gogol e Gorsky, e muitos eram os divulgadores de "A voz de
> >Angola clamando no deserto", um texto ensaístico de 1901, que servia
> >de referência para a construção de uma identidade de luta.
> >
> >Poucos negros tinham a possibilidade de estudar, já que as regras
> >apertadas da política de assimilação, coabitavam com alguns negros em
> >lugares de destaque, mas apenas os que conseguiam furar a malha da
> >descriminação burocrática. A descriminação social, essa era toda uma
> >outra realidade. Mesmo assim os priviligeados que se destacavam iam
> >para Lisboa. Para lá conseguiu rumar, com dificuldades, Mário de
> >Andrade, em 1948. Na bagagem levava algumas promessas, como a que
> >fez ao seu amigo de tertúlia literária Viriato da Cruz, de que
> >ficaria sempre sintonizado com a terra. Viriato da Cruz viria a criar
> >uma série de movimentos de caracter comunista, fez parte do núcleo
> >fundador do MPLA, e morreu no exílio na China.
> >
> >Mário de Andrade ficará em Lisboa apenas cinco anos, mas parecerão
> >muitos mais para qualquer historiador contemporâneo. É neste período
> >que a agitação da Casa dos Estudantes do Império vai desembocar na
> >criação do Centro de Estudos Africanos, na publicação de várias obras
> >de ensaio e poesia de exaltação da africanidade e negritude, e a
> >maturação das ideias que depois darão origem aos movimentos
> >nacionalistas mais radicais das colonias portuguesas. O expoente
> >deste processo é, sem dúvida, Amílcar Cabral, cujo nome afectivamente
> >Mário de Andrade associa a toda a sua geração: a Geração de Cabral.
> >Mas o agente cultural é Mário de Andrade.
> >
> >Nas palavras dos própios eles começaram a 'reafricanizar os seus
> >espíritos', a entender que os negros tinham mais do que direitos,
> >tinham direito à sua própria independência. A sua dignidade passava
> >pela sua auto-determinação. As leituras e circulação de ideias
> >marxistas davam uma base sólida para poder conceber uma nova forma de
> >luta, unitária, capaz de entender a complexidade da realidade
> >colonial. A força desses movimentos virá do seu caracter unitário, e
> >esse caracter reforça-se na base da concepção colectiva da Africa e
> >das lutas nacionais.
> >
> >Esses movimentos não experimentam qualquer contradição entre a defesa
> >do negro e sua dimensão profundamente humanista e inclusiva.
> >Os seus primeiros apoios vem do Marrocos, da Argélia, da Tunísia de
> >Bourghiba, um dos grandes contribuintes do nacionalismo, do Egipto de
> >Nasser. O papel posterior de Ben Bella e de Fanon será magnético.
> >Em menor escala são influenciados pelos nacionalistas de outras
> >paragens, mas mitificam a Independência dos etíopes e são entusiastas
> >do processo de criação da OUA.
> >
> >Mas, sem margem para dúvida, são os intelectuais e a diaspora que
> >servem primeiro de luz. Eles mesmos sendo da diaspora não poderia ser
> >de outra forma. Para tanto a deslocação de Mário de Andrade para
> >Paris é decisiva. As grandes influências literárias em Lisboa são
> >Nicolas Guillén, Alan Patton, Leopold Sedar Senghor, Aimé Cesaire,
> >Roy Albridge, Countee Cullem, Langston Hughes e os brasileiros Lins
> >do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos. O bibliotecário do grupo, vai
> >alargar os horizontes a partir de Paris. Mário de Andrade trava
> >conhecimento directo, entre outros, com Ferdinand Oyono, Richard
> >Wright, René Maran, Eza Boto, Bernard Dadié, Ray Autra, Albert Camus,
> >Jean-Paul Sartre, René Depestre, para além dos seus professores
> >Georges Gurvitch, Georges Balandier e Roger Bastide, os pais da
> >sociologia moderna Francesa.
> >
> >Nesse leque enriquecedor vão também entrar William Dubois, para além
> >de Cesaire, Senghor, Anta Diop e tantos outros que participaram nos
> >Congressos Pan-africanistas, e de escritores e artistas negros,
> >alguns dos quais Mário de Andrade ajudou a organizar, entre Londres,
> >Paris e Roma. É durante esse período que começam a surgir as
> >primeiras contradições na interpretação pan-africana, polarizadas à
> >volta de Dubois e Marcus Garvey, um americano e outro jamaicano.
> >Segundo Andrade "ressente-se a convergência conceptual na visão
> >utópica da Africa. Fundamentado na convição teórica de uma
> >superioridade dos Afro-Americanos (Black American ou
> >African-American), adquirida ao longo do processo da escravatura,
> >Marcus Garvey 'an extraordinary leader of men', nos própios termos de
> >Dubois, vislumbrava a organização de um esforço de construção do
> >continente a partir da Libéria, espaço de realização económica e
> >financeira de um modelo de sociedade forjada nos Estados Unidos da
> >América, conforme o paradigma civilizacional do Ocidente" (Andrade,
> >1997b, 161).
