Um local de alguma cultura, mas também alguma estupidificação, como é revelador ter chegado aos quase 50 anos sem ler o D.Quixote do Cervantes, o próprio, depois de ter perdido tanto tempo a ler tanta treta...Já agora, fale-se aqui muito de Angola...E do resto,desde que não pessoalizem quem não é figura publica como é o meu caso e o meu ocaso!
domingo, maio 04, 2008
Os bravos do pelotão ? (www.portugalclub.org )
General Silva Cardoso e Coronel Amaro Bernardo
P: Com a admiração que tinha pelo Almirante Rosa Coutinho, apenas terá ficado esclarecido sobre as suas intenções, lá para Outubro ou Novembro de 1974, depois da sua actuação em benefício do MPLA...
R: De facto, quando ocorreram certos factos, como as prisões de vários oficiais e a ordem para se atacar a sede da FNLA e que o Altino Magalhães não cumpriu, após ouvir a opinião do Coronel Correia Dinis, dos Comandos, foi, com uma certa desilusão, que comecei a ver, no Rosa Coutinho, um homem diferente, reconhecendo a razão dos que tanto o atacavam.
No caso do ataque à sede da FNLA, em Luanda, ele sabia que eu estava em Kinshasa, com o Mobutu e o Holden Roberto. Tinha viajado num avião da FAP e eles disseram, para não reter o aparelho, que se encarregariam, depois, do meu regresso a Luanda. Ingenuamente, concordei, ficando nas suas mãos. Nessa mesma noite, a delegação da FNLA, em Luanda, fez um comunicado, em que desfaziam o Rosa Coutinho e a administração portuguesa, pelas suas intenções de entregar Angola ao MPLA. A reacção do almirante foi de querer rechaçar a FNLA em Luanda, ocupando, pela força, a sua delegação. Ignorou que eu estava em poder da FNLA e estes retiveram-me em Kinshasa, até saberem o que iria suceder na capital angolana. Só quando o Altino Magalhães, depois de falar com o Coronel Dinis, se negou a executar a ordem, é que ele recuou. Foi, nessa altura, que o General Altino deu aquela resposta: Não cumpro a ordem e agora o problema é do senhor! Então, conferenciou com o seu Estado Maior pessoal e retirou a ordem. Se esta tem sido cumprida, não sei se estaria aqui, hoje, para contar este episódio, em que o amor-próprio se pode sobrepor, talvez, à vida de um camarada.
P: Um aspecto que Pezarat Correia refere no seu livro A Descolonização de Angola foi o sucedido com o Coronel Alcino Roque. Este era um militar com prestígio em Angola e aquele oficial refere que o Brigadeiro Silva Cardoso se lhe dirigiu, dizendo, com triunfalismo, que já tinha substituído o Roque no gabinete do MFA. Isto é verdade?
R: É completamente falso. O Roque saiu por sua iniciativa e por livre vontade. Sou seu amigo pessoal e tenho por ele uma grande admiração. Conversámos longamente sobre o assunto e compreendi a sua decisão. Afinal, durante catorze anos dera o seu melhor a uma causa em que acreditava, como tantos outros e, de repente, sentiu-se como que traído, não podendo continuar a destruir o seu sonho. Saiu porque quis e não por qualquer pressão que eu tenha exercido.
A Revolta de Cabinda
P: Pode descrever o sucedido no Sector de Cabinda, na altura comandado pelo então Brigadeiro Themudo Barata ?
R: Isso foi tudo muito complexo. O que ocorreu poderá inserir-se numa tentativa de reabilitar as FAPLA, as forças militares do MPLA. Como já referi, este tinha sido militarmente derrotado. Eu estava muito bem informado, pois tinha saído de Angola, em Setembro de 1973 e, como o responsável pelas informações da Zona Militar Leste(2), tinha referido, nessa altura e naquela área, apenas existiam umas escassas duas dezenas de guerrilheiros armados, dispersos por aquela imensidão, sem comando e em retirada(3).
Na 1.ª Região Político-Militar, perto de Luanda, que foi sempre o Quartel General do MPLA, na noite de 25 de Abril, estava, no Quijoão, uma pequena equipa das nossas Forças Armadas, que se tinha deslocado numa simples viatura ligeira e pernoitava numa das fazendas abandonadas existentes na área. A razão da sua deslocação era proceder à auscultação das populações locais sobre as suas carências mais urgentes, a fim de serem convenientemente apoiadas. Isto só era possível, porque não existia, na zona, o mais pequeno sinal de resistência do MPLA.
