quinta-feira, julho 30, 2009

domingo, julho 12, 2009

Não deixar morrer o Dondo(III)/ Aida Freudenthal/ Novo Jornal / Luanda 10-07-09



III. O património urbanístico
A primeira intervenção urbanística no Dondo operada na 2ª metade do século XVIII, ocorreu num tempo em que a intensidade do tráfico criava problemas sanitários graves na vida de homens livres e escravos. Foi promovido o saneamento urbano através do aterro de pântanos, do abastecimento de água em fontanários e da construção de alguns edifícios públicos. O núcleo embrionário “em quadra” a partir do qual foi implantado o traçado ortogonal, era o modelo característico da era pombalina (Batalha 1951 e 2008). Na rede urbana de planície foram sendo erguidas grandes casas de negócio com quintalões para escravos e mercadorias, tendo grandes armazens e casas comerciais deixado marca na vila. As lojas de um piso e alguns sobrados na rua Capacala traduzem a solidez de algumas famílias antigas do Dondo, cujas campas perpetuam a sua memória no cemitério da vila. A principal originalidade da arquitectura civil do Dondo consiste em construções térreas de grossas paredes de pedra ou de adobe cobertas de telha, cujas fachadas são rasgadas por uma sucessão de portas e janelas em arco onde os umbrais contrastam com as cores das paredes. Acrescente-se que em 1877, além de muitas cubatas não contabilizadas, a vila contava com 14 casas de negócio, 55 casas de pedra e barro e 5 sobrados de dois pisos na Rua Principal (antiga Rua Capacala). Subsidiária do conceito imperial de urbanização, o vasto largo da Quitanda junto ao rio, era o centro de toda a azáfama comercial, local de embarque e desembarque das mercadorias destinadas à exportação através de Luanda [Batalha 1960]. A expansão urbana ocorrida nas décadas de 70 e 80, exigiu ainda a construção de novas estruturas como os Paços do Concelho, o hospital, o mercado e o açougue, foi arborizado o Passeio Público e instalado o coreto para a banda de música. Ampliando os espaços verdes, os largos arruamentos foram sombreados com acácias rubras. A vila passou por uma transformação radical no aspecto sanitário e urbanístico, e foi a primeira em Angola a ver instalada a iluminação pública no último quartel do século XIX. Já no século XX, existia uma escola oficial, uma católica e outra evangélica e em 1957 foi construído o novo hospital que se empenhou no combate à doença do sono que era um terrível flagelo na região. Em termos urbanísticos, a singularidade do Dondo provém da conjunção das velhas casas de cunho tradicional português com portentosas árvores africanas; nas ruas largas, as espessas paredes das construções e as frondosas copas do arvoredo irmanaram-se numa aliança defensiva contra os raios escaldantes do sol. Com efeito “esta visão urbana que será já única em Angola pela sua beleza natural e grandiosidade de proporções, dir-se-ia uma amostra da exuberante floresta tropical dentro da povoação.”(Batalha 2008)
Em pleno século XXI, graças ao empenho actual do Ministério da Cultura e dos municípios mais conscientes dos seus valores patrimoniais, constatamos que têm sido registados actos de defesa do património urbanístico que se encontra em perigo, como acabamos de registar no Dondo onde espaços e edifícios públicos estão a ser recuperados. Esperamos pois a continuação da tarefa iniciada, com o restauro do sobrado com “a mais bela janela de sacada de Angola”, com a recuperação da dignidade do cemitério e a reconstrução do porto fluvial onde existiu um cais de alvenaria que pode servir de passeio para peões e zona de lazer. No nosso entender todo o cidadão tem o dever de apoiar as acções que visam não só preservar um pouco da história do país para as jovens gerações, como recuperar estruturas capazes de defender a dimensão humana dos agregados populacionais, melhorando a qualidade de vida dos seus habitantes e sustentando o desenvolvimento económico e social de cada região. Por tudo isso, importa não deixar morrer o Dondo.