> >
> >Esses anos 50 e 60 são os das lutas independentistas do continente.
> >O FLN argelino, Kwame Nkrumah e Sekou Touré criam as bases para
> >albergar os nacionalistas de todos os quadrantes. Essa ajuda vai ser
> >bem utilizada pelos nacionalistas das colonias portuguesas. Não é
> >pois de admirar que Mário de Andrade comece cada vez mais a
> >frequentar Argel, Casablanca, Accra, para eventualmente mudar para
> >Conakry em 1960, o ano das Independências africanas. Várias razões
> >militaram para essa escolha; mas a mais importante é a presença de
> >Amílcar Cabral, que tinha assumido a liderença da Frente
> >Revolucionária Africana para a Independência, que depois cedeu o
> >lugar, em 1961, à Conferência das Organizações Nacionalistas das
> >Colonias Portuguesas, que Mário de Andrade dirige de facto, na sua
> >qualidade de Secretário Geral.
> >
> >Antes de se instalar em Conakry Amílcar Cabral havia criado o Partido
> >Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), e
> >contribuído para unificar vários movimentos nacionalistas angolanos
> >que darão origem ao MPLA, no ano charneira de 1956. O primeiro
> >Comité Director do MPLA é estabelecido em 1960, sendo Mário de
> >Andrade escolhido como primeiro Presidente. Ele depressa cederá o
> >lugar a Agostinho Neto, em 1962, por razões que já explicarei.
> >
> >Mário de Andrade, dirige a CONCP, retorna às lides intelectuais onde
> >navegava com facilidade e serve de ponte externa aos vários
> >movimentos. No início dos anos 70 chega a participar, em condicões
> >dramáticas, na frente leste da luta armada. Mas quando em 1974, nas
> >vesperas da independência se posiciona contra a ala dita
> >presidencialista, de Agostinho Neto, é como outros dirigentes,
> >incluindo seu irmão Joaquim, empurrado para uma dissidência, que fica
> >conhecida como a da 'Revolta Activa'.
> >
> >A 11 de Novembro de 1975 Angola torna-se independente, debaixo do
> >fogo de uma guerra civil que durará mais 30 anos. Mas antes que Mário
> >de Andrade possa se quer participar das escolhas do país para o qual
> >foi um lutador incansavel, já acusado de fracionismo e refugia-se na
> >Guiné Bissau. O então Presidente, Luís Cabral, irmão de Amílcar,
> >acolhe-o como biógrafo do heroi guineense e caboverdiano, e depois
> >nomeia-o Presidente do Conselho Nacional de Cultura, e mais tarde
> >Ministro da Informação e Cultura. Por lá ficará Mário de Andrade, com
> >actividade cultural frenética, até ao primeiro golpe de Estado da
> >Guiné Bissau em Novembro de 1980.
> >
> >Novo exílio e fim de vida num Hospital de Londres dez anos depois. O
> >tempo de ainda escrever obras fundamentais, aprimorar sua
> >contribuição sobre o papel dos intelectuais, antes de ser enterrado
> >com cerimonial de Estado em Luanda, no seu país, onde só regressa no
> >caixão e ... que nunca lhe concedeu um passaporte.
> >
> >2. NACIONALISMO E PENSAMENTO REVOLUCIONÁRIO
> >
> >Seria certamente interessante fazer mais uma incursão analítica sobre
> >o discurso nacionalista africano. O que nos importa, no entanto, é
> >tão somente reflectir sobre em que contexto o pensamento de Mário
> >Andrade sobre Nação e nacionalismo evoluiu, e demonstrar quão actual
> >continuam a ser às suas análises.
> >
> >Mário de Andrade foi primeiro influenciado sobre a necessidade de uma
> >historicidade africana. Na altura o objectivo era refutar a tese
> >hegeliana da ausência de História africana. Esse período, que chamei
> >de pirâmide invertida, tinha em nomes como Joseph Ki-Zerbo, Téophile
> >Obenga e outros, os defensores da demonstração de que a História de
> >Africa era uma antítese do que se tinha dito durante muito tempo.
> >Houve exageros de algumas formulações apressadas e certas analogias e
> >comparações. Com a distância do tempo a profundidade de Cheickh Anta
> >Diop destaca-se.
> >
> >Profundo humanista ele tentou demonstrar que o lugar da contribuição
> >negra para a História Universal era irrefutável, e tinha o seu ponto
> >culminante na civilização egípcia. Ao fazê-lo desenvolveu várias
> >teses, sendo a mais intrigante a relacionada à pigmentação e
> >melanoma, como factores de manipulação do pensamento civilizacional
> >ocidental. Falando da unidade biológica do ser humano Anta Diop dizia
> >que"... le problème est de rééduquer notre perception de l'être
> >humain, pour qu'elle se détache de l'apparence raciale et se polarise
> >sur l'humain débarrassé de toutes coordonnées ethniques."
