quarta-feira, outubro 05, 2011

sábado, setembro 17, 2011

As impossíveis renúncias de Agostinho Neto e Eliane Potiguara

REDE GRUMIN DE MULHERES INDÍGENAS/BRASIL


As impossíveis renúncias de Agostinho Neto e Eliane Potiguara
(Carta para Eliane)
LEONEL COSME
Escritor e Ensaísta de Portugal


Tenho de começar por dizer que a minha memória não regista, depois da Renúncia Impossível, do maior poeta negro angolano Agostinho Neto, outro livro tão perturbador como é "Metade cara, metade máscara", da escritora e poeta índia brasileira Eliane Potiguara, a cuja apresentação assisti, na cidade do Porto, a 13 de Novembro de 2010, em Portugal. Perturbador, a todos os títulos, mas logo pelas epígrafes escolhidas para introduzir a sua mensagem de autora índia vinda do Brasil, face a uma audiência expectante porque, na generalidade, distanciada, física e culturalmente, de uma mensageira talvez só (mal) imaginada no recôndito das selvas brasileiras, onde, segundo raras notícias veiculadas pela comunicação social, os fazendeiros latifundiários continuam a não deixar os nativos em paz. na terra-mãe que lhes pertence desde a Criação.
Começando por uma significativa advertência recolhida do poema O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa,
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo.
adianta:
No dia que eu conseguir abrir as páginas de minh’alma e contar essas linhas de meu inconsciente coletivo – com alegrias ou dores, com prazeres ou desprazeres, com amores ou ódios, no céu ou na terra – aí sim, aí sim, vou soltar a minha voz num grito estrangulado, sufocado há cinco séculos. Quinhentos anos, de pretenso reconhecimento de nossa cidadania, não pagam o sangue derramado pelas bisavós, avós, mães e filhas indígenas deste país. Este dia certamente chegará, mesmo que eu esteja em outros planos.
Penso: que outra voz igual, vinda de África, ressoando a uma impossível renúncia e à crença numa sagrada esperança, ecoava na minha memória?
Ah!
Faça-se luz no meu espírito
LUZ!
Calem-se as frases loucas
desta renúncia impossível.
Eu-todos nunca me negarei
nunca coincidirei com o nada
não me deitarei nunca debaixo dos comboios.
………………………………………………….
Sou um valor positivo
da Humanidade
e não abdico,
nunca abdicarei!

Seguirei com os homens livres
o meu caminho
para a Liberdade e para a Vida.

A minha memória ia direita à voz de Agostinho Neto, o poeta revolucionário angolano, que depois da Renúncia Impossível escrevera Sagrada Esperança, para transmitir ao seu o povo a força motora

Nós somos
Mussunda amigo
Nós somos!

da mensagem conclusiva:

Do caos para o reinício do mundo
para o começo progressivo da vida
e entrar no concerto harmonioso do universal
digno e livre
povo independente com voz igual
a partir deste amanhecer vital sobre a nossa esperança.

Não é uma voz igual, esta, também épica, a de Eliane Potiguara?

Nós, povos indígenas
Queremos brilhar no cenário da História
Resgatar nossa memória
E ver os frutos de nosso país, sendo dividido
Radicalmente
Entre milhares de aldeados e “desplazados”
Como nós.

Ah, a História, lembrando-nos sempre que começa com o que vem de trás! Faço minhas estas palavras de Graça Graúna, no prefácio:

Em verso ou em contação de histórias, a visão dos povos indígenas em Potiguara é fruto da somatória de saberes ancestrais e dos chamados tempos modernos. Não é à toa que ela questiona a representação da mulher indígena na sociedade não-índia, mostrando que desde a colonização essa mulher foi e continua sendo tratada com requintes de malícia, discriminação, brutalidade, preconceito. Basta um olhar nas cartas que falam do “Descobrimento” das Américas, ou no antidiálogo de jesuístas para aquilatar a imagem da mulher indígena: pecado em carne e espírito, perversão, encarnação do mal.

E em poema, o retrato feito pela própria Eliane é ainda mais trágico:

Que faço com a minha cara de índia?

E meu sangue
E minha consciência
E minha luta
E nossos filhos?

Brasil, o que faço com a minha cara de índia?

Não sou violência
Ou estupro
Eu sou história
Eu sou cunhã
Barriga brasileira
Ventre sagrado
Povo brasileiro

Ventre que gerou
O povo brasileiro
Hoje está só…
A barriga da mãe fecunda
E os cânticos que outrora cantavam
Hoje são gritos de guerra
Contra o massacre imundo.