12 de Junho de 2009 Aida Freudenthal

sexta-feira, julho 03, 2009

O Municipio do Dondo/ Aida Freudhental/ Novo Jornal / Luanda 3-07-09




Criado em 1856, procedeu ao ordenamento do aglomerado urbano, dotando-o de novas estruturas. As revoltas recorrentes na Quissama onde se acoitavam escravos fugidos das fazendas, explicam o reforço militar da vila e a construção de um forte, um quartel para duas companhias móveis, duas companhias de empacasseiros, um destacamento de caçadores e um paiol de pólvora entre 1856-68. Para responder ao crescente fluxo de mercadorias, foram abertas estradas em direcção a Pungo-a-Ndongo e Cassanje enquanto o Dondo ficou ligado a Luanda a partir de 1866 pela 1ª carreira regular de barcos a vapor da Companhia de Navegação a Vapor no Cuanza. [Boletim 0ficial de Angola, nº 39 e 52 de 1866]
O rápido crescimento económico da povoação fundamentava a petição apresentada pelos moradores em 1868: “Esta recente povoação... é actualmente uma das mais florescentes, comerciais e numerosas da provincia [cerca de 2000 almas, entre elas muitos europeus]... Estabelecimentos filiais das casas comerciais do Dondo guarnecem as margens do Quanza... comerciantes de outros concelhos vêm fornecer-se nas casas do Dondo... a existência da companhia de navegação a vapor, além de bom número de embarcações de cabotagem ... tornam esta povoação da maior importância e esperançosa de ser em poucos anos uma cidade”. [Petição dos habitantes do Dondo para elevação a vila. 25.5.1868. AHU-Lisboa]
Seria satisfeita esta expectativa dos moradores? No último quartel do século, o Dondo atingiu com efeito o maior volume de negócios com produtos como a cera, a borracha e o álcool, sendo então ponto de passagem obrigatória de funantes e aviados e de exploradores europeus que se dirigiam do litoral à distante Lunda. Contudo o súbito declínio na viragem do século seria o efeito da concorrência do caminho de ferro Luanda-Ambaca que atingiu o Lucala em 1899: a partir desse ano, as antigas rotas comerciais foram abandonadas; as mercadorias dos velhos caminhos do sertão sofreram fortes quebras, em especial a borracha, afectando os ganhos das casas comerciais e ditando o declínio da vila.
Consequentemente, o Dondo perderia parte da sua população no início do século XX, persistindo no entanto um comércio de âmbito regional, em particular de óleo de palma e coconote, reanimado pelo ramal de caminho de ferro que uniu Zenza ao Dondo. Com a ponte sobre o Kwanza, construída no início da década de 1960, o trânsito de mercadorias e passageiros por camionagem voltou a reanimar a vila, tornando-a um importante centro de comunicações entre o norte e o sul de Angola [Granado 1959]. Com a electricidade da barragem de Cambambe, foi iniciado um plano de industrialização na década de 60, que permitiu a instalação de fábricas de prensagem de algodão, de desfibra de sisal, de óleo de palma e serrações de madeira, de uma fábrica de cerveja e uma fábrica de tecidos estampados de algodão destinados ao mercado interno, que mobilizaram muita mão de obra e transformaram matéria-prima produzida internamente.

Alcora: O acordo secreto do colonialismo português com o apartheid


Artigo publicado na edição de Junho da revista África 21
A aliança de Marcelo Caetano com os racistas sul-africanos e rodesianos para impedir as independências de Angola e Moçambique.
No inicio de 1974, Portugal estava à beira de perder o controlo da guerra em Angola e Moçambique e preparava-se para transferir para a África do Sul a capacidade de dirigir e orientar o uso das forças militares para «erradicar o terrorismo da África Austral».

É o que se depreende da análise dos documentos oficiais recentemente descobertos e relativos a uma aliança secreta estabelecida em 1970 entre os Governos de Portugal, África do Sul e Rodésia. Aliança que ficou escondida de todos ou quase todos os que participaram na guerra, mas que projecta uma luz diferente – e assustadora – sobre os acontecimentos que antecederam a Revolução portuguesa de Abril de 1974, as independências de Moçambique e Angola, e sobre os conflitos que dilaceraram estes dois países até à queda do regime racista sul-africano.

Trinta e cinco anos depois do fim da guerra colonial e quando se julgava que tudo tinha sido dito sobre um conflito que marcou as memórias de toda uma geração, e dos filhos e netos dos que nele participaram, eis que a abertura dos arquivos veio revelar dados substanciais e totalmente desconhecidos que vêm iluminar os factos que todos conheciam.