> >(Diop, 1982, 138).
> >
> >Era natural que Anta Diop define-se a problemática nacional em termos
> >de contraponto à ideia de uma civilização ocidental. Como renomado
> >egiptólogo provou que a realidade da presença negra no composito dos
> >valôres modernos universais era reconhecida até pelos gregos. No
> >contexto da sua época era singular o direito ao contraditório. Era
> >algo que poucos podiam fazer com a qualidade e audiência de Anta
> >Diop. Mas houve exageros. Assim ele reforçou, duvidosamente, a ideia
> >de que a unidade biológica dos humanos só podia ser repartida pela
> >vivência cultural e não civilizacional, já que os fundamentos desta
> >última são contribuição de todos. E, no caso singular do Egipto,
> >sobretudo dos negros. Daí a confundir nação e cultura, contendo esta
> >as tais especificidades de alteridade, era um passo compreensível.
> >Mas na realidade errado, já que o próprio conceito de puridade racial
> >que Anta Diop denunciava com veemência, lhe servia igualmente de
> >fundamento para a diferenciação.
> >
> >Trata-se do debate da época, mas um debate que continua presente no
> >nosso tempo. Como se situava Mário de Andrade nessa discussão?
> >
> >Ao designar de proto-nacionalista a geração de seu pai, Mário de
> >Andrade admitiu que às lutas fragmentadas pela dignidade dos filhos
> >da terra tinham uma vertente que levaria a uma reinvidicação de tipo
> >nacional. Ele mesmo, filho, acabou integrando a geração que luta
> >pelos direito a auto-determinação e independência, e fê-lo com a
> >ideia de que Nação era um instrumento utilitário para unificar lutas
> >fragmentadas. Ou seja era uma invenção social conveniente que ganhou
> >forma com a contribuição dos própios protagonistas. Nada de diferente
> >em relação ao pan-africanismo, outra construção hipotética, inventada
> >pela diaspora militante, que não dispunha de identificacao
> >territorial própria no continente.
> >
> >Construções sociais eram ponto comum nos debates marxistas de então.
> >Com a reinterpretação de desejo nacional oferecida pela Comuna de
> >Paris o nacionalismo passou a ser associado à luta de classes. Kwame
> >Nkrumah entitulou o seu livro principal "Luta de classes em Africa",
> >Fanon desenvolveu a teoria da substituição do caracter revolucionário
> >e nacionalista do proletariado pelos camponeses africanos, e Amílcar
> >Cabral teorizou que o conjunto da população colonizada se
> >transformava em classe nacional.
> >
> >Para completar estes artifícios teóricos faltava a fundamentação
> >histórica que Anta Diop e seus companheiros proporcionavam. Ao
> >inaugurar o primeiro laboratório de carbono 14 na Africa, Anta Diop,
> >simbolicamente, mostrava a capacidade adquirida de datar os factos,
> >uma prova da antiguidade da historicidade em construção, o elemento
> >fundamental do nacionalismo cultural.
> >
> >Se cultura servia de matriz, então ela tinha de ter uma forma
> >marcante de alteridade, em relação aos valôres culturais do
> >colonizador. Quase que automaticamente esta alteridade era encontrada
> >no caracter negro, o elemento excluído da assimilação colonial. Até
> >Fanon, a partir da Argélia, o reconhecia, mostrando que essa
> >reinvidicação da alteridade negra, não era uma luta racial, ainda
> >menos racista.
> >
> >Este nacionalismo encontrava eco na negritude. Mário de Andrade
> >admirou o rompimento de Aimé Césaire deputado, com o Partido
> >Comunista Francês, por este último não ser capaz de integrar a
> >dimensão cultural das colonias na equação sobre a luta de classes.
> >Achou aquela posição mais corajosa do que a de Senghor que via na
> >negritude apenas um elogio da estética negra, complementar senão
> >equiparável à ocidental. Mas as contradições avolumavam-se. Como
> >distinguir lutas anti-coloniais, genuinamente apenas 'do contra', da
> >sofisticada elaboração nacionalista. Ainda por cima era claro que se
> >tratava de um nacionalismo sem Nação, nas várias definições adoptadas
> >na época. Todas à volta da elevação de caracteres comuns como língua,
> >religião, ancestralidade, ou cultura.
> >
> >Com a chegada de vários líderes pan-africanistas ao poder começam a
> >ver-se algumas diferenças entre o nacionalismo dos revolucionários
> >asiáticos e o dos africanos. O movimento que conduzirá ao Maio de 68
> >foi aquecendo os debates da esquerda francesa, muito presente nos
> >debates dos nacionalistas, devido ao papel motor da Argélia na
> >libertação do continente.