E regresso a um segundo prefácio, de Daniel Munduruku:

Houve um tempo que pertencer a um povo indígena era quase uma maldição. Falava-se destes povos como atrasados, selvagens, inoportunos para o progresso, sem razões e sem convicções. Havia quem falasse que desapareceriam à mercê do capitalismo selvagem, já que não teriam como resistir ao impacto da “civilização”. Havia, porém, quem ousasse defendê-los, encorajá-los, informá-los sobre o seu real papel dentro da sociedade envolvente. Estes amigos acreditaram na verdade destes povos, acreditaram em sua índole, acreditaram no seu futuro.

Tendo eu vivido quase metade da minha vida, a partir dos dezasseis anos, em Angola, - como o Brasil, país com minorias tidas como “inoportunas para o progresso” – cedo me ocorreram as vozes amigas de escritores e antropólogos, já falecidos, como Henrique Abranches, Alfredo Margarido e Ruy Duarte de Carvalho (estes dois últimos tendo lecionado em Universidades brasileiras), que, sendo portugueses de origem, consagraram a sua vida e obra à defesa dos indígenas angolanos “inoportunos para o progresso” porque resistindo aos “impactos da civilização e do capitalismo selvagem, dentro e fora da sociedade envolvente”.
No mesmo contexto sociológico, não deixarei de juntar àqueles estudiosos das identidades primigénias angolanas o nome de A.F.Nogueira, que em 1880 deu à estampa um livro básico para o estudo da colonização de Angola: A RAÇA NEGRA – Sob o ponto de vista da civilização da África – Usos e costumes de alguns povos gentílicos do interior de Moçâmedes – As colónias portuguesas.
Diga-se que António Francisco Nogueira, de seu nome completo, foi um dos primeiros colonos portugueses, entre duas centenas, saídos em 1849/50 de Pernambuco, fugindo à Revolução Praieira, para o território namibiano, pouco povoado, do sul de Angola, onde viveu um quarto de século. Etnólogo autodidacta, levava do Brasil uma visão realista que o levou a prever, como inevitável, a independência dos povos colonizados. E – surpresa, hoje! – apresentava a independência do Haiti como um paradigma da libertação. No Brasil, ele aprendera o que era visível da escravidão africana, certamente lamentando que os missionários jesuítas só tivessem investido o seu humanismo na preservação das almas índias, conferindo-lhes um direito de cidadania que porém só acabaria por ser exercido, como que silenciosamente, à margem dos colonizadores, no recôndito das florestas. Zumbi e Palmares viriam por acréscimo…
Nogueira não se deixou iludir pelo “acertos naturais” dos Camurus e Paraguaçus, que já não tinham entusiasmado o clássico Gregório de Matos, - apesar de também ter casado com uma mulher de cor e vivido um ano de desterro em Angola, por ser “Boca do Inferno” - como se calcula partindo da primeira quadra de um “multirracial” verso oferecido “Aos principais da Bahia chamados os Caramurus”:

Há cousa como ver um Paiaiá
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de Tatu,
Cujo torpe idioma é cobé pá.

Gilberto Freyre ainda não existia para pregar as virtudes da miscigenação e da multiculturalidade, ele que, no relato da Vida Social no Brasil do Século XIX, já não registara a presença de índios entre os escravos negros amansados ao serviço da Casa-Grande, que vestiam de preto durante meses, em sinal de luto pelos seus ioiôs e iaiás…
Sempre houve muitos “brasis”, antes e depois de Cabral. Como houve muitas outras “américas”, antes e depois de Colombo, e muitas “áfricas”, antes e depois de Diogo Cão. E todas consignando, distintamente, a brancos, negros e pardos, o direito à preservação da identidade primária, uns por meio da posse, outros pela resistência à posse. Também foi, e continua a ser assim, em África, onde o otimismo do académico e então diplomata brasileiro na Nigéria, nos anos 60, Antônio Olinto, podia ainda levá-lo a escrever, em Brasileiros na África:

Nos meus primeiros tempos de África, em Dacar, Freetown, Acrá, Porto Novo (Daomé) e Lagos, os jovens negros de Abidjan, lendo sob os postes, eram o signo de uma verdade nova no mundo, de um modo diferente de fazer democracia e buscar o socialismo, de formas ainda não muito conhecidas de reestruturar as bases da administração pública, no esforço de “africanização” que, em maior ou menor grau, ocorre em qualquer parte do continente negro. Que as Africas são muitas, mas todas caminham para uma unidade.

