terça-feira, abril 22, 2008

H2O lusa continua em ebulição!

NO MEU CANTO
Viajando pela poesia de Agostinho Neto
Celso Malavoloneke

Esporeado por uma polémica, polémica essa causada pela arrogância dita «democrática» de uma egocêntrica percepção do monopólio da verdade – revisito a poesia de Agostinho Neto. Não do Agostinho Neto nacionalista que foi, tal como Holden Roberto, Jonas Savimbi, Lúcio Lara, José Ndele, Mário de Andrade e tantos outros. Não. No meu imaginário surge neste momento o Agostinho Neto que burilou o sonho nacionalista que todos eles sonharam, mesmo daqueles cujos caminhos seguiram rumos diferentes, o «caminho do mato, o caminho do soba, o caminho da Lemba, Lemba formosa». Esta é a poesia que degusto. A mais elementar modéstia impede-me de apregoar quaisquer competências para perceber poesia. E preciso? Quando o meu coração se mexe de kaxêxe e a minha alma imagina «o som de grilhetas nas estradas; o canto de pássaros sobre a verdura húmida dos capinzais...» de um período negro na história da minha Nação que alguém – nesse caso Neto – imortaliza na lúdica estética da gramática teimosa do «havemos de voltar... à Angola libertada; à Angola Independente…» não está tudo dito? A ser assim, confesso não perceber «rigorosamente nada de poesia». Prefiro ficar no conforto da minha percebida pequenez intelectual. Porque não quero precisar de intelecto para a poesia, e nem quero perceber poesia, para já. Eu quero senti-la. Quero ouvi-la com a alma. Deixa-la colorir a minha imaginação, e encher o coração com este orgulho de ser parte desta terra e desta gente, orgulho esse para passar à minha prole. Para quê perceber o que posso sentir, e sentindo faz-me bem? Não é esse o papel essencial da Arte e da Literatura? No dia 15 de Abril deste ano, o poeta, contista, jornalista e romancista Mia Couto homenageando o escritor brasileiro Jorge Amado dizia o seguinte: «Deve ser dito (como uma confissão à margem) que Jorge Amado fez pela projecção da nação brasileira mais do que todas as instituições governamentais juntas. Não se trata de ajuizar o trabalho dessas instituições, mas apenas de reconhecer o imenso poder da literatura. Nesta sala, estão outros que igualmente engrandeceram o Brasil e criaram pontes com o resto do mundo. Falo, é claro, de Chico Buarque e Caetano Veloso. Para Chico e Caetano, vai a imensa gratidão dos nossos países que encontraram luz e inspiração na vossa música, na vossa poesia». O mesmo se poderia dizer de Agostinho Neto. O seu mérito como poeta terá sido transformar os ideais nacionalistas em arte literária, e com isso fazer uma poderosa arma de luta. Ter a humildade – que porventura ter-lhe-á faltado como político – de submeter-se ao crivo da crítica na construção de uma obra artística, que constituísse uma fonte de inspiração na construção de uma Nação. Dali que o «não direi nada, mesmo que me espanquem, mesmo que me ameacem de morte. Nada sou, renuncio-me, atingi o zero» atinge para tantos angolanos – sendo verdade que a outros não – aquela sublimidade típica das verdadeiras obras de arte. Sendo impossível dissociar o nacionalista do poeta, o político do visionário sonhador, sou daqueles que confesso-me profundo admirador da sua poesia. E continuarei sendo-o, mesmo que me chamem ignorante em termos de poesia. Mesmo ainda que o impropério venha de um escritor cujas obras para mim têm o mesmo valor literário que a poesia de Agostinho Neto. Convenhamos, porém, que nem todos os que se auto-intitulam donos da competência de perceber a poesia em questão têm, na minha opinião, o mínimo de vivência e exposição para, de perto ou de longe, poderem ser confundidos com angolanos. Tanto os que a atacam gratuitamente como os que defendem arruaceiramente. Será um sinal do complexo das minorias que procuram fazer-se ouvir pelo volume do ruído que produzem? Ao José Eduardo Agualusa, uma réplica: se por gostar desalmadamente da poesia de Agostinho Neto não percebo rigorosamente nada de poesia, então o senhor percebe ainda menos – se é que isso é possível – do papel essencial da Arte e Literatura na vida dos povos. Elegantemente incomodou-se a explicar-lhe o Luís Kandjimbo. Ao Artur Queiroz outro recado: a poesia de Agostinho Neto não precisa de ser defendida com linguagem de carroceiros brigando por uma picha de cerveja barata numa taberna qualquer. A não ser que vocês os dois decidam fazê-lo algures em terras lusas, onde essas baixarias parecem confundidas – confundibilizadas, como diria Paulo Tjipilika – com democracia. Então porquê não irem para lá e entabernarem-se, que assim deixa de ser problema nosso – etu mungwetu, que aqui nascemos, aqui ficámos, aqui sofremos, miseramos, esfomeamos e brigamos na esperança de com a Terra um dia crescer e sorrir. Etu mungwetu que na nossa ignorância até sabemos «criar amor com os olhos secos!»
Recado I
Ao José Eduardo Agualusa, uma réplica: se por gostar desalmadamente da poesia de Agostinho Neto não percebo rigorosamente nada de poesia, então o senhor percebe ainda menos – se é que isso é possível – do papel essencial da Arte e Literatura na vida dos povos
Recado II
Ao Artur Queiroz outro recado: a poesia de Agostinho Neto não precisa de ser defendida com linguagem de carroceiros brigando por uma picha de cerveja barata numa taberna qualquer
Recado III
A não ser que vocês os dois decidam fazê-lo algures em terras lusas, onde essas baixarias parecem confundidas com democracia. Então porquê não irem para lá e entabernarem-se, que assim deixa de ser problema nosso?

Onde ficaram as bombas, senhor cónego?


A morte lava mais branco
Autor: Carlos Esperança
O funeral do cónego Eduardo Melo, da Sé de Braga, deu origem a uma importante concentração fúnebre.

Uns foram para ter a certeza de que ficam livres de uma testemunha incómoda, outros para prestar homenagem a um homem que não hesitaria em defender a Igreja à bomba.

Não foi a devoção que o celebrizou, foi o poder que o tornou temido e respeitado. A estátua que lhe fizeram não foi uma homenagem às ave-marias que rezou, às missas que disse ou à frequência com que sacava do breviário. Foi a paga dos favores que fez, das cumplicidades que teceu, do poder que detinha. Não era homem para andar de hissope em punho a aspergir beatas que arfavam lubricamente à sua volta antes da Revolução de Abril, era um homem de acção. Do futebol à política. Do salazarismo ao MDLP.

O cónego Eduardo Melo pode não ter sido o responsável pelo assassínio do padre Max, cuja morte ficou impune embora se saiba a origem dos explosivos.

Na morte teve a acompanhá-lo o inevitável presidente da Câmara, Mesquita Machado, o Governador Civil e um secretário de Estado, além de gente anónima que aproveitou os autocarros gratuitos para ir a Braga.

O bem-aventurado cónego, que nunca renegou a sedução por Salazar e o aborrecimento pela democracia, foi a enterrar quatro dias antes do 25 de Abril que tanto detestava. Se Deus existisse tê-lo-ia deixado viver até ao 28 de Maio. Era uma data mais grata à sua alma de fascista, uma consolação para quem nunca se adaptou à democracia.