Dois investigadores portugueses, os coronéis Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, já autores de uma história da guerra colonial, publicada há 12 anos, tiveram esta «surpresa» ao meter ombro à tarefa de rever os acontecimentos à luz dos arquivos entretanto abertos (Arquivos Histórico Militar e do Secretariado-Geral da Defesa Nacional).

As opções político-militares da ditadura portuguesa face ao eclodir da luta armada nas suas colónias africanas e as alianças estratégicas estabelecidas por Salazar e Marcelo Caetano foram e estão ainda embrulhadas em tamanho mistério, que têm dado azo às interpretações mais fantasiosas acerca da situação militar em Angola, Guiné e Moçambique em vésperas do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, e a violentos ataques contra os «militares de Abril», acusados de terem entregue Angola e Moçambique aos «comunistas» quando a guerra estava «praticamente ganha».

Artigo publicado na edição de junho da revista África 21

É esta visão heróica do pequeno e pobre Portugal, «orgulhosamente só», que teria mudado a história de África e dos seus povos se não tivesse sido abandonado pelas grandes potências, que cobiçavam as riquezas do continente, e traído por um punhado de jovens oficiais cansados e manipulados, que os documentos agora tornados públicos e aos quais África 21 teve acesso, destrói irremediavelmente.

A realidade, ignorada então e ainda agora pela maioria dos portugueses, é bem diferente. Quando Marcelo Caetano sucede a Oliveira Salazar na chefia do Governo, em 1968, o esforço realizado desde 1961 para mobilizar e enviar para África dezenas de milhares de soldados está a tornar-se demasiado pesado, e os sectores mais lúcidos do regime já tinham compreendido que se não se acabava rapidamente com a guerra, seria o seu fim, e foi esta preocupação que norteou acção do Governo de Lisboa, sob a batuta de Andrade e Silva, ministro do Ultramar, e de Sá Viana Rebelo, ministro da Defesa, de 1968 a 1973.
Segundo Aniceto Afonso, a alegada indecisão de Marcelo Caetano em relação à questão colonial nunca existiu. A opção escolhida foi a militar.

Foi esta procura da vitória «a todo o custo» que levou Portugal a aceitar uma aliança com a África do Sul, única potência capaz de fornecer o apoio suficiente para inclinar a balança das armas a seu favor, e que oferecia ao mesmo tempo um «modelo» de saída política susceptível de conquistar apoios no chamado «mundo livre»: a necessidade de construir um bastião branco na África Austral para impedir o continente de cair na órbita do poder soviético, em plena fase de expansão.

Uma aliança secreta

A aproximação entre Lisboa e Pretória tinha começado antes, com o apoio de Salazar à independência auto-proclamada da Rodésia. Ian Smith, eleito primeiro-ministro em 1964, tinha-se reunido com Salazar em Lisboa antes de tomar a decisão de romper com o Reino Unido, e Portugal e a África do Sul, sem se atreverem a desafiar frontalmente a condenação e o embargo decretado pela ONU, actuaram concertadamente para impedir a asfixia económica do «Estado pária».

A partir de 1968, a força aérea sul-africana prestava apoio logístico e de transporte às tropas portuguesas em Angola (operação Bombaim) e participou em acções de combate no Leste: as operações Luambi e Nova Fase realizadas a partir do Cuito Canavale por comandos portugueses transportados e apoiados por helicópteros sul-africanos.

A transformação deste apoio táctico numa aliança formal começou a ser esboçada a 4 de Março de 1970, quando delegações militares portuguesas e sul-africanas de alto nível se reuniram em Pretória para analisar a situação em Angola e Moçambique.

O tenente-general C. A. Frazier, que chefiava a delegação sul-africana, fez um balanço pormenorizado das operações realizadas pela SAAF (Força Aérea Sul-africana) desde Junho de 1968 e do seu custo. A conclusão era que os escassos resultados de tamanho investimento impunham uma revisão geral das condições de cooperação, e Frazier propôs submeter aos respectivos Governos «um plano de defesa para a África Austral que estabeleça as normas de utilização das tropas disponíveis de forma coordenada e planeada, para fazer face a um inimigo comum». Foi dado a este plano o nome de código de «Exercício Alcora».