Era uma época propiciadora de muitas “sagradas esperanças”, em que os negros de todo o mundo, falando a língua do colonizador, chamassem-se Agostinho Neto, Abdias do Nascimento, Frantz Fanon ou Thiongo wa Ngugi, subscreveriam o ditame de Sécou Touré:

Como cada um de nós traz em si uma parte de educação saída do regime colonial, e por isso mesmo um pouco de “complexo” herdado desse regime, devemos impor-nos a nossa própria e completa reabilitação, isto é, que cada um de nós regresse às fontes culturais e morais de África, que se reintegre na sua própria consciência e que se reconverta, em pensamentos e acções, aos valores, às condições e aos interesses de África.

Mas, o tempora! o mores!, a sede e/ou a necessidade de poder, que começaram para assegurar, por razões de sobrevivência, as conquistas das terras ricas de flora e fauna, dividiriam os povos entre conquistadores e conquistados, mostrando, afinal, que conforme a sua força e representação étnica, homo homini lúpus, em vez de homo sum, humani nihil a me alienum puto. Ou entre os kimbundus, kala nguvulu ni utuminu uê, kala nvula ni maloua mê, que o cronista angolano Óscar Ribas traduziu por “cada governador com o seu administrar, cada chuvada com os seus lamaçais”. Hoje, se fosse vivo na sua pátria (morreu triste em Portugal), aquele sábio mestiço, que exaltara a independência da sua terra-mãe, não deixaria de reflectir sobre os caminhos ínvios perspectivados pelo escritor guerrilheiro Pepetela nos seus perturbadores romances Mayombe, de 1980, e A Geração da Utopia, de 1992.
Era, pois, preciso escapar aos “lamaçais” endógenos e exógenos e retomar o “caminho” do regressso à “terra sem males”, no dizer de Eliane falando da “ancestralidade histórica” dos Guaranis, “uma terra que lhes permita viver com dignidade, sem interferências paternalistas, enfim, um paraíso mítico de sua ascendência.” O líder guineense de origem cabo-verdiana, Amílcar Cabral, sendo mais específico, corroborava:

A nossa resistência cultural consiste no seguinte: enquanto liquidamos a cultura colonial e os aspectos negativos da nossa própria cultura no nosso espírito, no nosso meio, temos que criar uma cultura nova, baseada nas nossas tradições também, mas respeitando tudo quanto o mundo tem hoje de conquista para servir o homem.

Por sua vez, Agostinho Neto, nacionalista pragmático, reiterava, quando Angola acabava de conquistar a independência:

Nós somos uma encruzilhada de civilizações, ambientes culturais, e não podemos fugir a isso de maneira nenhuma, mas da mesma maneira que nós pretendemos manter a nossa personalidade política, também é preciso que nós mantenhamos a nossa personalidade cultural.

Tratava-se, simplesmente, de defender as identidades nacionais, preservando a “ancestralidade histórica”. Todavia, como observava em 1986 o então jovem ensaísta angolano Luís Kandjimbo, em Apuros de Vigília,

É forçoso considerar que existindo nos nossos países várias ex-nações, existem concomitantemente vários níveis de desenvolvimento sócio-económico e cultural. Dito de outro modo: existem concomitantemente diversos modos de produção social. A identidade nacional terá a sua verdadeira dimensão quando às solicitações da humanidade, em circunstâncias necessárias, a nação responder através da sua harmónica unidade. É dizer através de um desenvolvimento económico, social, cultural, político, jurídico e ideológico de unidade.
(…) Se as resistências dos povos africanos ao colonialismo, durante todo o processo colonizador para a recuperação de uma personalidade anteriormente existente, são uma premissa para o processo prospectivo de unidade nacional dos povos africanos, a verdade é que só com o surgimento dos movimentos de libertação nacional e nas condições do desenvolvimento histórico mundial a identidade se torna um projecto real e efectivo.

Todavia, os movimentos de libertação, civis ou militares, tiveram de partir para uma construção nacional prefigurada pelos colonialistas, que mapearam num determinado espaço geográfico uma artificial entidade territorial, sem atender à identidade dos autóctones. Na verdade, a maioria dos países reconhecidos como Estados-Nações foram “construções” arbitrárias dos conquistadores que os invadiram.
Há dois séculos, no país chamado Brasil, ainda se contavam duas centenas de etnias falando mais de cem línguas e dialectos.. Povos que, não reconhecendo as fronteiras administrativas mapeadas pelo invasor estrangeiro, se disseminavam por paízes vizinhos. Em Angola, a situação, tomada por cerca de metade da brasileira, era similar: as “nações” identificavam-se pelo espaço territorial em que grupos da mesma língua, tradições e práticas exerciam, pacificanente ou em transe de guerras de ocupação, o “direito” de sobrevivência em acordo com a sua natureza. O suposto resto do Mundo envolvente, a sua cosmogonia, cabia bem na epígrafe pessoana escolhida por Eliane Potiguara: Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo.
Só que a “aldeia” da Poeta e do seu povo originário foi submersa pelos avatares de uma história que, vindo de trás, era fatalmente dialéctica, restando numa “sagrada esperança” de salvação da alma:

