sexta-feira, junho 26, 2009

O LIVRO DO LICEU ESTÁ AÍ

Deixar Morrer o Dondo ((I) / Aida Freudenthal/ Novo Jornal/ Luanda



Numa breve visita feita recentemente ao Dondo, senti aquela emoção de rever um amigo ou de saborear de novo uma manga madura... A história da vila impõe-se a cada rua, a cada esquina, a cada árvore frondosa que nos protege do ardor do sol, enquanto o Kwanza nos abre o horizonte para a vizinha Kissama e nos sugere melancólicas viagens em direcção ao sol poente. Apesar das temperaturas sufocantes, o ambiente é mágico e convida a percorrer repetidamente as mesmas ruas e largos onde os homens permanecem na sua luta diária como o fizeram os seus antepassados. À semelhança das gerações anteriores, lutam em condições bem difíceis pelo seu sustento, encaminham os seus filhos à escola e repousam precocemente no cemitério da vila. Apesar de características climáticas hostis - dizem alguns que serão as piores em todo o país - a que se deve a permanência deste aglomerado urbano?
Voltando atrás no tempo, surpreende-nos o rápido crescimento da vila no séc. XIX. À medida que as práticas africanas de permuta a curta e a longa distância iam integrando novas técnicas comerciais, a importância do Dondo aumentou, tornando-o então o maior empório comercial do interior. A sua história esteve intimamente ligada ao facto de ali confluírem várias rotas comerciais desde tempos muito recuados, sendo o Kwanza a via complementar por onde grandes pirogas escoavam os géneros para Luanda. Tinha então o porto e a quitanda a função aglutinadora de gentes e de mercadorias tão diversas como o sal da Quissama, peixe seco, óleo de palma e outros víveres, algodão, artefactos de cobre e ferro, tacula, panos, marfim e cera. Também os escravos eram conduzidos à feira do Dondo, trazidos de regiões cada vez mais distantes no interior do continente e daí prosseguiam o caminho até ao litoral. Com o desenvolvimento do comércio “lícito” a partir dos meados do séc. XIX, continuaram a afluir regularmente à vila as comitivas de Ambaquenses, Bangalas e Songos, transportando produtos vários como o café produzido no Cazengo e no Golungo, durante o primeiro surto cafeícola registado em Angola entre 1845 e 1875. Na Quitanda circulavam ao longo do dia numerosos compradores que buscavam as os produtos vendidos pelas “mulheres de negócio”: peixe seco, fuba de mandioca, feijão, sal, e também panos de algodão, chitas, missangas, rendas e bordados.
Ano após ano, aumentou a população urbana ao mesmo tempo que se foi constituindo um núcleo de famílias relativamente abastadas com parentes e sócios em Luanda com os quais mantinham relações comerciais. É o seu quotidiano que Assis Jr. tão sentidamente descreve em “ O Segredo da Morta”.