Marcelo Caetano e Balthazar Vorster tiveram a oportunidade de conversar sobre o assunto a 5 de Junho, durante a visita a Lisboa do primeiro-ministro sul-africano (em que se tratou também da construção da barragem de Cahora Bassa, adjudicada meses antes ao consórcio Zamco).

Os territórios do Alcora

O acordo de base do Exercício Alcora foi assinado a 14 de Outubro de 1970, pelo coronel Rocha Simões, director da Quinta Divisão da Secretaria Geral da Defesa Nacional de Portugal, e pelo brigadeiro Greyvenstein, chefe do Planeamento Estratégico do Ministério da Defesa da África do Sul. A Rodésia juntar-se-ia formalmente à Aliança na reunião seguinte de alto nível, a 30 de Março de 1971, em que se aprova o esboço do projecto estratégico de defesa militar dos «territórios Alcora», actualmente repartidos entre cinco estados: África do Sul, Angola, Moçambique, Namíbia e Zimbabwe.

As actas das reuniões «reencontradas» pelos investigadores portugueses (sete no total, à razão de duas por ano, alternadamente em Lisboa e Pretoria) dão conta da progressiva intensificação da cooperação entre os três regimes, que ultrapassa, claramente, o âmbito estritamente militar, e do cuidado de Lisboa em manter secreta esta aliança, de forma a preservar a sua «liberdade de acção política» em relação a Pretória e Salisbúria.

As razões desta «prudência» portuguesa são múltiplas. No plano internacional, Portugal não quer indispor a NATO (de que é membro fundador) aliando-se abertamente com dois regimes que os outros membros da Aliança Atlântica votaram ao ostracismo. Internamente, este repentino alinhamento com os regimes racistas de Pretória e Salisbúria poderia suscitar reacções hostis nos meios mais conservadores do regime, ao entrar em contradição flagrante com a doutrina do Estado Novo, de um Portugal uno, do Minho a Timor, pluricontinental e multirracial.

Dezenas de milhares de portugueses que tinham sido enviados para a guerra, para defender este Império universalista, e não racista, não iriam sentir-se ludibriados, reforçando as dúvidas que muitos jovens oficiais começavam a sentir acerca da justeza da causa que defendiam?

A necessidade de não desperdiçar o único auxílio susceptível de lhe garantir a vitória militar falou mais alto e, passo a passo, Portugal foi cedendo às pressões cada vez mais insistentes dos seus «parceiros» da África Austral, preocupados com a deterioração da situação militar, sobretudo em Moçambique, que atribuíam à fraca motivação das tropas «metropolitanas» portuguesas e à incompetência dos seus chefes.

Em Novembro de 1972, em Lisboa, é finalmente definido o conceito estratégico da aliança tripartida, que aponta como ameaças comuns «o comunismo e o nacionalismo africano, em que o segundo é o instrumento escolhido pelo primeiro para alcançar os seus objectivos mais profundos», e como meta «assegurar a inviolabilidade individual dos territórios Alcora pela eliminação da subversão».

Para o efeito deverão «organizar uma força estratégica constituída por meios aéreos de ataque e forças terrestres altamente móveis (...) que sirvam de dissuasor contra todo o ataque externo e que assegure uma intervenção oportuna e eficiente», e levar a cabo uma intensa campanha para «convencer as nações africanas e o mundo livre de que a sua própria sobrevivência está sendo ameaçada na África Austral».

África do Sul toma a liderança

Apesar da insistência de Pretória que vê «os governos africanos superar os seus diferendos e progredir nos seus esforços contra nós», o que faz prever um aumento dos apoios às «organizações terroristas», o acordo entre os ministros da Defesa de Portugal e da África do Sul para a criação de uma «Organização Permanente de Planeamento Alcora» (PAPO em inglês) só será assinado em Outubro de 1973, ainda a tempo de permitir que na sexta reunião de alto nível do Alcora que teve lugar em Salisbúria em Novembro se avançasse no sentido de um Exército comum, com a criação de um Quartel-General, sedeado em Pretória, em instalações próprias, sob o comando do major-general sul-africano Clifton, primeiro director-geral da PAPO.

Este QG devia entrar em funções em Janeiro de 1974, mas a Rodésia e sobretudo Portugal não procederam atempadamente à nomeação dos seus representantes para todos os cargos que lhes eram destinados, o que provocou um ligeiro atraso.