Ah! Já não tenho a minha aldeia/ Minha aldeia é meu Coração ardente! É a casa dos meus antepassados! E do topo dela eu vejo o mundo! Com o olhar mais solidário que nunca! Onde eu possa jorrar! Milhares de luzes! Que brotarão mentes! Despossuídas de racismo e preconceito.

Lembro-me de que nesses avatares também mingua o espaço para as utopias. Que pensar se um poeta angolano, de raiz bochímane (de que resta, hoje, um povo que se conta por escassos milhares nos territórios semidesérticos de Angola e do Sudoeste namibiano) exclamasse num grito de desesperança:

Os nossos irmãos-vizinhos bantus pensam-nos como não-gente! Porque temos diferenças anatómicas na cor da pele e no tamanho! Porque falamos numa língua de cliques, vivemos de caça, pastorícia e raízes e enganamos a fome e restauramos energias comendo um certo cacto do deserto (hudya)!

Defrontando as inclemências ou indiferenças dos vizinhos-homens e as perturbações climáticas por estes também provocadas, em razão de outro “direito” de sobrevivência, dir-se-á que a dialética se consome na salvação da alma. Di-lo a ameríndia Eliane Potiguara e o português-angolano Ruy Duarte de Carvalho, estudioso do ethos do povo herero, - que subsiste, ainda autonomamente, no sul de Angola - ao qual consagrou a sua vasta obra de escritor-antropólogo, até ser sepultado, depois de correr o mundo, conforme a sua vontade, no deserto de Moçâmedes:.

Ainda quererás saber qual é a minha posição no meio de tudo isto? Campanhas, de qualquer forma, não. Estou pronto a esclarecer no que puder mas não me peçam nem que ajude a domesticá-los nem que pugne pela causa da preservação dos seus modelos e sistemas, que de qualquer maneira não seria a deles.(…) Estou a investir-me numa teoria pessoal dos horizontes onde cabe tudo. (…) Não é só a salvação dos Kuvale que está em causa, é a minha também…

Viajante por natureza assumida (Carvalho saíra de Portugal, para Moçâmedes, com treze anos de idade), entre os hereros aprendeu vivendo o pleno sentido da máxima de Terêncio: “Sou homem e nada do que é humano considero estranho a mim.”
Aqui me dei, aqui me fiz
Desfiz, refiz amores.
Aqui me embebedei e vomitei o espanto.

Daqui abalo hoje, parido para o nada
apalpo a água
afago um bicho
ordeno qualquer coisa
e vou.

Sempre indo, ele faria coro, certamente, com o grande poeta espanhol António Machado - “Caminante, no hay camino,/se hace camino al andar”- e o poeta colombiano Manuel Vejia Vallejo: “Si camino siempre hacia adelante/Un dia llegaré/Al punto de partida./Asi he sabido que todo/camino del hombre/ es camino de regresso.”
Esta será porventura a mensagem do livro de Eliane, a caminhante.

LEONEL COSME
Escritor - Ensaísta Português





BIBLIOGRAFIA BÁSICA

CARVALHO, Ruy Duarte de - Vou lá visitar pastores, Edições Cotovia Lda., Lisboa, 1999.
COSME, Leonel - Agostinho Neto e o seu tempo, Campo das Letras Editores, Porto, 2004. Muitas são as Africas, Edições Novo Imbondeiro, Lisboa, 2006.
KANDJIMBO, Luís – Apuros de Vigília, União dos Escritores Angolanos, Luanda, 1988.
NETO, Agostinho – Sagrada Esperança, Sá da Costa, Lisboa, 1974.
A Renúncia Impossível, INALD, Luanda, 1982.
NOGUEIRA, A.F. – A Raça Negra, Lisboa, 1880.
OLINTO, Antônio – Brasileiros na África, 2ªed.., GRD, São Paulo, 1980.
POTIGUARA, Eliane – Metade cara, metade máscara, Global Editora, São Paulo, 2004.