Além disso, apenas havia um pequeno grupo armado, no Congo Brazaville, junto à fronteira de Cabinda, e que constituía, na prática, todo o potencial militar do MPLA, aquando do 25 de Abril.
Segundo o acordo de cessar-fogo, as forças do MPLA, como as dos outros movimentos, deviam ficar no local onde se encontravam na altura, até ao dia da independência. Então, o MPLA, que tinha sido totalmente batido no terreno, necessitava de ser reabilitado...
P: Plano esse fomentado por Rosa Coutinho e Pezarat Correia...
R: Sim. E executado em estreita colaboração com os responsáveis do MPLA. Como é sabido, as populações africanas, levadas por um forte sentido de defesa, aderem à força, como forma de protecção. Foi assim que elas vieram até nós. Conquistámos o povo de Angola, porque eles aderiram à nossa força. A tentativa ou a necessidade de reabilitar as FAPLA, inseria-se neste estado de espírito ou simples sobrevivência das populações.
Então, houve uma tentativa do sr. Ndozi, comandante daquele grupo armado do MPLA, no Congo, de se instalar na cidade de Cabinda. Aliás, já tinha tentado, por várias vezes, junto do Brigadeiro Themudo Barata, que fosse autorizado a instalar a sua força, em Cabinda.
P: Mas havia algum acordo anterior ?
R: Havia o acordo do cessar-fogo, que fora feito, (4) tendo ficado estipulado, como, aliás, com todos os outros movimentos, de que as forças militares ficariam onde se encontravam, à data da assinatura do acordo e até à independência, como referi. Diga-se a verdade, que ninguém cumpriu.
P: O que aconteceu depois?
R: Quando aquele chefe do MPLA pressionou o Brigadeiro Themudo Barata, este pôs o problema ao Rosa Coutinho, tendo o Presidente da Junta Governativa sugerido para ele dar um jeito. Então, o Comandante do Sector de Cabinda disse que só acediria ao pedido do Ndozi, com uma ordem, por escrito, do Comandante-Chefe, que não teve lugar.
Aquele indivíduo desapareceu de Cabinda, constando-se que seguira secretamente para Luanda, onde permaneceu quatro ou cinco dias, durante os quais, com a conivência do Rosa Coutinho e elementos da Coordenadora do MFA, cozinharam o plano para conseguirem o fim em vista.
O Ndozi voltou para Cabinda e, no dia seguinte, ocorreu aquela invasão da cidade, com a colaboração de alguns elementos das nossas tropas.(5) Lembro-me de um Capitão Faria, que liderou o pessoal militar português. Este oficial, conjuntamente com pessoal do MPLA, prendeu todos os oficiais do Comando do Sector, cerca de catorze, incluindo o Comandante, Brigadeiro Themudo Barata. Também fazia parte, desse Comando, o Hermínio Martinho, entidade bem conhecida nos meios políticos.
A Junta teve conhecimento desta situação porque, entretanto, foram cortadas todas as comunicações com Cabinda, restando, apenas, as do Comando Naval com a Capitania do porto local. O Almirante Rosa Coutinho deslocou-se pessoalmente a esse Comando, de Luanda, para contactar com os revoltosos e, no regresso, informou a Junta da situação e que eles apenas aceitavam dialogar com o Presidente da República.
Não compreendi aquela posição, demasiado ultrajante para as nossas forças e, muito menos, a aparente aceitação por alguns membros da Junta, em especial, o seu Presidente. Nós, que detínhamos o poder em Angola, ficarmos de braços cruzados perante esta abominável afronta às Forças Armadas Portuguesas, era absolutamente impensável e insustentável.
Depois de ouvir toda a discussão gerada em torno do problema, sem que se tivesse chegado a qualquer conclusão ou linha de acção para resolver a inqualificável situação, informei da minha disponibilidade para me deslocar, de imediato, a Cabinda e acabar com aquela vergonha. Olharam-me com espanto e disseram mesmo que eu era louco. Louco ou não, estava determinado e apenas pedi que não dissessem nada para lá, sobre a minha deslocação, a fim de ter a pista desimpedida e poder aterrar em segurança.
