quinta-feira, julho 01, 2010

MEU TEMPO ESTÁ-SE ESFUMANDO / Arnaldo Santos



Observatório do Balão



MEU TEMPO ESTÁ-SE ESFUMANDO
Arnaldo Santos

Daqui, não tenho outra forma de encarar o falecimento do Paulo Jorge, senão olhando para mim e para a minha relação estrábica com o tempo.
Os dias correm e é certo que muitas coisas se vão ganhando nessa sua progressão. Nossa Pátria hoje, já não dá tantas dores de cabeça ao nosso Ministro das Relações Exteriores, como deu ao camarada Paulo Jorge quando nessa condição, ele porfiava pelos nossos interesses nos areópagos da diplomacia mundial; ou, como antes disso, se infiltrava pelos fóruns, chancelarias e gabinetes conspirativos terceiro-mundistas.
No porém, com a mesma cadência ou porventura, num ritmo cada vez mais acentuado, o que se vai perdendo no tempo que passa, é mais significativo do que se ganha. É pelo menos o que eu vou sentindo.
Dessa sensação pessoal de perda tem gente que se imuniza, mas à custa de algum depauperamento espiritual. O poder, seja de que natureza for, político ou económico, ajuda muito a encouraçar as sensibilidades. A nossa juventude, dada a sua pouca experiência de vida, ainda se pode dar conta do que representa o desaparecimento dos nossos valores vivos.
Por isso, estou consciente de que o falecimento do Paulo Jorge, é mais meu mambo pessoal do que uma questão nacional. Eu mesmo se tivesse um bocadinho mais decoro ficaria com estas considerações só para mim, conjuntamente com minhas outras maleitas privadas. Mas teimo em retirar do tempo passado o que para mim dá conteúdo real ao presente e ouso pensar que haja quem queira relembrar o Paulo Jorge, nosso caminheiro diplomático. Mas desse papel que o Paulo desempenhou concretamente, eu não vou longe. A sua biografia política é obra para Historiadores.
Estou muito aquém daquilo que no essencial foi a atribulada vida do Paulo Jorge, enquanto combatente da liberdade, desde os anos de 1959 em que lhe conheci, Presidente; mas da Casa dos Estudantes do Império, não se vá fabular em equívocos maquiavélicos.
Nesta minha saudade minhas pretensões são modestas. Infinitamente. Devia limitar-me ao que reputo de essencial. E hesito em denunciá-lo. Vão-me criticar, se calhar com toda a razão, ainda mais nesta hora de tão grande transcendência. Receio demais as reacções das pessoas desafectas às questões simples e vulgares.
No entanto, tenho que ser coerente. A minha confissão é simples e comezinha e sei que pode levar as pessoas sérias a sentirem-se defraudadas. Mas confesso que esta é a minha única verdade. Era através dela que nos últimos tempos me reencontrava regularmente com o Paulo Jorge. – “Continua… estou a ler.” – Este Observatório perdeu o seu mais fiel leitor, ou, melhor, e parafraseando o malogrado Paulo, uma das suas mais fiéis “vitimas.”

Obviamente que as pessoas perceberão que esta é a minha razão aparente. A real, decididamente, é outra. Paulo Jorge, era meu kamba ria mute ibatu. Para quem não gosta de quimbundar, ele era, um aliado para a vida. Observávamos a vida através dos mesmos dirigíveis.

Massamá, 28 de Junho de 2010.