ELIANE POTIGUARA
Tel: 55-21-9335-5551

Embaixadora da Paz
Poetas del Mundo
Fellow da Ashoka
Observatório da Mulher Indígena
INBRAPI/Inst.Indíg.Bras.Propriedade Intelectual
Comitê Intertribal
Membro Fundadora del Enlace Continental de Mujeres Indígenas
Associação Mulheres pela Paz
Rebra ( Rede de Escritoras Brasileiras)
Moína Produções Artísticas
http://elianepotiguara.blogspot.com
www.grumin.org.br (institucional)
http://www.elianepotiguara.org.br (site oficial da escritora)
http://groups.yahoo.com/group/literaturaindigena

domingo, junho 26, 2011

Lançamento do livro de Fragata de Morais




Lançamento
Dia 30 em Lisboa, no Parque das Nações, sob os auspícios da Casa de Angola em Lisboa, acto celebrativo dos seus 40 anos de criação.
Antologia da prosa angolana - O Fantástico na Prosa Angolana
*Autor: Fragata de Morais
*Prefácio:António Fonseca
*Colecção: Mayamba Antologia
*Formato: 15,5 x 23,0 cm*
*Número de páginas: 382
*ISBN 978-989-8370-02-0*
*Preço: Kz 3.500,00* Euros: 27,00


Sobre o livro, na óptica do prefaciador, Dr. António Fonseca, escritor e ensaísta, director do Instituto Nacional das Indústrias Culturais do Ministério da Cultura:

... desde o alvor da Independência Nacional e mesmo no período imediatamente anterior, assistimos a um grande movimento em torno da ideia de recuperação e valorização do imaginário ou dos imaginários angolanos através da literatura. Muitos títulos foram publicados com esta perspectiva, porém, até à saída da presente obra, não se tinha uma ideia de conjunto sobre o que efectivamente havia acontecido no domínio do fantástico na Literatura Angolana, isto desde Cordeiro da Matta aos nossos dias. Com efeito, até à edição desta Antologia, a questão do fantástico que, no nosso ver, não se limita apenas às práticas mágicas, mas estende-se também à aparição de factos inexplicados e teoricamente inexplicáveis não foi tratado, quer de forma sincrónica, quer de forma diacrónica.
António Fonseca
in Prefácio
... me preocupei mais com os aspectos do estranho, do maravilhoso, talvez mesmo até do insólito, na recolha que levei a cabo, deixando o fantástico maioritariamente para a literatura tradicional e para a literartura infantil, narrativas em que o narrador ou o escritor mais se preocupa com a mensagem, com a valorização moral e com um fim que transmita uma postura considerada de funcional na sociedade
O autor

Sobre o autor:
Fragata de Morais nasceu no Uíge a 16 de Novembro de 1941. Fez estudos de teatro na Universidade Internacional de Teatro em Paris, e cinema na Academia Holandesa de Cinema em Amsterdão.

Para além de colunista de vários jornais e revistas, tem várias obras publicadas por diversas editoras nacionais e estrangeiras, entre elas Jindunguices, premiada com o Prémio Sagrada Esperança e Inkuna Minha Terra, Menção Honrosa do Prémio Sonangol de Literatura. Ex-Presidente da Comissão Directiva da União dos Escritores Angolanos, e ex-Vice-Ministro da Educação e Cultura, este Embaixador de carreira dedica-se actualmente à política.

ÍNDICE
[Autores e textos antologiados por ordem alfabética]