> >
> >Mário de Andrade voltava-se, por seu turno, para os ensinamentos de
> >António Gramsci: a complexidade do estudo da realidade, para a sua
> >transformação (como preconizava o princípio do intelectual orgânico).
> >Ele dá-se conta que a dimensão cultural é melhor captada demonstrando
> >que a luta nacionalista é uma forma de dignificação civilizacional. A
> >tese é de Amílcar Cabral: a luta de libertação é uma demonstração de
> >vontade própria e por isso trata-se de um acto de cultura. Por essa
> >mesma razão a luta não pode ser contra os indivíduos mas contra os
> >sistemas. O reforço do caracter humanista é resultado das reticências
> >que ambos, Cabral e Andrade, desenvolvem em relação ao que estão
> >vendo das independências africanas.
> >Sobretudo a deriva autoritária de Nkrumah e Sekou Touré, que eles
> >conhecem mais de perto. Mas também as tendências que eles mesmos
> >observam nos seus própios movimentos. Falam cada vez mais do estudo
> >da realidade, e a necessidade do conhecimento histórico peculiar de
> >cada realidade, para a poder transformar. Mário de Andrade escreve
> >então com Marc Ollivier "A guerra em Angola", o primeiro estudo
> >sociológico de um angolano. A insitência na historicidade local é
> >inequívoca. A ponte entre as noções humanistas e históricas de Anta
> >Diop e os ensinamentos de Gramsci está feita. Mas as imperfeições
> >sobre o caracter específico do nacionalismo subsistem.
> >
> >O próprio Mário de Andrade escreve nos seus últimos dias que "convém,
> >pois, questionar se um ou mais factores (entre língua, território, a
> >vida económica ou a comunidade de cultura) isolada ou simultanêamente
> >podem desempenhar o papel de motor ou de acelerador do processo de
> >organização dos homens (ou das comunidades) em nações. (...) Mau
> >grado as ilusões da época, os chamados Estados de 'democracia
> >nacional' também não produziram exemplos paradigmaticos na materia em
> >debate [o nacionalismo]. Por seu turno, a construção da unidade
> >africana (implicando a remodelação das fronteiras herdadas da
> >partilha colonial, por dinâmica externa) não se erigiu ainda em
> >factor de consolidação nacional, num quadro continental"
> >(Andrade, 1997b, 16-17).
> >
> >2. NEGRITUDE E PAN-AFRICANISMO
> >
> >A política africana está marcada por paradoxos conhecidos: luta pela
> >integridade territorial herdada de fronteiras arbitrárias versus
> >ideologia pan-africanista; discurso sobre construção nacional versus
> >realidade pluri-étnica conflictiva; adopção de preceitos de
> >desenvolvimento versus formas distributivas refractárias do mercado;
> >promoção da cidadania versus extensão de praticas autoritárias
> >perpetuadoras de sujeitos; recusa pelas elites de modelos
> >institucionais importados versus formas de apropriação e consumo
> >novo-riquistas. A lista não é exaustiva.
> >
> >Muitos destes paradoxos não são únicos ao Estado pós-colonial
> >africano, mas adquirem aqui algumas especificidades, que giram à
> >volta de dois problemas mal resolvidos, que muito ocuparam as
> >reflexões de Mário de Andrade: a questão racial e a ideologia
> >pan-africana. Ambas as questões partem de construções humanas já que
> >tanto raça, como geografia são entidades abstractas, criadas pela
> >dinâmica histórica.
> >
> >Comecemos pela questão racial. Raça no sentido biológico não existe.
> >Todas as diferenças de tipo "racial", ou seja na realidade de
> >fenotipo, limitam-se a 0,001% do genoma humano. Pesquisas no âmbito
> >das ciências sociais demonstram sem dificuldade que o uso de
> >diferenças fenotípicas entre grupos humanos, para legitimar a
> >dominação de uns sobre outros, estão presentes de uma forma quase
> >permanente em todas as regiões do globo. As outras formas permanentes
> >de dominação são o género e as classes. Apesar do caracter falacioso
> >do conceito de raça, e da desmontagem do seu valôr pseudo-científico,
> >é inegável que, como construção social, raça é algo real. E também
> >agrega as colectividades que compartilham aspectos fisicos
> >observáveis, tal como a côr da pele, textura do cabelo e compleição
> >corporal, sendo vivênciada por uma parte importante das pessoas. Se
> >existe a realidade social é natural que os intelectuais se preocupem
> >e tentem interpretar e explicar o fenómeno.
> >
> >Mário de Andrade confrontou-se cedo com esta questão, depois de
> >assistir às discussoes azedas entre os dois pais da negritude
> >(Senghor e Cesaire, por um lado) e entre estes e os expoentes da
> >diáspora americana que reinvidicavam uma identidade pan-africana
> >baseada na côr, ou seja no negro. Uma boa parte da argumentação vinha
> >da exclusão que os negros tinham sido submetidos, desde a escravatura
> >à dominação colonial, motivação primeira para a luta indpeendentista.
