segunda-feira, março 31, 2008

A lusa quem quer ser de àgua!





Sobre a poesia de Agostinho Neto
Laurindo Vieira

Li recentemente as afirmações do escritor José Eduardo Agualusa sobre a mediocridade da poesia de Agostinho Neto. Li também as afirmações do escritor Sousa Jamba, em defesa de Agualusa, ou melhor em resposta ao Senhor Artur Queiroz.
Não sou crítico literário, nunca fui e acredito que não o serei por não dispor de formação nesta área. Leio poesia desde os 10 anos e fruto desse exercício criei uma visão sobre a “beleza da poesia” e o encanto que ela transporta. Acredito por isso, que a poesia ainda é a nata das artes.
Dos poetas angolanos, os que mais li foram Viriato da Cruz, António Jacinto, Aires de Almeida Santos e Agostinho Neto. Gostei de todos. Em relação a Agostinho Neto, o que mais me marcou na sua poesia foi a centralidade com que abordou a dimensão do Ser Humano, simbolizado na imagem do Africano vergastado pelo peso da escravatura.
A poesia de Agostinho Neto apresenta uma dimensão estética em que predomina o belo e o seu efeito sobre os sentidos é avassalador. Recordo-me do seu poema “Criar”, um verdadeiro Hino à Coragem. A poesia de Agostinho Neto retrata um tempo de sonhos desfeitos, de hetero-utopias constantes em que o sonho e a realidade do sujeito retratado se manifestavam no desejo da Liberdade. Acredito por isso, que o poeta é um construtor de esperanças e cada poeta, à sua maneira constrói o seu mundo e traça na trajectória do tempo, os sonhos daqueles que esperam que o presente não transporte para o futuro, os erros do passado.
A poesia de Agostinho Neto, em meu entender, não pode nem deve ser analisada numa entrevista de circunstância ou numa perspectiva nua e insípida. O escritor José Eduardo Agualusa pode emitir a opinião que entender sobre quem quiser. As opiniões valem o que valem, podem retratar visões distorcidas ou reais sobre as coisas e sobre os fenómenos. Podem também estar eivadas de simpatias, ódios, recalcamentos. Mas no mundo das ideias, das artes, da ciência, a crítica entre o que é mau e o que é bom deve ser feita com base em critérios científicos e honestos, com provas refutáveis ou irrefutáveis e livres de juízos de valor. Da forma como o escritor Agualusa expõe as suas teses, parece que o faz partindo de uma simbiose entre a avaliação afectiva (do tipo gostar / não gostar) e a avaliação instrumental (do tipo competente /incompetente). Daqui resulta a seguinte fórmula: “não gosto de Neto, logo a sua obra é medíocre”.
Julgo que a comparação entre Agostinho Neto com outros poetas, feita por Agualusa e retomada por Sousa Jamba é patológica. Patológica porque toda a comparação que visa denegrir uns e valorizar outros não é comparação. A comparação deve resultar de uma perspectiva diferencial, ou seja, compreender o que cada um tem de diferente em relação ao outro e de que forma estas diferenças podem ser construtoras de sentidos epistemológicos ou de outra natureza.
Gosto da poesia de Agostinho Neto, de Viriato da Cruz, tal como gosto da poesia de Manuel Alegre. São todas poesias lindas, mas diferentes, porque se os sonhos são diferentes, por que razão Agostinho Neto há-de ser igual a Philipp Larkin, Ted Hughes ou José Craveirinha? Quando Sousa Jamba afirma que os poemas de José Craveirinha o comoveram bastante, devo afirmar que também gostei de ler Craveirinha. Comoveu-me bastante o seu poema “Maria”. Mas será este o critério que Sousa Jamba utiliza para a tipificação dos poetas, em bons e medíocres? Será a emoção o critério para a mensurabilidade da qualidade literária? Acredito que não! Quanto ao facto de Agostinho Neto, enquanto poeta não ser referência obrigatória num curso de literaturas africanas, seja em Londres, Luanda, Maputo ou Bissau, acredito que é mau. Mas devo confessar que esta situação não o reduz à mediocridade, pelo contrário, reduz sim, o curso a insipiência, pois não estudar Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António Jacinto, João Maymona é não conhecer os caminhos por onde brota seiva da poesia angolana.
Mas concordo com Sousa Jamba e com Eduardo Agualusa quando referem sobre a fraca divulgação de muitos dos nossos escritores. Talvez seja este o grande problema da universalização da nossa literatura, a ausência de uma política de marketing mais aguerrida, em matéria de divulgação, para que muitos dos nossos poetas, escritores, pensadores sociais, sejam mais lidos e conhecidos não apenas em Londres e Portugal, mas também em Angola.
Acredito pois, que é necessário aprofundarmos a investigação sobre nós próprios, compreender que as águias não voam por terem asas, pelo contrário é por terem asas que elas voam. Defendo que todos os que produzem debates sobre a nossa história, individual ou colectiva, sobre a nossa identidade saibam apresentar na arena do conhecimento os critérios de validação dos seus argumentos.

Vida Cultural
30/03/2008 Jornal de Angola

domingo, março 30, 2008

Talvez seja melhor dar relevo a quem merece!



Luandino Vieira e Ana Clara Guerra Marques (foto no Porto em 2004 na Cooperativa Árvore)


LUANDINO VIEIRA: ENGAJAMENTO E UTOPIA



Vima Lia Martin (USP)



Há coisas que se choram muito anteriormente.

Sabe-se então que a história vai mudar.

(Ruy Duarte de Carvalho)



Grande parte da história do angolano Luandino Vieira confunde- se com a história da luta pela independência política de seu país, o que o levou a sofrer profundamente as conseqüências da militância política. Nascido em Portugal, em 1935, José Mateus Vieira da Graça ainda criança mudou-se com os pais para Angola, país que assumiu como seu. Viveu a infância e a adolescência em bairros populares, conhecidos como musseques, como o Braga, o Makulusu e o Quinaxixe. Mais tarde, integrou-se à geração da revista angolana “Cultura” (II), publicada entre 59 e 61, e juntamente com Arnaldo Santos, Costa Andrade, Ernesto Lara Filho, Henrique Abranches, Mário Guerra, entre outros, contribuiu decisivamente para a consecução do projeto de nacionalização da literatura angolana. Preso em Lisboa em 1961, acusado de exercer “atividades anticolonialistas”, foi libertado somente em 1972, depois de ter cumprido os três primeiros anos de sua pena em Luanda e o tempo restante no campo de concentração de Tarrafal de Santiago, em Cabo Verde.



Luandino, nome que autor escolhe para assinalar sua identificação com a capital angolana, diz muito de sua dedicação à causa da libertação nacional. A maior parte da obra do escritor foi escrita na prisão e sua publicação, quase toda a posteriori, não corresponde necessariamente à ordem em que foi escrita. Seu primeiro livro, A cidade e a infância, é publicado em Lisboa, pela Casa dos Estudantes do Império, em 1960. Já Luuanda, livro-chave na trajetória literária do autor, como veremos mais adiante, foi escrito na prisão durante o ano de 1963, publicado em Angola em outubro de 64 e obteve, em 1965, o Grande Prêmio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, o que gerou uma violenta reação de setores sociais conservadores e, inclusive, culminou na extinção dessa associação por decisão do governo português.



Notadamente durante os anos 60 e 70, Luandino Vieira demonstrou grande convicção no exercício de um poder político que possibilitasse a construção de uma cidadania plena para os angolanos. Sem necessariamente almejar o poder de mando, o escritor envolveu-se na luta empreendida pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) pela constituição de um poder novo, capaz de gerir um país também novo, onde efetivamente houvesse menos injustiças sociais. Logo depois da independência, ocupou cargos de direção no governo revolucionário e trabalhou como presidente da Radiotelevisão Popular de Angola e como secretário-geral da União de Escritores Angolanos.



Depois de ter publicado quatro romances - o último, intitulado Nosso musseque, foi publicado em 2003 - e cerca de oito livros de estórias, atualmente Luandino Vieira vive discretamente numa pequena cidade ao norte de Portugal.



Engajamento e utopia



A leitura de cartas e depoimentos de Luandino Vieira pode nos auxiliar a compreender o engajamento e a utopia que são marcas inequívocas de seu projeto ficcional. Se é fato que a literatura de Luandino é forjada a partir de uma clara indignação diante da realidade a que está submetida a maioria dos angolanos, também é verdade que a maneira como ele se posicionou pessoalmente diante do processo de construção da história de seu país é, em certa medida, perceptível na fatura dos próprios textos. Assim, não são apenas os momentos históricos vividos em Angola em meados do século passado que vão transparecer nas narrativas do escritor. Mais do que isso, a subjetividade do sujeito que vivenciou essa História será significativa na constituição das obras: é na tensão entre a vida particular e a vida social que se dá a ação e a reflexão do autor.



Em cartas enviadas da prisão ao amigo Carlos Everdosa, intelectual que também fez parte da geração que se organizou em torno da revista “Cultura”(II), Luandino Vieira atesta sua imensa capacidade de resistência e a confiança na transformação política e social do seu país. Ainda em Luanda, antes de ser transferido para o campo de concentração do Tarrafal, ele escreve:



31-7-64



Meu caro:

Faltam poucas horas para embarcar no “Cuanza” rumo a cabo Verde – ou assim dizem. Li a tua carta e aproveito estes curtos momentos para te enviar umas linhas, talvez as últimas que recebas de mim antes do regresso geral à nossa terra, às nossas coisas, ao nosso povo. É muito difícil nesta altura dizer qualquer coisa; mas podes afirmar aos amigos e companheiros que procurarei sempre ser digno da confiança que têm em mim; que, nas minhas possibilidades e dentro do meu particular campo de acção - o estético - ... tudo farei para que a felicidade, a paz e o progresso sejam usufruídos por todos.