Prefácio 11
O IMAGINÁRIO NO TEXTO ANGOLANO 13
ALFREDO TRO NY
NGA MUTURI 15
ANTÓNIO DE ASSIS JÚNIOR
UMA SOMBRA 25
ANTÓNIO JACINTO
VÔVÔ BARTOLOMEU 41
ANTÓNIO SETAS
OS FILHOS DE PAPÁ DYA KOTA 45
O Kakulu 50
ARNALDO SANTOS
OS CALUNDUS DA JOANA 53
A LIBERTAÇÃO DOS HOMENS–JINZÉU 55
BOAVENTURA CARDOSO
A ÁRVORE QUE TINHA BATUCADA 59
CHIKAKATA MBALUNDU
CIPEMBUWA 65
COSTA ANDRADE
A PRO FECIA 71
DYA KASEMBE
TUMUKA 81
FILIPE CORREIA DE SÁ
ESTAMOS JUNTOS NO REINO ANTIGO 85
MBOA, LELA E PENSAL NO SONHO DO REI 87
ESTAMOS JUNTOS COM OS TRÊS ARAUTOS 91
O CAOS NOS QUIMBOS 92
FRAGATA DE MORAIS
O FILHO 97
DESALMAR 100
HENRIQUE ABRANCHES
A KAPUNDA GRANDE 103
O MENSAGEIRO DA TRAGÉDIA 107
MERLIM DAS FALÉSIAS 113
ISAQUIEL CORI
O ÚLTIMO FEITICEIRO 123
JACINTO LEMOS
A DÍVIDA DA PEIXEIRA 127
8
JACQUES ARLINDO DOS SANTOS
KASAKAS & CARDEAIS 139
JOÃO MELO
O PATO REVOLUCIONÁRIO E O PATO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO 147
O FATO AZUL ESCURO 151
JOÃO TALA
GEORGINA 155
MARQUITA TEM UM RO MANCE 159
JOFRE ROC HA
DE COMO NGA PALASSA DIÁ MBAXI, KITANDEIRA
DO XÁ-MAVU E DEVOTA CONHECIDA DESDE
SANTA’ANA ATÉ À SENHORA DA MUXIMA, RENEGOU
TODOS SEUS SANTOS E ORAÇÕES 163
JOSÉ MENA ABRANTES
CAMINHOS DESENCANTADOS 169
O PIÃO 170
O PREDADOR 172
KUNDUMA
A CALAMIDADE 175
LUANDINO VIEIRA
À ESPERA DO LUAR 183
O NASCER DO SOL 187
LUÍS FERNANDO
A SAÚDE DO MORTO 193
LUÍS KANDJIMBO
O ARTESÃO DE FOGAREIRO S 199
O AUDIDACTA QUE SONHAVA 202
LUÍS RO SA LOPES
MU UKULU, KI TUEXILÉ88 KU MAYOMBOLA89 205
MANUEL RUI
ALICE NO PAÍS DELA! 215
O TELEFONE CELULAR 217
NDÁ LUSSOLO
PRECIPITAÇÃO ESTRELAR 223
ONDJAKI
A LIBÉLULA
[palavras para o Dr. Carvalho] 237
O AUTOCLISMO DA TIA FATUCHA 241
AMARELA 244
Oscar Bento Ribas
FESTA DE NÚCPCIAS 249
A QUIANDA 252
RO DERICK NEHONE
O ANO DO CÃO 261
SÍLVIO PEIXOTO
A RIVAL 271
O ABRAÇO DA GUILHOTINA 273
TIMÓTEO ULIKA
KANDUNDU 279
UANHENGA XITU
O PARTO 285
A BOLA COM FEITIÇO 292
RECOLHA TRADICIONAL 303
ANTÓNIO FONSECA
O CABELO E A FOME 305
A SEIXA E O LEOPARDO 307
MONI A MAMBU 309
NE MPETELO MPTELO E SUAS MULHERES 311
ÓSCAR RIBAS
O LOBO E O CÃO 315
A BANZA DAS FÊMEAS 316
MBANGU A MUSUNGU 318
RAÚL DAVID
O CANDIMBA E O ELEFANTE 325
RO SÁRIO MARCE LINO
A ONÇA, O VEADO E O MACACO 327
A SANGRIA 329
JOSÉ SAMUÍLA CACUEJI
O HOMEM DO FUSO E ROC A 333
SECRETARIADO PASTORAL DA DIOCESE DE MENONGUE 339
O CUCO DO MEL E A ABELHA 341
AS GALINHAS E OS GATOS BRAVOS 342
LITERATURA JUVENIL 345
DARIO DE MELO
QUITUBO A TERRA DO ARCO –ÍRIS 347
FRAGATA DE MORAIS
O CACIMBO 353
PEPETELA
A MONTANHA 359
OS LUPIS 359
A ÁGUA LILÁS 360
AS DESCOBERTAS CIENTÍFICAS 361
DISPUTA E ACORDO 363
10
LITERATURA INFANTIL 367
MARIA CELESTINA FERNANDES
KALIMBA 369
MARIA EUGÉNIA NETO
E NAS FLORESTAS OS BICHOS FALARAM... 373
GABRIELA ANTUNES
KIBALA, O REI LEÃO 377
OCTAVIANO CORREIA
O REI QUE NÃO TINHA REINO 379
CREMILDA DE LIMA
TAMBARINO DOURADO 381

sexta-feira, junho 03, 2011

Conversão.