> >Mário de Andrade escrevia em 1953 num prefácio a uma antologia de
> >poesia negra: " Este caderno (...) não se destina
> >(...) àqueles que, para iludir seus preconceitos, e o seu racismo,
> >nos acusam de racismo. Destina-se fundamentalmente aos que sabem
> >encontrar-se reflectidos nesta poesia (...) e entendem que os negros
> >exercitam também seus timbres particulares para cantar na grande
> >sinfonia humana" (Mata, 2000, 137).
> >
> >Como ideologia o racismo foi fundado pelo pensador Francês
> >Joseph-Arthur Gobineau (1816-1882) com sua doutrina de três pontos:
> >i) a existência de várias raças humanas; ii) a compreensão das
> >diferenças entre raças como factores essenciais do processo
> >histórico-social; iii) e a afirmação da existência de uma raça
> >superior. Ela serviu de ponto de partida para que, no século XX, o
> >britânico Stewart Chamberlain (1825-1927) difundisse na Alemanha o
> >mito da superioridade da raça ariana. Alfred Rosenberg (1893-1946)
> >emprestou, depois da Primeira Guerra Mundial, um verniz
> >pseudo-científico a estas teorias, para ajudar Adolf Hitler, com as
> >consequências conhecidas. Nesta questão da construção racista a
> >Europa têm razões de sobra para modéstia.
> >
> >O impacto destas teorias na visão sobre a Africa foi fulminante.
> >Como demonstrou Mudimbe, a constante referência, implícita ou
> >explícita, a uma inferioridade negra se transplantou para uma
> >inferiodidade africana.
> >
> >O contraponto a esta negação fervilhou os anos 50 e 60 e claro que a
> >época das independências foi completamentamente sugada pela
> >necessidadde, quase o imperativo, de mostrar que existia não só uma
> >igualdade, como mesmo, porque não, uma superioridade africana. Ela
> >podia nomeadamente ver-se pelo caracter revolucionário das lutas
> >africanas. Foi pelo viés da revolução que os africanos inspiraram a
> >esquerda europeia e os seus líderes passaram a ser venerados nas
> >Universidades e centros de saber progressistas. Toda uma geração do
> >pós-guerra empenhada na transformação profunda das sociedades
> >ocidentais pulsou com o avanço da auto-determinação e das
> >independências.
> >
> >É preciso que se lembre que uma boa parte dos dirigentes das lutas
> >independentistas tinham uma audiência intelectual no ocidente que
> >seguramente era superior aos dos actuais líderes políticos do
> >continente. Pode-se assim dizer que a reinividicação em contraponto,
> >a pirâmide invertida, a afirmação do negro e da negritude, serviu
> >para algo significativo: a construção de uma ideologia poderosa.
> >
> >Mário de Andrade foi um dos artífices dessa construção ideológica.
> >Mas fê-lo sempre com um certo cepticismo. As suas críticas ao
> >discurso da negritude, e do luso-tropicalismo do brasileiro Gilberto
> >Freyre, começam já nos anos 60. À medida que o discurso étnico e
> >racial penetra o interior dos movimentos de libertação (com
> >conflictos e competição entre mestiços e negros) ele começa a
> >questionar os fundamentos da valorização do negro às expensas dos
> >princípios humanistas. Com Amílcar Cabral encontra a resposta na
> >dimensão cultural da libertação nacional. Isso é um discurso e
> >ideologia sofisticados, e completamente diferente do de muitos bandos
> >armados que pululam agora no continente. Um levantamentamento recente
> >recenseou 48 só na CEDEAO. Era Fanon que dizia que a falsificação da
> >História e a marginalização pela burguesia nacional na base da etnia,
> >raça ou religião levaria a conflictos e violência organizada.
> >
> >A maior parte do debate actual do Codesria sobre estas questões trata
> >raça como um conceito fundador. Reduz-se assim a complexidade do tema
> >e não se admite o quanto ele já estava encerrado de contradições no
> >período da libertação. Não se trata de algo inventado agora. O debate
> >entre Fred Hendricks e Suren Pillay (Pillay, 2004) sobre a relação
> >entre raça e classe na Africa do Sul actual apenas confirma que as
> >categorias raciais são também construções ideológicas. A evolução do
> >conhecimento sobre identidades obriga-nos, no entanto, a uma
> >releitura total da questão, como tentarei provar mais adiante.
> >
> >A negritude como fundamento é uma fição. Não se pode converter um
> >continente a uma raça (Pillay, 2004). Então o que e ser africano?
> >Qual é a génese e justificação de outra ideologia sempre presente: o
> >pan-africanismo?