(...)



O meu livro, o livro da Linda afinal, chegar-te-á talvez com mais trabalhos selecionados para a 2ª edição. Se a conseguirem aí em edição de bolso era óptimo para ir a concurso da Sociedade Portuguesa de Escritores. Depois enviem ao Jorge Amado (Brasil) para ver se conseguem uma edição lá. Não é pelo livro, claro, é pelo que ele pode representar como “arma” para a nossa libertação.(...)[1]



Mesmo envolvido por incertezas - o escritor tem dúvidas sobre a possibilidade de continuar se comunicando com os amigos, estando isolado em Cabo Verde -, Luandino Vieira demonstra uma profunda tranqüilidade e uma notável disponibilidade para a relação com o outro: não apenas afirma sua fidelidade aos companheiros, como também se diz empenhado na luta pelo bem comum. Note-se que as reticências, utilizadas depois do termo “estético”, podem indicar que o campo de atuação do escritor talvez transcenda o especificamente literário, sugerindo um envolvimento direto com ações revolucionárias.



No parágrafo final, o livro que o autor menciona é Luuanda, chamado de “livro da Linda” porque foi ela, sua mulher à época, que conseguiu retirar clandestinamente os manuscritos da prisão, escondidos num saco de fundo duplo, no qual levava as refeições em visitas diárias ao marido[2]. Já o concurso promovido pela Sociedade Portuguesa de Escritores, forte centro de resistência ao fascismo, é justamente aquele que iria premiar a obra no ano seguinte. Vale ainda ressaltar a referência de Luandino Vieira a Jorge Amado, escritor brasileiro que apresentava posições políticas progressistas e certamente apoiava a luta de libertação angolana. A importância atribuída a uma edição brasileira do livro naquele momento reforça o caráter militante assumido pela literatura, que se torna efetivamente uma arma de combate contra a opressão colonial.



Dois anos depois, já em Cabo Verde, outra carta destinada a Carlos Everdosa reafirma a esperança e o comprometimento do escritor:



Tarrafal, 14-10-66

(...) Meu caro Carlos: só não compreendo como insistes em alcunhas ainda que sinceras como a do “maior ficcionista angolano”. Isto para te falar no estares desiludido de ti próprio, como dizes, e de muitos outros. Isso era inevitável, é um constante suceder e é preciso compreendermos que não há outros homens para com eles construir o mundo. É com esses mesmos que se fará – ou nunca se fará. E portanto me regozijo que digas que ainda vai havendo sementeiras para o futuro. Nós somos responsáveis, pouco ou muito não importa, ou o que importa é que o sejamos na medida em que nos foi permitido ou o soubemos ser, por essas sementes. Portanto não se justifica essa desilusão de nós próprios, mas é necessário não cairmos nas mistificações da sementeira que parimos. É só isso que fará a nossa justificação: lucidez. Mas para que não penses que o teu primo é um super-homem e para que se dissolvam ainda mais as idéias feitas, sempre te digo, meu caro irmão, que há dias em que os seguintes versos são possíveis: “é necessário o ódio/ só ele impele/ o vermelho estrebuchar do sangue/ quieto insone/ sob o medo...// só ele sacode/ o cansado sono do pensamento/ puro fraterno/ sob o amor// é necessário o ódio/ só ele liberta/ só ele não cansa!”

Deixo-te com toda a amizade, hoje: o poema é de ontem.[3]



As palavras de encorajamento de Luandino Vieira dirigidas ao amigo desiludido realmente traduzem a lucidez tão necessária para o enfrentamento da realidade. O pragmatismo demonstrado por ele (“é preciso compreendermos que não há outros homens para com eles construir o mundo”), alia-se à esperança de que as “sementeiras” já plantadas iriam germinar no futuro. Porém, ele alerta: “mas é necessário não cairmos nas mistificações das sementeiras que parimos”. Para o autor, utopia não tem nada a ver com ilusão: enquanto a primeira deve considerar as contingências, a segunda é completamente fantasiosa. Nessa perspectiva, o trabalho de disseminação da ideologia libertária, de formação de quadros, de conscientização, enfim, havia sido realizado “na medida em que nos foi permitido ou o soubemos ser”. E o resultado dessa tarefa dependia principalmente dos sujeitos que iriam sucedê-los.



Finalmente, o poema escrito por Luandino - para que ele mesmo não esmoreça - fala sobre a necessidade imperativa do ódio para manter a firmeza dos combatentes. “Só o ódio”, diz o autor, “impele”, “sacode”, “liberta”, “não cansa”. Num contexto revolucionário, o ódio, explicitamente dirigido contra os mecanismos opressores e seus representantes, é o que mantém acesa a chama da luta, driblando o medo e o cansaço: odiar é necessário para que a fraternidade seja conquistada.



Essa carta, escrita depois de cinco anos de confinamento, revela a tenacidade do escritor e sua imensa capacidade de alimentar - com lucidez - a utopia de uma Angola livre. Mais de dez anos depois, em entrevista concedida a Michel Laban em 1977, portanto dois anos depois da conquista da independência, Luandino Vieira faz uma avaliação de sua trajetória pessoal e acaba por validar sua atitude combativa, reafirmando a certeza de que havia sempre agido justificadamente:



Portanto, pessoalmente, também considero que, suceda o que suceder à República Popular de Angola, nunca, tanto quanto vejo, posso dizer assim: “Bom, meti a minha vida por uma estrada que não tinha qualquer sentido ou fim”. Suceda o que suceder, considero sempre que o que andei até hoje estava perfeitamente justificado, quer individualmente – não sou pessoa com grandes problemas de natureza pessoal, o que não quer dizer que diariamente não reflita sobre a minha atividade – quer coletivamente.[4]



Ao estabelecer uma clara distinção entre o significado da luta pela independência e o futuro de Angola como nação independente, Luandino salienta a importância de ter participado do movimento revolucionário. Afirmando ser uma pessoa sem “grandes problemas de natureza pessoal”, o escritor atribui sentido pleno a suas atitudes, reafirmando a convicção de ter feito exatamente o que era possível fazer em cada encruzilhada histórica. Seja no nível individual ou no nível coletivo, a coerência parece ter sido marca decisiva em sua conduta.



A inserção histórico-social de Luandino Vieira pauta-se sobretudo por uma reflexão aguda sobre sua realidade nacional. Contra a manutenção de uma ordem social excludente, Luandino Vieira aposta na efetivação de uma realidade mais justa e inclusiva em Angola. Em tempos revolucionários, o escritor angolano forja um discurso transgressor e utópico que vai reivindicar literariamente - e politicamente - identidade e autonomia para seu país.



A ficcionalização da marginalidade social



O repertório e a perspectiva que sustentam a conjunto da obra de Luandino Vieira estão essencialmente marcados por sua vivência infantil nos musseques, bairros populares luandenses, em fins da década de 30 e início da década de 40. Na percepção do próprio autor, viver na “margem africana” da maior cidade angolana teria sido fundamental para forjar sua consciência política:



Tudo isso [as contradições sociais, o preconceito, as diferenças culturais entre as tradições africanas e européias], em criança, fui vivendo e mais tarde fui relatando. Isso me deu a riqueza – o que eu penso ser a riqueza – de uma experiência que se prolongou até aos dez, doze anos e que serviu para a aquisição de valores culturais africanos, valores populares angolanos, que continuamente a margem africana da cidade estava elaborando, e que, depois, no liceu, quando chegou a idade em que eu comecei a ler outras coisas, fui interpretando de outro modo, e que foram realmente o germe de minha consciência política.[5]



Seja através do exercício do conto ou do romance, a opção de Luandino Vieira foi por ficcionalizar os desafios vividos pelos marginalizados que habitam a periferia de Luanda e sublinhar o potencial de resistência dos habitantes dessa periferia mestiça. Vale registrar que, afastados do centro, os musseques também funcionavam como guetos que mantinham as populações africanas longe dos brancos mais ricos que habitavam a parte central da cidade, denominada de “Baixa”.



Uma das estórias do escritor, intitulada “A fronteira do asfalto” e publicada em A cidade e a infância, trata justamente da acentuada divisão entre periferia e centro, negros e brancos, pobres e ricos na cidade de Luanda. Lembremos que em seu desfecho, Ricardo, o jovem morador do musseque, morre no meio fio ao tentar falar com Marina, a menina de tranças loiras que habitava o asfalto. A interdição do mundo branco aos africanos e, no limite, a impossibilidade de diálogo entre universos ideologicamente conflitantes são simbolicamente retratadas pela narrativa.



Aliás, é importante sublinhar que os contos escritos por Luandino Vieira são nomeados por ele como “estórias”, já que guardam uma relação profunda com o universo da oralidade. Vale dizer que o termo “estórias”, que designa narrativas de cunho tradicional e popular, já havia sido utilizado pelo brasileiro Guimarães Rosa e, posteriormente, também foi escolhido pelo escritor moçambicano Mia Couto para qualificar os seus contos.

Como bem apontaram pesquisadoras como Maria Aparecida Santilli, Tania Macêdo e Carmen Lucia Tindó Secco, os três escritores - Guimarães Rosa, Luandino Vieira e Mia Couto - aproximam-se pelo fato de criarem uma linguagem inovadora, que amalgama aspectos do português padrão a formas espontâneas da oralidade praticada pelas populações marginalizadas enfocadas em seus textos[6]. O resultado dessa mistura é a expressão de uma lógica que revela um modo de ser e de ver o mundo característico de sujeitos que se encontram em profunda tensão com as normas da civilização moderna.