Conversão


Quando descobri, no adro da igreja, que o marxismo

era superior ao existencialismo, e que a dialéctica

do marx valia duas vezes o ser do sartre, já

nada podia convencer-me do contrário.A razão

que nós pensamos que temos torna-se o motor do mundo;

e quando aquilo que a faz mover é a gasolina hegeliana,

o movimento dos pistões da tese e da antítese, e

o poderoso acelerador da síntese, então

o sol da terra não passa de uma lâmpada de sessenta voltes,

uma simples faúlha de isqueiro a apagar-se,

a mais pálida chama de vela numa corrente de ar

no canto da igreja.É verdade: entretanto, eu tinha entrado

pela porta lateral, a que dava para o altar onde

ardiam as almas do purgatório, e ajoelhara-me

no confessionário.O marxismo não tinha feito, ainda, com

que me libertasse dessa velha supersticiosa

-a dama religião- mas nessa altura uma das coisas que não

se podia dizer nem ao padre era a crença

no comunismo.Com efeito,

o sonho de revoluções e utopias era o mais inconfessável

dos pecado: a última blasfémia.Mas

eu tinha-o descoberto no adro da igreja, lendo

«A guerra civil de Espanha» do hugh thomas: só muito

mais tarde vim a descobrir que os ingleses optam

esses ideais só para serem excêntricos, ou para matar o pai

(vide o Freud), ou para traírem a própria classe, como

esses dandys que caíram nas fileira republicanas.Assim, o

meu marxismo era uma ideologia aristocrática: algo de

ateniense, numa sociedade em que a vanguarda gozava

todos os previlégios só por pensar melhor

do que os outros.Pode ter sido um equívoco; mas

no adro da igreja eu estava bem acompanhado.Por baixo

da terra que eu pisava, em túmulos anónimos, senhores e

camponeses partilhavam o sono escatológico; mulheres

mortas de parto, vítimas de antigas pestes, padres

missionários nos confins do mundo, juntavam os ossos

na mais exacta das igualdades.Ali, o ser e o nada

lutavam entre si; e o resultado era a superação

dialéctica dos contrários, o princípio fundamental

da filosofia, a luz da matéria

contra a treva do espírito



Nuno Júdice



Ao acabar de ler este poema lembrei-me que o grande poeta basco Gabriel Celaya devia estar a antecipar o Júdice quando poetou “ A poesia é uma arma carregada de Futuro”

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Egito-política / Zenati Hassen / Novo Jornal / Luanda / 18-2-2011


Faraó caiu, mas não o regime.


Há apenas alguns meses nas ruas apinhadas do Cairo, os jovens egípcios frustrado pela inércia do regime de Hosni Mubarak, repetiam com desgosto: "nossos líderes são todos muito velhos, e por isso apegaram-se aos lugares. Nós somos uma geração perdida ".

Poucos meses depois, o cyber-ativista, Wael Ghoneim, super-herói relutante da Revolução no Nilo ", pode anunciar em seu blog:" Oito jovens estão sentados com os generais do Conselho Supremo das Forças Armadas para trocar livremente opiniões ". Entre essas duas sequências de uma história turbulenta, o poder passou do bunker da Presidência para Tahrir Square (Praça da Libertação no coração do Cairo), que em poucos dias se tornou o epicentro de um terramoto político cuja réplicas ainda estão por vir.

A faísca que ateou fogo à Tunísia, após a imolação de uma jovem licenciado desempregado em Sidi Bouzid, espalhou-se nas margens do Nilo.

No poder desde 1981, o antigo "Raïs", de 82 anos, que, não conseguindo impor o seu filho Gamal como um delfim numa aproximação dinástica que certamente as forças armadas não consentiriam, queria voltar a alistar-se para mais um mandato de seis anos.

Acabou saindo fora para um destino desconhecido - provavelmente a sua residência pessoal em Sharm el-Sheikh, no Mar Vermelho. Abandonado pelos militares rendeu-se após 18 dias de luta contra a multidão feliz, desigual e determinada, permanentemente instalada em Tahrir Square, que tinha jurado destruir.

A última batalha na sua retaguarda, travou-a contra sua própria família, quando finalmente abandonado pelos seus seguidores e a guarda presidencial, a força pretoriana, que já não cumpria as suas ordens preferindo aderir ao consenso das forças armadas contra ele.

O seu filho mais velho Alaa Mubarak, que fez fortuna à sombra de seu pai queria que à viva força assegurar a retaguarda do "clã". O mais novo, Gamal Mubarak, um banqueiro ambicioso de 42 anos, o protótipo do neo-liberalismo da City, onde estudou e estagiou é desprovido de qualquer sentido político, pediu-lhe para “aguentar” independentemente de qualquer risco de banho de sangue.

As forças armadas prometeram o apaziguamento para não atirar contra os manifestantes, pelo que restava ao"Raïs" tirar as ilações e deixar o poder.