> >
> >Edward Said demonstrou de forma definitiva que Ocidente e Oriente são
> >criações abstractas dos homens e, como acontece muitas vezes, as
> >construções ideológicas dos mais fortes e poderosos têm uma vida mais
> >farta e disseminação mais invasora. Oriente foi uma criação do
> >Ocidente. "(...) o orientalismo -disse- teve uma posição de
> >autoridade tal que não creio que ninguém ao escrever, pensar ou agir
> >sobre o Oriente pudesse fazê-lo sem se aperceber das limitações que
> >impunha ao pensamento e a accão. Em resumo, por causa do orientalismo
> >o Oriente não era (e não é) um objecto livre de pensamento ou ação.
> >Isto não significa que o orientalismo determine unilateralmente
> >aquilo que pode ser dito sobre o Oriente, mas sim que ele constitui
> >toda uma rede de interesses que são inevitavelmente convocados (e que
> >estão como tal nele implicados) em qualquer ocasião em que o Oriente
> >seja a questão" (Said, 1997, 3-4).
> >
> >Esta análise é válida em relação à Africa e até ao pan-africanismo.
> >Mas antes é preciso explicar em que circunstâncias.
> >
> >Mudimbe, seguindo a mesma linha de pensamento, demonstrou que a ideia
> >geográfica de Africa, começou por ser uma criação ocidental.
> >Isto é curioso pois a divisão do mundo em Ocidente e Oriente deixa um
> >buraco para a Africa sub-sahariana. É como se ela fosse um
> >sub-produto do Orientalismo. Ao conceito geográfico de Africa vão-se
> >associar, posteriormente, determinismos vários. Segundo Mudimbe desde
> >o século XV a Africa vai ser assimilada a uma mistura
> >pseudo-científica e ideológica que inclui campos semânticos dos
> >conceitos de primitivismo e selvajaria, importados da ideia de
> >barbarismo; e que servirão para justificar o trafego de escravos
> >(Mudimbe, 1994). Mudimbe demonstra com precisao o processo de
> >aprópriação do conceito de Africa pelos movimentos políticos
> >africanos e como, aos poucos, uma ideologia indubitavelmente gerou
> >seu contraponto: o pan-africanismo.
> >
> >A partir desta ideia central acertada Mudimbe lança-se, às vezes, num
> >ataque desproporcional sobre a construção de ideologias baseadas no
> >marxismo, e logo, por associação indirecta, as pan-africanas. Uma
> >coisa têm muito pouco a ver com a outra. Ele esquece o papel
> >transformador que essas ideologias baseadas no pan-africanismo
> >tiveram na mobilização cultural dos africanos, na alteração da sua
> >condição política, na sua autodeterminação e transformação. Esse
> >ataque levou a uma polarização entre adeptos e vilipendiadores do
> >pan-africanismo, uma divisão tão ridícula como discutir quem está a
> >favôr ou não do Orientalismo, do pan-arabismo, dos valôres asiáticos,
> >etc. Essas construções ideológicas devem servir de instrumento de
> >análise histórica dos intelectuais e não como arma de arremesso para
> >escolher campos.
> >
> >Mas quo vadis do pan-africanismo hoje?
> >
> >Mário de Andrade oferece uma pista de reflexão. Para ele a memória
> >histórica da diáspora era fundamental para entender aqueles que
> >saíram, mas também os que ficaram, como resultado do trâfego de
> >escravos. A partir dessa constatação ele mesmo se dedicou nos últimos
> >anos da sua vida a aturada pesquisa em centros de memória da diáspora
> >como a Howard University, de Washington DC, ou o Schomburg Center, em
> >Harlem, Nova Iorque. Não fazia senão continuar à procura do fascínio
> >que os negros americanos tinham provocado junto dos
> >proto-nacionalistas afro-portugueses, como os chamou: "um referente
> >priviligeado do renascimento africano (...) Mantendo-se à escuta dos
> >acontecimentos que dizem respeito aos povos do mundo negro, os
> >ideólogos e publicistas contribuem para universalizar o discurso
> >sobre a raça" (Andrade, 1997ª, 184). E acrescenta que eles apenas
> >contribuiram para um processo de ruptura e continuidade.
> >
> >"(...) o protonacionalismo, na sua essência, foi produtor de um
> >discurso com uma finalidade ilusória (...) não tinham atingido o grau
> >crítico de compreensão lógica do sistema colonial português
> >(...) E aí reside, precisamente, o ponto de ruptura que será expresso
> >pela geração que fará a sua entrada na cena da história logo depois
> >da Segunda Guerra Mundial" (Andrade, 1997ª, 186).
> >
> >Essa ruptura, que deu origem aos movimentos nacionalistas, foi
> >importante mas insuficiente. Para Mário de Andrade uma nova ruptura
> >depois das independências era inevitável. A ruptura para afirmar os
> >princípios da inclusão, pluralidade e defesa de minorias, uma ideia
> >que lhe levou à Revolta Activa dentro do MPLA, assumidamente um
> >movimento intelectual parecido com o aggiornamento da esquerda
> >europeia, contra o centralismo e as tendências autoritárias. Nessa
> >mesma linha passou a questionar a manipulação ideológica do
> >pan-africanismo pelos dirigentes dos novos Estados independentes,
> >como forma de legitimação de poderes autoritários.