È importante ressaltar que uma das singularidades da obra produzida por Luandino Vieira repousa justamente na convicção que a sustenta: a de que o texto literário deveria afirmar a grande diferença cultural angolana a partir da qual a autodeterminação e a independência poderiam ser reivindicadas. Nesse sentido, a elaboração discursiva de suas estórias dá-se em função de um projeto político bastante claro. Num período tenso e convulsionado, a luta em curso deixa em aberto novas possibilidades de configuração social. Daí que a marginalidade social ficcionalizada pela narrativas do autor angolano deva ser vista como conseqüência conjuntural, já que é decorrência de uma situação de opressão tida como transitória.



Luuanda: a cartilha do musseque



Como já assinalamos, o livro de contos Luuanda atesta a maturidade de Luandino Vieira como ficcionista, uma vez que marca um redirecionamento de sua escrita literária, que passa a apresentar uma maior sofisticação no modo de representar a realidade luandense que sempre alimentou a sua prosa. De fato, se a objetividade e o caráter de exemplaridade das situações narrativas se fazem mais presentes nas primeiras estórias do autor – nos contos de A cidade e a infância, de Vidas novas e no romance A vida verdadeira de Domingos Xavier -, a partir de Luuanda a complexidade das relações sociais, culturais e políticas típicas dos espaços marginais urbanos assumem maior destaque, condicionando a forma literária – que se torna intensamente oralizada – e rompendo com um registro mais simplificado da realidade.



Nessas narrativas da segunda fase, além de haver uma modificação na configuração dos protagonistas, observa-se também uma transformação na perspectiva do narrador que, paulatinamente, abandonará a perspectiva da onisciência para abrir maior espaço para que as personagens construam suas falas e suas versões sobre os conteúdos narrados. Desse modo, o narrador abandona seu papel de intérprete privilegiado dos fatos enunciados e a polifonia torna-se marca constitutiva das narrativas.



No plano lingüístico, também a partir de Luuanda a própria estrutura textual é fortemente impregnada pelas “marcas da terra”, que deixam de ser somente tema para atuarem profundamente na forma das narrativas[7]. Lembremos que, na década de 60, quando grande parte da população angolana não era alfabetizada em português e a dominância das culturas tradicionais, mesmo num centro como Luanda, era muito mais forte do que hoje, era grande a variação do português metropolitano, misturado aos falares característicos das línguas nacionais. Assim, formas do quimbundo - língua falada na região de Luanda e que, juntamente com o umbundo e o quicongo, conforma as três principais línguas nativas - são misturadas a formas do português normativo, modelando uma linguagem híbrida de grande potencial expressivo.



Virtualidades, associações imprevistas, alterações na estrutura da frase, incorporação do léxico quimbundo. A recriação lingüística operada por Luandino Vieira aposta numa leitura essencialmente dinâmica, em que o leitor é também intérprete da matéria narrada, atuando quase como co-autor das estórias. Isso significa fundamentalmente a decodificação da lógica das populações autóctones - já que ela passa a presidir a ação narrativa. Ao apreender a dicção típica das populações marginalizadas, o leitor compartilha da “cartilha do musseque”[8], o que significa conhecer de perto a realidade dos oprimidos e posicionar-se em relação à luta por sua libertação.



Ao justificar o “desvio da norma” em suas estórias, o próprio Luandino afirma:



(...) penso que o primeiro elemento da cultura angolana que interferiu com a escrita, segundo a norma portuguesa, foi a introdução da oralidade luandense no meio do discurso da norma portuguesa... mas depois, quando entramos na luta política pela independência do país, que foi feita em nome das camadas que não tinham voz - e se tivessem não podiam falar, e se falassem não falariam muito tempo... -, foi aí que os escritores angolanos resolveram dar voz àqueles que não tinham voz e, portanto, escrever para que se soubesse o que era o nosso país, se soubesse qual era a situação do país e, desse modo, interferirem de maneira a modificarem essa situação... [9]



Sobre a elaboração de Luuanda, o escritor é ainda mais contundente ao relacionar elaboração discursiva e resistência política:



E como estávamos numa fase de alta contestação política - e um dos elementos dessa contestação política do colonialismo era afirmar a nossa diferença cultural, mesmo na língua -, um bichinho qualquer soprou-me a dizer-me: “Por que é que tu não escreves em língua portuguesa de tal maneira que nenhum português perceba!”



Foi desta maneira que escrevi essas três estórias do Luuanda, de tal maneira que se um português de Portugal lesse, percebesse todas - ou quase todas – as palavras e dissesse que era português e, depois, dissesse ao mesmo tempo: “Não percebo nada disto!” Foi alguma coisa de deliberado, de provocatório, e por isso, essas três estórias não resistiram ao tempo.[10]



Escrever em língua portuguesa e ao mesmo tempo não ser compreendido por um português: tal foi o desafio proposto por Luandino Vieira ao conceber Luuanda. O resultado dessa tarefa, ao contrário do que afirma modestamente o autor, não foi o perecimento da obra, mas a afirmação de sua grandeza. Ao buscar a diferenciação da língua da metrópole, o escritor encontra um caminho expressivo bastante original, realizando uma mescla lingüística que inscreve sua obra entre as grandes obras escritas em língua portuguesa.



O processo de busca por uma dicção angolana realmente autêntica leva Luandino a encontrar parentesco entre o seu trabalho o os textos de Guimarães Rosa. Em diversos depoimentos e entrevistas, o escritor afirma a importância da leitura do autor brasileiro no que tange aos seus próprios processos de criação lingüística. Sobre a apreensão que realiza de Sagarana, por volta de 1963, declara:



E então aquilo foi para mim uma revelação. Eu já sentia que era necessário aproveitar literariamente o instrumento falado dos personagens, que eram aqueles que eu conhecia, que me interessavam, que reflectiam – no meu ponto de vista – os verdadeiros personagens a pôr na literatura angolana. Eu só não tinha ainda encontrado era o caminho. (...) Eu só não tinha percebido ainda, e foi isso que João Guimarães Rosa me ensinou, é que um escritor tem a liberdade de criar uma linguagem que não seja a que os seus personagens utilizam: um homólogo desses personagens, dessa linguagem deles.[11]



A “revelação” de que fala Luandino Vieira talvez deva ser compreendida em termos de “confirmação”. Afinal, quando o escritor leu Sagarana, ele havia concluído a sua “Estória do ladrão e do papagaio”, narrativa central de Luuanda, em que já se observa uma recriação lingüística notável.[12] Por isso, em vez de influência, talvez possamos pensar em confluência entre a escrita dos dois autores: ambos, na intenção de reelaborar a linguagem de sujeitos que se situam à margem das normas sociais impostas, empenham-se em realizar um intenso trabalho de oralização do discurso escrito. Guardadas as diferenças contextuais de produção e as especificidades de cada projeto estético-ideológico, os discursos dos dois escritores convergem na medida em que operam o resgate de culturas locais e marginais através da utilização inventiva da linguagem.



A celebração da utopia



A elaboração literária de Luuanda deixa entrever uma perspectiva utópica da realidade. Concebida num momento histórico revolucionário, a obra sinaliza a consolidação paulatina do processo de resistência popular que se opõe ao poder colonial, sugerindo caminhos para a transformação efetiva da sociedade angolana. Suas três estórias - “Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos”, “Estória do ladrão e do papagaio” e “Estória da galinha e do ovo” - atestam que o amadurecimento dos sujeitos, que devem assumir o seu papel transgressor, é condição fundamental para a conquista da independência e para a construção de uma nova Angola.



A utopia revolucionária que perpassa e sustenta Luuanda pode ser percebida em vários aspectos da elaboração das estórias, todas organizadas por um narrador onisciente: na aprendizagem empreendida pelos protagonistas, na progressão temporal sugerida pela sucessão das narrativas e na ampliação paulatina da voz do “griot” a ritualizar o texto escrito.



A ação narrativa do conto, o único em que a voz do “griot” não se faz presente e que certamente por isso não é nomeado como “estória” pelo narrador, centra-se nas dificuldades enfrentadas por uma avó e seu neto, que moram juntos numa mesma cubata, de sobreviverem em meio às agruras típicas da exclusão social, numa sociedade extremamente preconceituosa e segregadora. Perplexos e sem consciência política, Zeca Santos e sua avó deixam-se envolver pelos sentimentos de fracasso e impotência. A velha, ligada ao passado, e o moço, desiludido com o presente, não sabem como agir para construir um futuro livre da violência e da opressão.



Leiamos os dois últimos parágrafos do texto:



Por cima dos zincos baixos do musseque, derrotando a luz dos projetores nas suas torres de ferro, uma lua grande e azul estava subir no céu. Os monandengues brincavam ainda nas areias molhadas e os mais velhos, nas portas, gozavam o fresco, descansavam um pouco dos trabalhos desse dia. Nos capins, os ralos e os grilos faziam acompanhamento nas rãs das cacimbas e todo o ar estava tremer com essa música. Num pau perto, um matias ainda cantou, algumas vezes, a cantiga dele de pão-de-cinco-tostões.