A África do Sul assume claramente a iniciativa e a maior parte dos encargos com a aliança. Prontifica-se para mobilizar «até cem mil homens, brancos» para a constituição de brigadas mistas, altamente móveis, prontas para intervir em qualquer ponto de Angola e Moçambique, não requerendo de Portugal mais do que um contributo diminuto, e o empenho de algumas companhias de comandos e pára-quedistas.

A 8 de Março de 1974, o Ministério português das Finanças assina com a South África Reserve Bank um acordo que outorga a Portugal um empréstimo de 150 milhões de rands (seis milhões de contos portugueses segundo o câmbio da época) para a compra de material de guerra, em prestações mensais de cinco milhões de rands. A primeira fatia foi imediatamente disponibilizada.

A última reunião

A máquina estava lançada e parecia imparável, pelo que já não seria necessário (nem possível) mantê-la oculta. A decisão de a tornar pública chegou a ser agendada para a sétima reunião Alcora, marcada para 24 de Junho de 1974, em Lisboa.

Nunca se saberá qual teria sido a reacção da comunidade internacional, e dos militares portugueses, ao serem colocados perante o facto consumado, porque a 25 de Abril, um punhado de jovens capitães resolveu derrubar a mais velha ditadura da Europa e mudar radicalmente o rumo da história de Portugal e da África Austral.

Alcora, porém, não acabou neste dia e a sétima reunião ainda se realizou, à data prevista, não em Lisboa, mas em Pretória. O general Armstrong, chefe do Estado-Maior da Defesa da RAS chegou mesmo a afirmar que o encontro era «crucial quanto à principal tarefa para Alcora, que consiste na eliminação do terrorismo na África Austral».

A delegação portuguesa, chefiada pelo general Basto Machado, ex-comandante em chefe em Moçambique, respondeu como pôde às perguntas dos parceiros que queriam saber o que iria acontecer em Angola e Moçambique, e se «havia vantagem na continuação de Alcora na sua forma actual».

Disse que o novo Governo de Lisboa não estava de acordo com «alguns partidos» que, em Portugal, estavam a favor da independência imediata das províncias ultramarinas e que o seu «primeiro objectivo era obter um cessar-fogo como pré-requisito para a abertura de negociações» com os movimentos nacionalistas. Contudo, nas actuais circunstâncias considerava conveniente manter o segredo e suspender «quaisquer acções conjuntas», nomeadamente em Moçambique.

Haveria ainda, em Maio de 1975, uma reunião em Lisboa entre representantes militares sul-africanos com o Estado-Maior português, para resolver definitivamente a questão da devolução de grandes quantidades de materiais e equipamentos que tinham sido «emprestados» a Portugal no âmbito do extinto «Exercício Alcora», processo que só ficaria concluído em 1976.

Já sabemos o que aconteceu depois. Obrigado a reconhecer o direito à autodeterminação das colónias portuguesas, Spínola seria pouco depois substituído por Costa Gomes na Presidência de Portugal e iniciou-se o processo negocial que levaria a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola à independência. Alcora foi atirado para as gavetas da História, onde permaneceu até ao presente, sem que nenhum dos seus arquitectos tivesse quebrado o pacto de silêncio, o que não deixa de ser um caso singular, dado o elevado número de pessoas que estiveram envolvidas num processo que durou meia dúzia de anos.

Ainda há muito para investigar sobre os contornos desta aliança, os seus actores e cúmplices, e as suas sequelas. Mas uma coisa é certa: os dados coligidos e tornados públicos por Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes projectam uma nova luz sobre muitos acontecimentos posteriores, tais como a invasão de Angola pelas forças sul-africanas em 1975, o papel da África do Sul nas guerras civis angolana e moçambicana, e as tentativas de desestabilização dos países da «Linha da Frente».

Perdem todo o sentido as acaloradas polémicas sobre a mal fadada «descolonização» portuguesa como causa principal dos conflitos que dilaceraram a África Austral até à queda do regime racista sul-africano, em 1991. Pretória já estava em guerra contra os nacionalistas africanos, em Angola e Moçambique, muito antes do primeiro soldado cubano ter pisado o solo angolano.