> >
> >Essas interrogacões são mais importantes do que querer fazer uma
> >aturada epuração de quém é ou não é africano. Como disseram Olukoshi
> >e Nyamnjoh a questão da africanidade é um debate dos que têm poder,
> >sejam elites, dirigentes, classe média ou intelectuais. Para a grande
> >massa dos africanos a Africa é a vivência real, a luta pela dignidade
> >e a humanidade. "Para estas pessoas o facto da sua africanidade não
> >está em questão nem é uma questão (...) Somos supostos assumir, no
> >entanto, que todos os que reclamam Africa definirão os seus papeis,
> >incluindo respeitar os seus compromissos com o continente"
> >(Olukoshi/Nyamnjoh, 2004, 2).
> >
> >4. CIDADANIA, INCLUSÃO E MODERNISMO
> >
> >Qualquer ideologia têm três ambicões: i) a construção do ideário de
> >uma classe ou grupo em ascensão; ii) a sua transformação em senso
> >comum: e iii) a sua imposição em nome de todos pela nova classe
> >dirigente. Muitas vezes essa evolução acontece de forma intuitiva e
> >racional. A ideologia é uma representação, não é realidade.
> >
> >Durante a luta de libertação nacional a ideologia prevalecente
> >variava conforme os países e territórios. Podia-se, mesmo assim,
> >descortinar alguns pontos de convergência à volta de pan-africanismo,
> >nacionalismo, desenvolvimento e o papel do Estado na justificação dos
> >três pilares referidos. Com várias decadas pós-independentes e
> >possível fazer então uma crítica das ideologias que se tornaram senso
> >comum e são agora o apanágio das classes dirigentes. Os intelectuais
> >africanos devem posicionar-se na linha de frente dessa leitura
> >crítica.
> >
> >Para alguns esse debate têm vindo a ser feito como se houvesse
> >necessidade de preservar as ideologias de forma estática. Outros
> >acham que a leitura passa por uma limpeza de todos os argumentos que
> >serviram de sustentáculo a essas mesmas ideologias. Alguns argumentos
> >são interessantes. Por exemplo a defesa de uma visão pós-colonial,
> >refrescada com teorias pós-modernistas, pode ter o seu apelo. Obriga
> >a uma auto-crítica sobre o silêncio de certos intelectuais quando
> >houve clara deriva e manipulação das ideologias nacionalista e
> >pan-africanista, para fins autoritários e de exclusão. Outros são
> >falaciosos porque equacionam a Africa como apêndice da reflexão
> >antropológica ocidental, agora vestida de linguagem politicamente
> >correcta, justificando uma tendência africana para a desordem, o
> >conflicto ou formas de gestão do poder desagredadoras e acéfalas. Por
> >essa razão não é muito apropriado importar categorizações simplistas
> >de pós-modernismo ou pós-colonialismo.
> >
> >Seria um absurdo associar nacionalismo e pan-africanismo a
> >comportamento autoritário. Mário de Andrade reprovaria
> >veementemente. Mas também admitiria, e a sua vida é um exemplo disso,
> >que os dilemas da cidadania, inclusão já estavam presentes antes das
> >independências. Amílcar Cabral foi um dos mais elaborados na
> >articulação desses perigos (Lopes, 2005ª). O trabalho biográfico
> >exaustivo de Mário de Andrade sobre a obra de Cabral tinha como
> >preocupação primeira a disseminação desses alertas. Os trabalhos de
> >Claude Ake não deixam dúvidas sobre sua preocupação com o mesmo tema.
> >Na compilação "African Intellectuals" Thandika Mkandwire et al, fazem
> >uma acusação violenta à censura que essas ideologias acabaram
> >provocando, bem como ao papel de Estados intolerantes, que barraram
> >qualquer espaço ao pensamento autónomo (Mkandawire et al., 2005).
> >Porém, a associação de intelectuais a poderes autoritários deve
> >fazer-nos lembrar a cumplicidade de alguns deles.
> >
> >Este debate, curiosamente, está associado à definição de boa
> >governanca, como nos explica o mesmo Mkandawire. Durante o processo
> >de preparaçao dos estudos prospectivos do Banco Mundial sobre Africa,
> >em 1989, foram convocados vários académicos africanos. No prefácio da
> >obra final são reconhecidos como tendo sido os responsáveis por uma
> >viragem no pensamento apresentado no estudo em relação a questões de
> >governanca. No grupo havia nomes como Claude Ake, Makhtar Diouf e Ali
> >Mazrui. Esses académicos convergiam sobre o facto de que para superar
> >o desafio do desenvolvimento era preciso estabelecer relações
> >Estado-sociedade que tivessem as seguintes
> >características:
> >
> >1. - fossem desenvolvimentistas, no sentido de que permitissem uma
> >gestão da economia que maximizasse o crescimento económico, induzisse
> >mudanças estruturais, e usasse recursos de forma eficiente,
> >competitiva e sustentável; 2. - fossem democraticas e respeitosas dos
> >direitos cidadãos; 3. - e, socialmente inclusivas, providenciando
> >condicões dignas, e participação nos processos nacionais (Mkandawire,
> >2004).