Com um peso grande a agarrar-lhe o coração, uma tristeza que enchia todo o corpo e esses barulhos da vida lá fora faziam mais grande, Zeca voltou dentro e dobrou as calças muito bem, para agüentar os vincos. Depois, nada mais que ele podia fazer já, encostou a cabeça no ombro baixo de vavó Xíxi Hengele e dasatou a chorar um choro de grandes soluços parecia era monandengue, a chorar lágrimas compridas e quentes que começaram a correr nos riscos teimosos as fomes já tinham posto na cara dele, de criança ainda. (p.38)



Observe-se que a descrição da paisagem natural e humana do musseque presentifica-se de modo contundente. A politização do espaço mestiço e periférico do musseque, que acolhe indistintamente crianças e velhos, é enfatizada e a música orquestrada pelos pequenos animais nativos expressa a vitalidade da terra angolana.



Mas, no momento final da narrativa, “os barulhos da vida lá fora” só fazem aumentar a tristeza e a impotência do protagonista, que “nada mais podia fazer” contra a miséria a que estava submetido junto com a avó. Daí o choro inconsolável, sinal de que Zeca não era capaz de vislumbrar saída para sua situação marginal. A afirmação dupla de sua infantilidade – em quimbundo e em português: “parecia era monandengue” e “cara dele, de criança ainda” – atesta menos a idade cronológica do rapaz e mais a sua incompreensão dos mecanismos da opressão colonial. Sem mais nada a dizer, o narrador suspende a narrativa bem no meio desse desamparo, deixando as personagens a sós com sua dor e deixando a nós, leitores, perplexos com a sua solidão.



A estória central do livro, “Estória do ladrão e do papagaio”, opera uma espécie de passagem entra a primeira narrativa – em que os protagonistas ainda não despertaram para a necessidade do engajamento na luta contra o colonizador – e a última – em que as personagens vão experienciar o alcance político da prática social solidária. De um modo bem genérico, é possível dizer que o texto fala sobre o encontro de três africanos na prisão - Xico Futa, Lomelino dos Reis e Garrido Fernandes - e sobre o florescimento da solidarieidade entre eles. Vale afirmar que o papel exercido por Xico Futa é central nessa interação: ele é porta-voz de ensinamentos preciosos para as outras personagens e também para os leitores da estória.



Nesse sentido, a “parábola do cajueiro”, enunciada por Futa, é fundamental para a constituição de um saber revolucionário. Nessa narrativa de caráter didático, a personagem adverte que é preciso conhecermos a raiz ou o princípio daquilo que mobiliza as pessoas e as suas ações. Vejamos:



(...) Sentem perto do fogo da fogueira ou na mesa de tábua de caixote, em frente do candeeiro; deixem cair a cabeça no balcão da quitanda, cheia do peso do vinho ou encham o peito de sal do mar que vem no vento; pensem só uma vez, um momento, um pequeno bocado, no cajueiro. Então, em vez de continuar descer no caminho da raiz à procura do princípio, deixem o pensamento correr no fim, no fruto, que é outro princípio e vão dar encontro aí com a castanha, ela já rasgou a pele seca e escura e as metades verdes abrem como um feijão e um pequeno pau está nascer debaixo da terra com beijos da chuva. O fio da vida não foi partido. Mais ainda: se querem outra vez voltar no fundo da terra pelo caminho da raiz, na vossa cabeça vai aparecer a castanha antiga, mãe escondida desse pau de cajus que derrubaram mas filha enterrada doutro pau. Nessa hora o trabalho tem de ser o mesmo: derrubar outro cajueiro e outro e outro... É assim o fio da vida. Mas as pessoas que lhe vivem não podem ainda fugir sempre para trás, derrubando os cajueiros todos; nem correr sempre muito já na frente, fazendo nascer mais paus de cajus. É preciso dizer um princípio que se escolhe: costuma se começar, para ser mais fácil, na raiz dos paus, na raiz das coisas, na raiz dos casos, das conversas. (p. 54)



Ao insistir no fato de que devemos refletir sobre o cajueiro - imagem das estórias entrelaçadas que conformam e justificam a realidade - e perseguir o fio da vida - fio das histórias pessoais e coletivas – Futa aponta para a necessidade de constituirmos nossa identidade como sujeitos históricos, afirmando valores fundamentais para a mobilização popular contra o poder instituído.

Já no final da estória, a confraternização entre os capianguistas presos afirma a solidariedade tão necessária para o enfrentamento da luta e é aí que a voz do narrador/“griot” vai se manifestar pela primeira vez. Sua fala, antes de mais nada, pede um posicionamento dos leitores, propondo um julgamento estético - e ético - da própria estória: Minha estória. Se é bonita, se é feia, os que sabem ler é que dizem (p.96). Desse modo, “os que sabem ler” ocupam o lugar da audiência dos antigos “griots” e são convocados a aderir ou não à narrativa e aos seus ensinamentos.



Por fim, a última frase do narrador/”griot”, que encerra definitivamente o texto, é: “E isto é a verdade, mesmo que os casos nunca tenham passado” (p.97). Se pensarmos no caráter didático de muitas das estórias tradicionais, que cumprem a função de transmitir valores éticos, o valor atribuído à verdade na “Estória do ladrão e do papagaio” estaria contido justamente na sugestão de procedimentos importantes para o estabelecimento da harmonia nas relações pessoais e sociais. Ao afirmar que diz a verdade, “mesmo que esses casos nunca tenham se passado”, o narrador/“griot” articula as noções de real e verossímil, fazendo com que os leitores/ouvintes tornem-se testemunhas vivas e ativas da possibilidade de construção de uma nova realidade histórica afinada com as aspirações revolucionárias.



A terceira estória, “Estória da galinha e do ovo”, que já começa com a voz do “griot” anunciando-a como “caso”, tem como motor a disputa entre duas vizinhas – nga Bina e nga Zefa – pela posse de um ovo. Posto pela galinha Cabíri, que pertencia à nga Zefa, no quintal de nga Bina, que está grávida e tem o marido preso, o ovo é reivindicado por ambas, que alegam seu direito sobre ele. A solução do conflito se dá com a interferência de duas crianças – Beto e Xico – que, imitando o cantar de um galo, fazem com que Cabíri fuja das mãos de policiais que haviam sido chamados para intervir no caso e que pretendiam levar vantagem na situação. Depois disso, nga Zefa resolve abrir mão do ovo e oferecê-lo a nga Bina. Na cena final da estória, podemos observar toda a satisfação da jovem mãe:



De ovo na mão, Bina sorria. O vento veio devagar e, cheio de cuidados e amizade, soprou-lhe o vestido gasto contra o corpo novo. Mergulhando no mar, o sol punha pequenas escamas vermelhas lá embaixo nas ondas mansas da Baía. Diante de toda a gente e nos olhos admirados e monandengues de miúdo Xico, a barriga redonda e rija de nga Bina, debaixo do vestido, parecia era um ovo grande, grande... (p.123)

O vagar do vento, a amenidade do sol e a mansidão do mar demonstram a solidariedade da natureza com a protagonista. A força de sua imagem carregando dois ovos - um nas mãos e outro na barriga -, símbolos de vidas novas que se anunciavam, atesta o acerto na solução de um impasse que parecia insolúvel. A justiça é alcançada graças à intervenção das crianças que conseguem fazer com que o ovo alimente aquela que está gestando um novo angolano, metáfora de um futuro mais desejável para Angola. E as reticências que encerram o parágrafo traduzem justamente esse porvir que precisa ser conquistado.

Para arrematar a narrativa, o narrador/“griot” mais uma vez atualiza a forma oral cristalizada das estórias tradicionais, pedindo o julgamento do relato pelos leitores e atestando a sua verdade:



Minha estória.

Se é bonita, se é feia, vocês é que sabem. Eu só juro que não falei mentira e estes casos se passaram nesta nossa terra de Luanda.(p.123)



Como já vimos, a avaliação estética exigida dos leitores é também uma avaliação ética. Julgar a estória “bonita” significa concordar com os valores que ela veicula e, em última instância, interiorizá-los e colocá-los em prática. Já o contrário significa a não adesão à ideologia que sustenta a narrativa, a negação daquilo que ela propõe - e que já havia sido anunciado na segunda estória: a ressignificação da tradição, a compreensão histórica dos fatos e a solidariedade entre os angolanos como forma de fortalecimento na luta contra os representantes do colonialismo.



Mais uma vez, a “verdade” da estória afirma exatamente aquilo que é necessário para a conquista da liberdade e da justiça na “nossa terra de Luanda”. Trata-se, assim, não da afirmação de realidades sedimentadas, mas da possibilidade de construção de uma nova realidade histórica.



A última narrativa de Luuanda valoriza o caráter revolucionário da ação dos monandengues que, valendo-se de conhecimentos tradicionais, salvam a galinha de cair em mãos inimigas e ensinam as mulheres a agir de maneira mais consciente e coerente com os objetivos da luta contra a opressão colonialista. Temos, então, a utilização da sabedoria dos mais-velhos em função de uma causa bastante objetiva, representativa da luta que deve ser travada para a conquista da liberdade. As gerações mais novas, representadas por Beto e Xico, põem em prática o “exercício da compreensão” explicitado por Xico Futa na estória central do livro.



A progressão temporal sugerida pela ordenação das três narrativas de Luuanda diz muito do sentido geral do livro. Nele, passado, presente e futuro se dispõem cronologicamente, perfazendo uma trajetória que anuncia novos tempos. De Vavó Xíxi à criança gestada por Bina, o fio da vida trançado pelo escritor é percorrido também pelos leitores. Desse modo, um percurso que diz respeito à construção de um saber ou de uma ética revolucionária pode ser depreendido da leitura encadeada das três narrativas do livro. Vale lembrar que a última estória se encerra com o pôr do sol. Aliás, o poente - referido por três vezes durante a narrativa - é bastante significativo em sua elaboração. Para além dos sentidos evocados por seu tom avermelhado - a paixão revolucionária, o sangue derramado na luta pela liberdade e até a cor característica das bandeiras dos partidos comunistas -, é possível pensar que o cair do dia metaforiza o final de um ciclo, de um tempo de opressão que deve se encerrar. Desse modo, a estória sinaliza que, depois da morte do tempo colonial, um novo dia - vidas novas, novos tempos – surgirá.