Dos três presidentes que sucederam à frente do Egito, desde a eliminação da monarquia pelos “Oficiais Livres” em 1952, só Gamal Abdel Nasser morreu no seu leito sem completar o mandato. Anwar el-Sadat foi assassinado durante uma parada militar em Outubro de 1981. Hosni Mubarak acaba de ser deposto por uma revolta popular, como o Egito não conheceu igual nos últimos sessenta anos.

As Forças Armadas, que assumiram o poder das mãos de Hosni Mubarak, estão sob pressão extrema, tanto interna como externamente.

O exército, que assumiu o poder das mãos de Hosni Mubarak, está sob pressão extrema, tanto dentro como fora. Sua cabeça - se há um homem forte Marechal Mohammed Hussein Tantawi, 74 anos, o ministro da Defesa e presidente oficial superior da AFSC, trabalha principalmente para tranquilizar , para acalmar a impaciência da juventude local de Tahrir e ganhar tempo.

Dizem que ele mesmo está pronto para quando a calma for restabelecida, beneficiar o Chefe do Estado Maior, general Sami Anan, 12 anos mais jovem, com formação nas academias dos EUA, e que tem sido o ouvido dos americanos.

Washington, que há muito tempo hesitava em deixar cair Mubarak, quer uma "transição suave" para o governo civil, que não ponha em causa os "fundamentos" da sua estratégia na região para conter os islamistas - mesmo envolvê-los no poder como uma minoria bem supervisionado numa ampla coligação de democratas e leigos e respeitar o tratado de paz com Israel, assinado em 1979 por el-Sadat Anaouar.

A Casa Branca tem argumentos para fazer para atingir os seus objectivos: a aliança estratégica com Israel, o apoio de seus aliados na região, incluindo a Arábia Saudita, e ajuda militar de US $ 1,3 bilhões que fornece anualmente ao Egito. O maná servido por 30 anos, permitiu aos oficiais melhorar os seus ordenados e colher inúmeros benefícios: a escola gratuita, preços dos alimentos a preços condicionados, habitação prioritária, empréstimos ao consumidor com taxas reduzidas, etc. . Eles não estão disponíveis a abandoná-lo. Aposentando oficiais superiores - cuja idade média é de 42 anos – normalmente encaixando-os em lugares de topo em empresas públicas e privadas, nacionais e estrangeiros. Eles são os olhos do exército na economia.

O AFSC prometeu agir rapidamente para instalar um novo governo de transição, composto em princípio por todas as forças políticas nacionais para reformar a Constituição e organizar eleições presidenciais e parlamentares. Uma comissão constitucional, chefiado por um juiz conhecido por sua integridade, Tarek al-Bishr irá em breve definir as tarefas imediatas. Ele provavelmente irá propor o cancelamento de um conjunto de artigos inibidores da Lei Básica, que são a base do poder pessoal: a restrição candidatos presidenciais, a limitação a dois mandatos presidenciais, a revogação do estado de emergência, fiscalização das eleições pelo Tribunal Constitucional, etc. Com estas disposições poder exorbitante tinha garantido uma “câmara escura” durante as últimas eleições legislativas preparava-se para plebiscitar pela enésima vez Mubarak, ou o seu filho. Antes da tempestade da mudança era indiferente um ou outro.



EGITO (CAIXA)

A Irmandade Muçulmana: um espantalho inverosímil



Quando nas primeiras convulsões do regime egípcio, os países ocidentais e, especialmente Israel gritaram “Demolir já”. Um ministro israelita, resumiu o estado de sentimento geral: "Eu prefiro um ditador ao poder do que um irmão muçulmano nas margens do Nilo". Com 30 anos no poder, Mubarak tem actuado como um "companheiro leal" para Israel, ignorando as frustrações dos egípcios, que continuam a ver o acordo de paz de 1979, um "tratado desigual" minando a sua soberania.

A chegada de uma mudança de regime democrático, no Cairo, o tratado não será certamente revogado, mas os egípcios irão elevar o nível de suas exigências para o respeitar.

Então o que acontece com a Irmandade Muçulmana? Eles marcaram um ponto fazendo um reconhecimento de facto e logo uma jura. Pela primeira vez, este movimento tolerado terá um partido político legal. Seus líderes são muito experientes para perder essa conquista por entrar numa aventura que sabem perder. Liderados por novas forças democráticas, acompanhada de perto pelo exército, eles vão tomar o seu lugar, mas não mais do que um lugar na construção da paisagem política nova.

Zenati Hassen