> >
> >Boa governança deveria ser entendida como a implementação desses três
> >pilares, e não como depois acabou sendo popularizada.
> >
> >Qualquer uma destas características têm a ver com o pensamento
> >moderno. Ao comparar os renascimentos árabe e ocidental, Samir Amin
> >explica que a relação com a religião foi fundamental no sucesso de um
> >em relação ao outro. A laicidade do Estado, inspirada da Grécia
> >antiga, permitiu ao Ocidente uma modernidade emancipatória,
> >necessária para consolidar o capitalismo e a democracia. Já no caso
> >árabe o renascimento do século XIX nunca foi para além dos parâmetros
> >da religião muçulmana, não rompendo com conceitos tradicionais e
> >restrições de liberdade (Amin, 2004). Pode-se dizer que toda a Africa
> >batalha com problemas similares. Segundo Paulin Hountondji ao olhar
> >os ícones do passado têm de se reconhecer deficiências no seu
> >discurso modernista. "É preciso hoje apropriar-se dessa contribuição
> >de maneira lúcida, crítica e responsável" (Hountondji, 2004, 104).
> >
> >A popularização da democracia multipartidária, a partir do final dos
> >anos 80, modificou consideravelmente a paisagem política no
> >continente. Nos seus primórdios essa transformação foi provocada por
> >um conjunto de factores internos e externos: fim da guerra fria,
> >mudança das relações do continente em termos económicos e comerciais,
> >isolamento internacional crescente, ajustamento estrutural, pressão
> >para reformas institucionais, no campo externo; e no campo doméstico,
> >exasperação pela falta de alternância, urbanização e aumento
> >demográfico, juventude mais radical e desesperada, lutas pelos
> >direitos da mulher, desigualdade crescente, aparecimento de
> >movimentos cívicos.
> >
> >Como observador atento Mário de Andrade vivenciou estas
> >transformações nos seus últimos anos de vida, entre Maputo, Praia,
> >Paris e Lisboa. Preocupava-se com a restrição de liberdades na maior
> >parte do continente. A intolerância e a bajulação provocadas pelo
> >poder. Tinha horror ao cerimonial do poder. Mas nada lhe causava mais
> >desespero do que a exclusão de cidadania. Sendo ele mesmo uma vítima
> >dessa prática política podia observá-la como a hipocrisia mais
> >evidente do suposto caracter nacionalista e pan-africanista de uma
> >parte dos dirigentes africanos.
> >
> >O número de países excluindo na base de origem, raça, etnia, religião
> >ou filiação política foi-se estendendo. Se Amílcar Cabral fosse vivo,
> >a uma dada altura, teria sido destituído de sua nacionalidade
> >guineense. Como foram outros dirigentes nacionalistas importantes
> >vivos. Mário de Andrade contentou-se com nacionalidades de
> >empréstimo, praticando um pan-africanismo pragmático, que é cada vez
> >mais raro.
> >
> >O debate sobre a Ivoirité, é apenas o cume de um problema mais vasto
> >que afecta quase metade dos países do continente. Os intelectuais têm
> >de denunciar estas praticas e não podem esconder-se nas suas
> >lucubrações datadas. Cada vez mais se reconhece que o mundo têm uma
> >só atmosfera, economia, e também um direito internacional mais amplo,
> >uma comunicação mais fluída. Isso também presume a necessidade de uma
> >ética global. Uma ética que reconheça direitos de identidade baseados
> >no princípio de que o desenvolvimento é para trazer mais
> >oportunidades, ou seja mais liberdade de escolhas.
> >
> >Amartya Sen afirma que "a liberdade é central para o processo de
> >desenvolvimento por duas razões: 1) a razão avaliatória: a avaliação
> >do progresso têm de ser feita verificando-se primordialmente se houve
> >aumento da liberdade das pessoas; 2) a razão da eficácia: a
> >realização do desenvolvimento depende inteiramente da livre condição
> >de agente das pessoas" (Sen, 2002, 18).
> >
> >A medição dessas duas razões de Sen pode ser feita pelo grau de
> >cidadania e inclusão das sociedades modernas. Este é um debate
> >africano. Este é um desafio para os intelectuais africanos. Para que
> >filhos de Africa, como Mário de Andrade, não tenham que quemandar um
> >passaporte até à morte.
> >
> >Carlos Lopes, New York, Novembro 2005