É prática literária de Luandino Vieira, corporificada nas três narrativas do livro, aproximaria-se da concepção de “utopia concreta” desenvolvida por Ernst Bloch principalmente em sua obra Das Prinzip Hoffnung (O princípio esperança), escrita entre 1938 e 1948.



Numa linha marxista, o filósofo alemão desenvolve seu conceito de utopia a partir do sentido ontológico do “ainda-não-ser”, redefinindo o conceito de “ser” como “modo de possibilidade para frente”. Assim, ao combinar uma concepção materialista da história e as potencialidades imanentes ao sujeito, espécie de força dinâmica que o projeta para o futuro, Bloch vislumbra a “realização progressiva da utopia marxiana da sociedade sem classes, que aposta na transformação da vida capitalista alienada em autodeterminação humana real, em auto-realização e em emancipação social individual.”[13]



Arno Münster, um dos maiores intérpretes da filosofia blochiana, ao circunscrever os sentidos do “espírito utópico” no pensamento de Bloch, verifica a relação estabelecida entre o conceito de utopia e o de “esperança crítica”, o que visaria



à negação de todas as relações humanas baseadas na alienação e na dominação, e a articulação desta esperança com o projeto (utópico) de uma revolução ética, devendo completar o objetivo de uma revolução das estruturas econômicas da sociedade. Por fim, o “espírito utópico” implica uma reformulação da questão ética, não no sentido de uma “ética normativa” tradicional, mas no sentido da reivindicação da realização de uma nova prática humana e moral enquanto síntese de uma nova concepção ética das relações inter-humanas que abrange não somente os ideais de igualdade e de fraternidade sintetizados pela Revolução Francesa, mas também os objetivos de uma revolução socialista.[14]



Parece-nos claro que o imaginário social configurado em Luuanda vai ao encontro da formulação de uma “revolução ética”, capaz de concretizar o projeto utópico de um país livre e justo. Nesse sentido, a proposta do escritor angolano aposta na transformação da realidade vivida pelas personagens a partir de sua conscientização e de sua atitude revolucionária.



Em termos mais formais, o engajamento da linguagem literária recriada em Luuanda se dá através da mistura entre o português e o quimbundo e também através da inscrição universalizante da palavra oral, recuperada ritualisticamente para ampliar o alcance dos ensinamentos contidos em cada narrativa. Dessa maneira, o diálogo estabelecido entre os modos da cultura oral e os modos da cultura letrada realiza a superação, em termos do discurso literário, da dicotomia existente entre tradição e modernidade. Em termos sociais, tal síntese cultural pode ser pensada como a superação da realidade de opressão típica do colonialismo. Afinal, ao ressignificar os valores e as práticas culturais tradicionalmente angolanas e afirmar um saber fundamentalmente ético, a obra articula passado e presente em função de uma experiência futura mais desejável.



Aparentando-se com os casos tradicionais, as duas últimas estórias do livro de Luandino Vieira transmitem valores essenciais para o bem-estar coletivo e exigem um posicionamento crítico de quem se dispõe a conhecê-las



Embora profundamente arraigada na história angolana pré-independência, a escrita literária de Luuanda permanece viva e atual como reflexão sobre contradições e impasses que, se estão presentes no plano social, estão também profundamente cravados nas subjetividades dos protagonistas das narrativas e, em alguma medida, de cada leitor.



Para além de sugerir a afirmação de uma ética revolucionária fundamental para a superação dos impasses inerentes à condição marginal na Luanda do início dos anos 60, o “otimismo militante” de Luandino Vieira aposta nas possibilidades e nas potências imanentes ao homem, sujeito literariamente concebido como livre e capaz de concretizar utopias sociais.







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Vima Lia Martin é doutora em Letras e professora de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo. Atualmente é vice-diretora do Centro de Estudos Portugueses/USP. Tem realizado pesquisas sobre as literaturas africanas e, em 2005, organizou o livro Diálogos críticos: literatura e sociedade nos países de língua portuguesa.









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[1] In LABAN, Michel et alli. Luandino. José Luandino Vieira e a sua obra. Lisboa: Edições 70, 1980, p.90.

[2] Sg. Carlos Everdosa in LABAN, M. et alli. Luandino. José Luandino Vieira e a sua obra, op. cit., p. 89.

[3] Idem, p.99.

[4] In LABAN, Michel. Angola - Encontro com escritores. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1991, p.40.

[5] LABAN, M. et alli. Luandino. José Luandino Vieira e a sua obra, op. cit., pp.13-4.

[6] Cf. SANTILLI, M. Ap. “João Guimarães Rosa e José Luandino Vieira, criadores de linguagens”. In Paralelas e tangentes entre literaturas de língua portuguesa. São Paulo: Área de ECCLP/ USP; Editora Arte e Ciência, 2003, pp.91-108; MACÊDO, T. “Os rios e seus (dis)cursos em Rosa, Luandino e Mia Couto” (pp. 95-105) e “Cantos do sertão e do musseque”(pp.107-116). In Angola e Brasil: estudos comparados. São Paulo: Área de ECLLP/ USP; Editora Arte e Ciência, 2002; SECCO, C. L. T. “Luandino Vieira e Mia Couto - intertextualidades...” (pp.44-53) e “O mito da criação em Luandino e Guimarães” (pp.70-7). In A magia das letras africanas. Rio de Janeiro: ABE Graph Editora; Barroso Produções Editoriais, 2003.

[7] Sg. CHAVES, Rita. “José Luandino Vieira: consciência nacional e desassossego”, op. cit., p.79.

[8] Termo utilizado pelo narrador de “Cangundos, verdianos, santomistas, nossa gente”, estória de Luandino Vieira publicada em Macandumba (Lisboa: Edições 70, 1997, p. 104).

[9] In “Um escritor confessa-se... ”. Entrevista de Luandino Vieira publicada no Jornal de Letras, Artes e Idéias, de Lisboa, em 9/5/89, p. 10.

[10] Idem, p.10.

[11] LABAN, M. et alli. Luandino. José Luandino Vieira e a sua obra, op. cit., p. 27.

[12] Sg. depoimento do próprio autor in “Um escritor confessa-se...”, op. cit., p.10.

[13] Sg. MÜNSTER, Arno. Utopia, messianismo e apocalipse nas primeiras obras de Ernst Bloch. São Paulo: Edunesp, 1997, p.15.

[14] In Ernst Bloch - Filosofia da práxis e utopia concreta. São Paulo: Edunesp, 1993, p.19.


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escreva para ZUNÁI: revistazunai@hotmail.com

Mocidade com demasiadas pregas nas saias

Sabem porque não quero que um dia me façam uma estátua?
Porque não me quero eternizar no meio de uma praça, e acima de tudo detestaria andar dezenas de anos a sentir a cabeça com caganitas de pássaro, e com uma peanha a servir de lugar ideal ao alívio da incontinencia urinária de noctívagos!

Fernando Pereira

sábado, março 29, 2008

Anda aqui Água a mais para certas cisternas?




De: Sousa Jamba
Em Semanario Angolense

Em recente entrevista concedida em Angola, o escritor e jornalista José Eduardo Agualusa que diz, nomeadamente, que «uma pessoa que ache que Agostinho Neto, por exemplo, foi extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre. O mesmo se pode dizer de António Cardoso ou de António Jacinto . . .»
Um tal Artur Queiroz, que assina textos de opinião no Jornal de Angola, atacou o Agualusa de uma forma tão grosseira que reduz o que deveria ser um debate sério sobre a nossa herança cultural a uma briga de bêbados num botequim.
Tenho profunda admiração pelo Agualusa que é, sem dúvida, o escritor mais sério da nossa geração. A sua capacidade de trabalho e determinação de sobreviver como escritor são impressionantes.
Na entrevista, Agualusa afirma que só quem lê seriamente é que consegue escrever livros sérios.
Esta é a perspectiva de alguém que acredita numa análise rigorosa de obras literárias.
Avancemos, porém, para a questão que tanto incomodou algumas mentes: Agostinho Neto foi ou não um poeta medíocre?
No que me diz respeito e para ser franco devo dizer que não tenho uma resposta à mão porque nunca me sentei seriamente para analisar minuciosamente a poesia dele. Posso, porém, afirmar que os poemas do moçambicano José Craveirinha me comoveram bastante quando os descobri, há alguns anos. Neste momento estou a tentar ler, em português (e não uma tradução, já que leio o inglês com mais facilidade) a obra de Luis de Camões "Os Lusíadas". Cheguei a Camões depois de ter lido a sua biografia da autoria de um escritor americano publicado nos anos 30.
Há dias li obras de poetas como Phillip Larkin, Ted Hughes e Seamus Heaney, que també me comoveram bastante. Ted Hughes, por exemplo, foi exposo da poetisa Sylvia Plath. Ele é detestado por muitas feministas do Reino Unido e nos Estados Unidos que o responsabilizam pela morte da sua mulher. A esposa de Hughes suicidou-se porque o marido seria um mulherengo. Esta é claramente uma apreciação errada: deve fazer-se uma clara distnção entre o poeta e o homem. Não há dúvida que as obras de Ted Hughes, que tratam minuciosamente da natureza, tem uma qualidade literária inegável. Quanto a Ted Hughes gostar muito de mulheres isto é outra conversa.
Na Grã- Bretanha muita gente fala agora do poeta Phillip Larkin.
Descobriu-se, recentemente, que Larkin tinha um fraco pela pornografia. Por causa desse lado da personalidade de larekin há, agora, quem defenda que a sua poesia não deveria ser ensinada nas escolas. Em meio a polémica, uma escola defendeu a sua distinção entre a vida do autor e a sua obra.
As considerações em torno de Hughes e Larkin levam-me àstrês figuras cujo mérito literário foi questionado pelo Agualusa, o que deu lugar à fúria do senhor Artur Queiroz. Quando o Agualusa diz que o Agostinho Neto foi um poeta medíocre não está, nem de longe, a questionar as suas credenciais como nacionalista angolano. Isto está fora de questão. A fusão do Neto-politico, muitas das vezes feita, é que resulta em afirmações intelectuais pouco firmes. Um bom politico não é necessáriamente um bom poeta e vice versa.
O sr. Artur Queiroz afirma que Agostinho Neto é universalmente reconhecido como grande poeta. Tenho dado aulas e feito conferências de e sobre literatura africana em várias partes do mundo. Muitos dos meus alunos e participantes dessas conferências nunca ouviram falar de Agostinho Neto. Isto é a verdade! Da África lusófuna só há dois escritores de que se fala muito: o moçambicano Mia Couto e o angolano... José Eduardo Agualusa. SAerá que isto é justo? Mia Couto e Agualusa chegaram «lá» por mérito prório ou, como muitos escritores negros dizem em privado, ambos são promovidos por fundações portuguesas porque é neles que muito lusos se revêem? Será que o Agualusa é mesmo um bom escritor (eu acho que sim) ou será, apenas,fruto de um bom marketing?
Pergunto: Agualusa e Mia Couto serão apenas escrivães que relatam à metrolpole( dos salões de Cascais) os últimos desenvolvimentos queocorrem na terra dos pretos? Sei do que estou a falar.Sei que estou a pisar os terrenos das ideias preconcebidas. As respostas a estas questões só podem ser encontradas num engajamento sério com as obras de Agualusa e Mia Couto. E se formos honestos desse engajamento podem, até, surgir factos que iluminariam de forma profunda a nossa existência com africanos.
O Sr. Artur Queiroz defende Agostinho Neto, António Cardoso e António Jacinto sem aludir às suas obras poéticas. Segundo o Sr. Queiroz « a vida de António Cardoso é o mais belo poema que alguma vez se escreveu» Mas que é isso? Como todos os outros çleitores, quero saber a razão que faz com que o Sr Queiroz pense que António Cardoso não é poeta medíocre - como o Agualusa afirma. É esta a questão. Alguém tem de mostrar-nos que o Agualusa está equivocado.
Em Angola impõe e já elevar o debate sobre a nossa vida cultural. O texto de Artur Queiroz está cheio de elogios a figuras que já não precisam disso - sobretudo de alguém que, bem vistas as coisas, não é mais do que um bem dotado lambe-botas, com um dicionário de sinónimos ao lado.
Temos de agradecer a Agualusa por ter levantado a questão. Agora cabe-nos ler ou reler as obras dos autores que ele menciona para tirarmos as nossas conclusões.



A propósito de «Em defesa de Jóse Eduardo Agualusa»
Direito de Resposta de Artur Queiroz
Sousa Jamba quer que eu discuta a herança cultural dos angolanos com quem não tem nada a verAos responsáveis do Semanário AngolenseOs meus melhores cumprimentos. Lamento não poder dirigir-me ao senhor director do jornal, mas o seu nome não consta na primeira página e em nenhum local das páginas interiores encontrei o genérico da edição nº 257 de 22 a 29 de Março. Num primeiro momento pensei que tinha comprado uma cópia falsa. Comprei uma segunda e era igual à anterior. Por isso peço desculpa por não me dirigir pessoalmente ao director do Semanário Angolense. Presumo que não necessito de invocar o instituto do Direito de Resposta para defender a minha honra e o meu bom-nome, mais uma vez violados nas páginas do Semanário Angolense. Na primeira página da edição de hoje, numa chamada titulada «Em Defesa de Agualusa», o meu nome é citado num lead onde se afirma que eu reduzi aquilo que deveria ser um debate sério a «uma briga de bêbados num botequim». Esta afirmação é, no mínimo, desprimorosa. Percebi depois que foi extraída de um arrazoado assinado por um tal Sousa Jamba. Lamento que o jornal tenha assumido a baixeza. Li as garatujas de Sousa Jamba e fiquei a perceber o porquê do insulto da primeira página. Quem não sabe escrever também não sabe ler e o autor da defesa de Agualusa é um dos milhões de seres humanos no mundo, que tiveram a grande desgraça de não terem aprendido a ler. No texto que publiquei no Jornal de Angola eu insurgi-me contra o facto de Agualusa ter afirmado que há angolanos torturadores que em Portugal são tratados como grandes escritores. Mas não nomeou ninguém e por isso todos são suspeitos de praticantes da tortura. Uns tempos depois foi mais arrogante e mais cobarde. Disse que as pessoas que consideram Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso grandes poetas não percebem nada de poesia. E remata colocando aos três o rótulo de medíocres. Qualquer idiota tem direito à palavra e à opinião. Mas nenhum indigente mental pode impor a sua opinião e muito menos passar um atestado de ignorância a quem não pensa como ele. E foi só isso que me levou a reagir contra o biltre. Sousa Jamba quer que eu discuta a herança cultural dos angolanos com quem não tem nada a ver com a cultura ou as culturas de Angola. E Agualusa não tem. Falta-lhe lastro e memória. Vivência. Estudo. Sentimento. Afinal falta-lhe tudo. É muito grave não é? Os colonialistas usaram sempre a arma da memória para imporem os seus valores e apagarem os nossos. Agualusa aprendeu a lição. Para ele, a Literatura Angolana começou no dia em que foi publicado o seu primeiro livro. Quando muito, o primeiro livro de Sousa Jamba. É uma táctica que os nazis adoptaram e dela abusaram. A Alemanha começou no dia em Hitler subiu ao Poder. O salazarismo fez o mesmo. Angola sem os portugueses nunca existiu. Eu afirmei no meu artigo publicado no Jornal de Angola que Agostinho Neto é um poeta universalmente reconhecido. E Sousa Jamba contesta afirmando que já deu muitas aulas e fez muitas conferências sobre Literatura Africana em várias partes do mundo e os participantes nunca ouviram falar de Agostinho Neto. Se foi falar de literatura à Universidade da Jamba é natural que os alunos nada soubessem do poeta Agostinho Neto. Ou se foi conferenciar com os guardas dos paióis de armas da Unita em vários países africanos. Ou mesmo numa qualquer escola dos karkamanos. Portanto depende dos alunos, depende das escolas e depende de quem lhe fez os convites para dar aulas e conferenciar. Mesmo correndo o risco de dar demasiada confiança a um semi-analfabeto pretensioso, vou responder a um desafio que ele me faz nas suas garatujas alinhadas por alturas e perfiladas pela extrema-direita. Quer saber porque razão considero António Cardoso um grande poeta? Porque ele nunca tratou a arte poética ou a arte literária como uma mercadoria. Para mim, essa circunstância deixa-o a anos-luz de distância de biltres como Agualusa. Finalmente, Sousa Jamba diz que sou um lambe botas de Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso. Se por uma distracção do acaso Jamba soubesse o que significa essa expressão, eu considerava-me insultado. Mas um pobre ignorante sabe lá o que significa lambe botas? Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso não precisam de mim para defendê-los de um canalha sem nome ou de um analfabeto da Jamba. No artigo que publiquei no Jornal de Angola apenas me defendi a mim. Então o professor do sinaleiro da Jamba vem a terreiro defender o parceiro de lobby da Unita e eu é que lambo botas? O Savimbi deixou estes maganos de cabeça avariada! Luanda, Março de 2008-03-22Artur Queiroz










A poesia de Agostinho Neto, António Cardoso e António Jacinto é medíocre?
A formação do cânone literário e a errância argumentativa de um «leitor»Luís Kandjimbo
1. Está em curso em Angola uma reforma curricular que deverá ser capaz de «responder à exigência da aplicação dos fundamentos de um Novo Sistema Educativo», segundo a Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação (2001-2015) do governo angolano. No âmbito do referido processo de reforma, o Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação (Inide) preparou o Programa de uma disciplina que se designa por Literatura. Apesar de o título do documento referir apenas «Programa de Literatura», os seus objectivos gerais mencionam expressamente a Literatura Angolana. Na sua introdução geral, lê-se o seguinte: «O Ensino da Literatura como disciplina autónoma para 11ª e 12ª classes do Ensino Secundário justifica-se por várias razões embora não entendendo uma autonomia como factor de afastamento de estudo sistemático da língua (...)» Atendendo aos imperativos da realidade cultural do país e ao tipo de necessidades formativas das crianças e jovens angolanos faz sentido propor a introdução da disciplina de Literatura Angolana no currículo do sub-sistema do ensino secundário. É uma disciplina que corresponderá a alguns objectivos propostos pela referida Estratégia, nomeadamente, «promover uma nova consciência nacional baseada na tolerância, no respeito por si próprio e pelos outros, na identidade cultural, e na cultura da paz.»; «revalorização do património cultural nacional, (...) promoção de vectores que veiculem o património cultural e em particular as línguas nacionais». Neste capítulo devemos ter em conta as disposições da Carta do Renascimento Cultural de África que recomenda expressamente «a adaptação dos currículos das escolas às necessidades de desenvolvimento e realidades nacionais, culturais e sociais» e a «introdução da Cultura Africana em todos os sistemas de ensino nacionais.» A disciplina de Literatura Angolana pode com a sua dimensão cultural e humanística contribuir decisivamente para a formação integral do cidadão Angolano, criança, jovem ou adulto. Entendo que a Literatura Angolana deve fazer parte das matrizes curriculares de todas as classes do ensino secundário, contrariamente ao que aconteceu, por exemplo, na revisão curricular em Portugal, onde a Literatura Portuguesa passou a ser ministrada em dois anos apenas e como disciplina específica do curso científico-humanístico de Línguas e Literaturas, nos 10º e 11º ou 11º e 12º anos. A partir do 1º ciclo do ensino secundário o aluno entraria em contacto com a disciplina de Literatura Angolana que teria como base a História da Literatura Angolana. Ensino da Literatura Angolana e Reforma Curricular são enunciados que gravitam em torno do conceito de currículo. Na abundante produção dos estudos curriculares não é consensual uma definição de currículo. Mas vou socorrer-me da definição daquela que na bibliografia especializada é a mais recorrente. O currículo pode ser definido como «projecto selectivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a actividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada». O que esta acepção de currículo nos sugere é que o planeamento curricular se inscreve simultaneamente no campo das políticas educativas e das políticas culturais. O segmento cultural do planeamento curricular detecta-se na elaboração dos conteúdos das aprendizagens, especialmente em matérias e disciplinas científico-humanísticas e artísticas. Por isso, pode dizer-se que o currículo prescrito de que a Literatura Angolana fizer parte (com a disciplina de História de Arte Angolana) veiculará valores de uma cultura comum cuja expressão máxima é representada pela categoria de Angolanidade. Na esteira do sociólogo francês Pierre Bordieu, diremos que «todo o acto de transmissão cultural implica necessariamente a afirmação do valor da cultura transmitida (e paralelamente, a desvalorização implícita ou explícita das outras culturas possíveis)». Por outras palavras, isto significa que «todo o ensino deve produzir, em grande parte, a necessidade de seu próprio produto e, assim, constituir enquanto valor ou como valor dos valores, a própria cultura cuja transmissão lhe cabe». Estabelecidas as prescrições e regulações do currículo e a partir daí o programa da disciplina de Literatura Angolana, colocar-se-á a questão da selecção de textos que suportarão o processo de ensino-aprendizagem. Isto é, levanta-se o problema do cânone literário. Tanto mais pertinente é a sua abordagem quanto se sabe que há cerca de três anos se desencadeou em Luanda um debate a propósito de um conjunto de autores e textos seleccionados para constituir aquilo a que se chamou «Biblioteca da Literatura Angolana». Desenvolve-se agora uma outra polémica sobre a qualidade estética da obra de três poetas angolanos, nomeadamente, Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso. Lendo as diversas peças da polémica, não posso limitar-me a manifestar a minha simpatia por qualquer uma das posições. Trata-se de uma questão que diz respeito à representatividade de autores e textos no quadro da Literatura Angolana enquanto instituição. O problema merece outro tipo de reflexão porque o cânone literário institucional entendido como uma selecção de textos e autores desempenha várias funções de que se destacam as seguintes: fornecer modelos de referência às comunidades interpretativas; transmitir às gerações jovens instrumentos para interpretar textos; servir como base de legitimação das grelhas teóricas e críticas. O debate sobre o cânone literário em Angola emerge pela primeira vez e ganha visibilidade pública a partir de 1997, por ocasião do Encontro Internacional sobre Literatura Angolana, realizado em Luanda, quando perante os argumentos de Pires Laranjeira, que identificava a coexistência em Angola de duas lutas por um novo cânone, rotulando-me como «fundamentalista negro» devido à minha leitura fundamentada do romance Yaka de Pepetela – no qual o autor esvazia o valor de determinada categoria de personagens referenciais – apresentei uma comunicação denunciando a existência de uma ideologia oculta na «escola de estudos literários africanos em Portugal» que faz a apologia da crioulidade e de um cânone literário de «escritores mestiços» de que dependeria o prestígio da Literatura Angolana. Os leitores que tiverem interesse em conhecer a fonte de tal informação podem ler os livros de José Carlos Venâncio. Este autor, Francisco Soares e alguns epígonos renovam uma tal teoria sociológica das «ilhas crioulas» (teoria da criolulidade) elaborada pelo ensaísta Mário António Fernandes de Oliveira em 1968, no livro «Luanda, Ilha Crioula», e aplicam-na especialmente à sociedade e literatura angolanas. Para o efeito socorrem-se muitas vezes do Éloge de la Créolité, manifesto publicado em 1989 de que são autores os escritores antilhanos Patrick Chamoiseau, Jean Barnabé e Raphael Confiant, como se Angola fosse um espaço insular habitado exclusivamente por pessoas enviadas para o território em vagas sucessivas de imigrações organizadas. No entanto, Angola não se assemelha em nada àquilo a que os luso-tropicalistas consideravam como sendo «o mundo que o português criou» de que resultariam as sobreditas «ilhas crioulas». De resto, estas não existem em Angola. As polémicas desencadeadas em torno da selecção de obras constitutivas de um conjunto a que se deu o nome de «Biblioteca da Literatura Angolana» e acerca da apreciação estética da obra poética de Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso traduzem bem a existência de conflitualidade de teorias, estéticas e interpretações, revelando uma certa geopolítica do conhecimento, o lugar a partir do qual cada um produz o seu discurso. 2. Distinguindo o essencial do acessório, é importante saber se o argumento proposto para qualificar Agostinho Neto como poeta medíocre pode ser considerado válido, susceptível de aceitação, e se o discurso em que ocorre é coerente. Em primeiro lugar, devemos reconhecer que a literatura angolana tem uma dimensão institucional, subjacente ao ensino da literatura e à atribuição de funções representativas e identitárias de autores e obras literárias. Com ela se institui a legitimação da literatura como parte do património cultural angolano. Em segundo lugar, podendo qualquer leitor dar preferência a este ou aquele autor e respectiva obra, tal não significa que se torna imune de ser responsável pelas escolhas que faz, a partir do momento em que enuncia o seu juízo de valor. Ao invés, em homenagem a uma ética da leitura, ele está vinculado à obrigação de fundamentar e clarificar, de relativisar o seu ponto de vista e de saber que na origem da sua escolha está a sua idiossincrasia, o seu universo de experiências e a sua enciclopédia de leitor. Neste sentido, cada leitor pode formar o seu cânone literário pessoal que reflectirá os seus gostos e inclinações estéticas. A polémica em curso dá um outro aviso à navegação: os leitores pertencem sempre a alguma comunidade interpretativa. Por isso, o leitor que pertencer à comunidade interpretativa angolana, independentemente das suas preferências, não terá dificuldade em concluir que quer em Angola quer em outras partes deste nosso mundo, Agostinho Neto e sua obra integram cânones literários críticos, pedagógicos e diacrónicos para usar parte de uma classificação de Alastair Fowler. Sagrada Esperança é um clássico da literatura angolana. A sua leitura causou arrepios a muitos poetas das gerações seguintes, sendo o modelo a partir do qual se produziram rupturas de natureza estética, como efectiva demonstração de «desleituras» e «desescritas». Com maior ou menor sucesso, os poetas angolanos que emergem na década de 70, por exemplo, reescrevem a gramática da geração literária de Agostinho Neto. Ora, desejando conhecer as boas razões para negar esse facto, vou em seguida exercitar uma avaliação do referido argumento: a) Quem goste realmente de ler vai indicar escritores de outros países com obra feita; b) Há pessoas que acham Agostinho Neto um extraordinário poeta; c) Essas pessoas não conhecem rigorosamente nada de poesia; d) Agostinho Neto foi um poeta medíocre. Do ponto de vista da lógica da comunicação argumentativa estamos perante um evento implausível. Na verdade, para ser um argumento válido faltam-lhe premissas fidedignas. Ou seja, as quatro frases são premissas fracas. Mas caberá ao seu proponente provar a qualidade das suas premissas e da sua conclusão. O argumento é falacioso e inválido, desde logo devido à diversa informação omissa. Falacioso porque faz apelo à ignorância (ad ignorantiam, diriam os latinos), o proponente parte do pressuposto de que afirmação é verdadeira, pois ninguém provará que é falsa. Inválido porque apresenta defeitos lógicos. Este género de argumentos é usado por cabotinos, indivíduos que geralmente pretendem exibir uma capacidade de provocar a opinião pública. Um conhecedor da literatura angolana, hipoteticamente menos incauto, teria formulado o seguinte argumento: a) e a obra poética de escritores da geração literária angolana de 40; b) Alguns poetas da geração literária angolana de 40 são medíocres; c) Logo, Agostinho Neto, escritor da geração literária angolana de 40, é um poeta medíocre. Este argumento configura uma mera hipótese exemplificativa. Mesmo assim a sua conclusão não poderia suscitar aceitação. As premissas são válidas. Por exemplo, Geraldo Bessa Victor é um poeta angolano medíocre que pertence a essa geração. Porém, a conclusão é falsa. O proponente evitaria com certeza cair nas malhas da teoria que desvaloriza a referencialidade e defende o texto absoluto. Não ignoraria o facto de a literatura angolana constituir um sistema que convoca necessariamente o autor, a sua biografia, o universo cultural que modela a sua linguagem. Tendo em conta o princípio do ónus da prova, esse «conhecedor menos incauto» forneceria certamente as suas razões para justificar as premissas e a relação que elas estabelecem com a conclusão. Ainda que não pertencesse à comunidade interpretativa que reconhece a canonicidade de Agostinho Neto, António Jacinto e António Cardoso, teria a necessidade de reformular a conclusão do argumento.



O GOSTO ÚNICO

28/03/2008

José Eduardo Agualusa | Capital | Luanda

Não posso dizer que tenha ficado surpreendido com algumas das reacções a uma entrevista que concedi recentemente ao Semanário Angolense. Atravessamos um tempo um pouco estranho, de transição de um regime de pensamento único para aquilo que, espero, venha a ser uma verdadeira democracia. O que diferencia uma ditadura de uma democracia é a pluralidade de ideias e de opiniões sobre qualquer assunto, e a forma como essas ideias são recebidas não apenas pelos governantes, mas pela generalidade da população.

Os ditadores esforçam-se por estabelecer primeiro uma determinada ideologia política, mas raramente se detêm aqui – tentam a seguir impor a toda a gente os seus próprios gostos sobre música, literatura, artes plásticas, desporto, sexo, ou mesmo moda. Hitler, que foi um medíocre pintor de paisagens, embirrava com o cubismo e o expressionismo, classificados como “arte degenerada”. As obras de grandes pintores, como Chagall, Mondrian ou Max Ernst, foram então consideradas produtos de mentes doentias. "De agora em diante iremos empreender uma guerra implacável contra os últimos remanescentes da desintegração cultural”, assegurou Hitler num famoso discurso sobre arte moderna, em 1937: “Por tudo que nós apreciamos, esses bárbaros pré-históricos da Idade da Pedra podem retornar às cavernas de seus ancestrais e lá realizar os seus rabiscos primitivos internacionais”. Os seguidores de Hitler, evidentemente, elogiavam os dotes artísticos do fuher. Mas, claro, quem acabou triunfando não foi Hitler, e sim os artistas ditos degenerados.

Mobutu não gostava de calças à boca de sino. Mugabe odeia (e persegue) os homossexuais. No Chile de Pinochet, e em Moçambique, no tempo de Samora Machel, jovens com cabelo comprido não eram muito apreciados pelo regime.

No seio do partido no poder confrontam-se hoje em dia democratas autênticos, democratas de fantasia – que ainda há poucos anos defendiam o sistema de partido único –, e uma mão cheia de órfãos da ditadura, mortos-vivos que não conseguem adaptar-se aos novos tempos e insistem em classificar como traidores à pátria todos os que se atrevam a contestá-los. Partido e pátria são para estas pessoas exactamente o mesmo, ou, ao menos, o partido constitui uma extensão da pátria.
Estes zombies são hoje, dentro do MPLA, um arcaísmo deselegante. Tenho a certeza de que incomodam, com a sua brutalidade, os próprios companheiros de partido. Julgo que têm os dias contados. Já não é possível, como se fez em 1975, acusar adversários políticos de se alimentarem de carne humana (recuperando desta forma, e talvez não por acaso, uma das mais racistas e abjectas fantasias coloniais). Felizmente esse tempo passou.

quarta-feira, março 19, 2008

No Jornal de Angola/16 Março/Artigo do Artur Queiroz


18 de Março de 2008
in Jornal de Angola, um artigo do Artur Queiroz...

O comerciante desalmado

Artur Queiroz|

José Eduardo Agualusa deu uma entrevista a um blogue português e disse que há torturadores angolanos que são tratados em Portugal como grandes escritores. Como não nomeou ninguém, quem ler a entrevista (ainda está na Internet) vai presumir que todos os grandes escritores angolanos se dedicam à tortura. Ou quando algum leitor estiver na presença de um desses escritores vai pensar que está a ver e ouvir um torturador. O senhor José Agualusa lançou um manto de calúnia sobre todos os seus confrades o que é muito grave. Mas mais grave foi ter dado a bofetada e escondido a mão. Como não nomeou os torturadores, ninguém pode defender-se de tão grave acusação. No tempo em que os animais não falavam, isto era cobardia. E um cobarde vale tanto como os seus gestos repugnantes.
A entrevista do blogue não é um caso isolado, longe disso. E no passado fim-de-semana, o presumível escritor voltou a atacar, desta vez três poetas que estão mortos e por isso nem sequer podem fazer a sua defesa. A cobardia aqui assume a dimensão de um assassinato de carácter o que faz de Agualusa uma figura com todos os predicados para entrar na minha lista pessoal dos leprosos morais. Para já não entra porque tenho pena dos outros. Passa sem reparo a falta grave de se apresentar como jornalista, mas já não passa esta frase que retiro da entrevista: “uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre. O mesmo se pode dizer de António Cardoso ou de António Jacinto”.
António Cardoso era pequenino mas tinha uma fibra que ainda hoje faz os esbirros do colonial fascismo espirrarem canivetes. Já António Jacinto e Luandino Vieira tinham sido libertados do Tarrafal mas como residência vigiada em Portugal, ainda António Cardoso penava na frigideira. Foi o último preso político a ser libertado. Regressado a Luanda foi para a Redacção da Emissora Oficial onde coordenou o turno da noite. Mas também fazia o programa cultural Resistência, um trabalho extraordinário. Meteu tanto medo aos esbirros que um dia foram buscá-lo à emissora, levaram-no para um cárcere privado e torturaram-no. Os seus colegas da rádio entraram em greve e conseguiram salvá-lo da morte certa. Acumulou com o seu trabalho na rádio um suplemento literário no Diário de Luanda, ajudado na escrita pelo Luciano Rocha e pelos gráficos Domingos Alves e Airosa (onde andam vocês, velhos companheiros?). A vida do António Cardoso é o mais belo poema que alguma vez se escreveu. Vem agora um rebento de ximba abocanhar-lhe os calcanhares. Mesmo depois de morto, António Cardoso ainda faz tremer a canalha. Que grandeza!
Eu viajei no comboio malandro entre o Zenza e o Golungo. Só um capataz despeitado não vê poesia na resistência passiva de um povo escravizado que finge que empurra o comboio mas não empurra. Eu conheci milhares de contratados, os pobres “bailundos”, nas roças Pumbassai, Alto Dande, Pingano, Poço e Irmãos, Muzekano e muitas outras. António Jacinto pegou na mão de um deles e escreveu uma carta de amor que voou do Kazengo para o mundo como um pombo verde de papel. E com as melhores sementes da liberdade, o poeta ainda relatou o grande desafio que nos levou onde estamos. Vem agora um capataz despojado do chicote e armado de uma pena venal, cuspir no túmulo do mestre.
Agostinho Neto guiou o seu povo pelo caminho das estrelas. Que outro poeta na História Universal libertou a sua pátria com poemas e fuzis? A grandeza da obra literária de Agostinho Neto foi reconhecida em todo o mundo por académicos, professores, críticos literários e confrades. Vem agora uma flatulência retardada do colonial fascismo sujar a sua memória com uma tentativa de assassinato de carácter. O senhor José Agualusa tem o direito de dar a sua opinião. Mas não pode dizer que quem considera Agostinho Neto um grande poeta “não percebe rigorosamente nada de poesia”. Quando a arrogância se associa à ignorância e ao despeito, só pode dar Agualusa. Mas por muito que lhe custe, o império colonial caiu mesmo e já não volta a ressurgir dos escombros. E nem o facto de ser um angolano tardio ou um balbuciante empregado de balcão no difícil comércio das palavras lhe desculpam o atrevimento e a cobardia de bater em quem não pode defender-se.
O que me deixou mais preocupado na entrevista de Agualusa foi ter-se refugiado na amizade de Mena Abrantes e João Melo. O moço agrediu, cuspiu e depois foi avisando que tem amigos no campo das letras. João Melo é um camarada, um amigo e sobretudo um homem honrado. Quanto a Mena Abrantes partilhei com ele a minha casa quando chegou do exílio em 1974 e foi pela minha mão para a Redacção da Emissora Oficial de Angola, hoje RNA. É um homem impoluto. Presumo que ambos perderam o sentido do olfacto. Caso contrário, quando recebem a visita de Agualusa, devem contorcer-se com vómitos. Cuidem da saúde, queridos companheiros! Quanto a José Agualusa quero dizer-lhe que os angolanos não têm culpa que tenha crescido tão pouco e que o seu estrabismo o impeça de ver para além da tampa da sarjeta. Quem nasce e cresce pequenino fica mesmo assim até ao fim. Nem todos podem ser grandes e só são dignos os que sabem viver entre as fronteiras da honra e da dignidade. É pena que não tenha aprendido esta lição.


PS: Conheço todos os volvidos, envolvidos, devolvidos e por aí fora!

Fernando Pereira

sábado, março 15, 2008

Impostos ou imposturices???




Alberto Pimenta
1948:o meu pai foi às finanças fazer um requerimento, e como de costume fez questão de que eu o acompanhasse:Para "aprender a vida".
Em casa explicou-me minuciosamente a fórmula e o motivo do requerimento.No fim meteu dentro da folha uma nota de 50 escudos e disse-me---Esta é a parte mágica da fórmula.Qd tiveres um pedido a fazer, já sabes, o segredo é este.
Passados uns meses enviei a minha primeira declaração de amor e, como 50 escudos era muito para as minhas posses, juntei uma moedinha de 2$50
Nunca tive resposta, decerto foi por ser pouco.