P: Foi sozinho ?
R: Não tinha qualquer intenção de levar fosse quem fosse, para além dos restantes tripulantes do avião. Porém, à última hora, decidiram que dois elementos da Coordenadora do MFA, o Major Pezarat Correia e o 1.º Tenente Soares Rodrigues, me acompanhariam. Não pus objecções e, cerca de duas a três horas depois, aterrámos em Cabinda.
Pedi ao alferes da Força Aérea, responsável pelo aerodrómo, que me arranjasse um jeep com condutor, para me levar para a cidade, tendo ele retorquido que era impossível, visto a estrada estar com inúmeras barragens, feitas por guerrilheiros do MPLA. Não dei importância às indicações deste militar e decidi viajar desarmado, acompanhado pelos outros dois oficiais, que não tiveram a mínima interferência. Passado algum tempo, uma patrulha, com elementos do MPLA armados até aos dentes, mandou-nos parar e disseram algo que não percebi. Retorqui, em tom enérgico, que era oficial da Força Aérea e membro da Junta Governativa e me dirigia para a cidade. Não houve qualquer reacção e a estrada foi desobstruída, o mesmo acontecendo uns quilómetros, mais à frente. Sem outros incidentes de relevo, acabámos por chegar junto do edifício, em cujo 1.º andar, funcionava o Comando do Sector.
O panorama era desolador: soldados portugueses sentados por toda a parte, ou vagueando com ar apático pelo largo, pareciam estar à margem de tudo quanto ali ocorria, enquanto guerrilheiros do MPLA, bem armados, se dispunham em frente do edifício e ao longo da escadaria, que conduzia ao primeiro andar. Sem hesitações, subi as escadas, não tendo havido a mínima obstrução. No topo destas, apareceu o Capitão Faria, a quem perguntei: Onde está o vosso Comandante, Brigadeiro Themudo Barata? Resposta dele: Está ali numa sala, guardado por homens do MPLA armados. Tive uma breve conversa com este oficial e dei ordens para todos os militares do MPLA, dentro e fora do edifício, desaparecessem imediatamente. A ordem foi cumprida de imediato e eu entrei na pequena sala onde se amontoavam os nossos camaradas que, naturalmente, saíram em total liberdade.
Depois, decorreram uma série de reuniões, tendo-se chegado à conclusão de que não havia condições para estes oficiais continuarem a exercer funções de comando, em Cabinda. Assim, tinha o seu epílogo o estratagema idealizado para possibilitar a reabilitação das FAPLA, que não mais saíram da cidade, porque o novo comandante de Sector, Coronel Cardoso Fontão, colaborou com o Presidente da Junta e seus correlegionários.
P: Nessa altura não houve uma actuação do Capitão Teixeira Gil, dos Comandos, com uma companhia ?
R: Não houve qualquer intervenção de Comandos, em Cabinda. Ainda nessa noite, partimos para Luanda com o apoio de um avião Nord Atlas, porquanto não era possível trazê-los todos, no PV-2, que eu tinha utilizado.
P: O novo comandante de Sector era, também, do MFA local.
R: Não me recordo. Apenas não tenho dúvidas de que todos estavam em sintonia ...
P: Soube algo sobre a conversa do General Spínola com o Presidente Mobutu do Zaire, na Ilha do Sal ?
R: Recordo o encontro, mas não tenho qualquer ideia do teor das conversações que tiveram lugar.
Negociando o cessar-fogo com a FNLA
P: Ainda em 1974, chegou a ter contactos com os países limítrofes?
R: Estive, por três vezes, em Kinshasa, para encontros ao mais alto nível. Na primeira, acompanhado pelo então Major Barata, fui encontrar-me com o Holden Roberto e o Jonhy Eduardo, no Palácio de Mobutu. Mal recebidos, após uma viagem bastante atribulada, esse deslocamento acabou por ser positivo, depois de ter posto, de uma forma bem clara, as nossas intenções sobre o processo de descolonização de Angola. Também tive vários contactos com o Savimbi, nas matas do Leste de Angola e no Zaire. Devo salientar que nunca me foi facilitado qualquer encontro com o Agostinho Neto.
P: Qual era a opinião do Holden Roberto sobre as vossas propostas?
R: Ele estava confiante. Mas tudo isto partia de uma base errada, pois, pelo que observava diariamente no terreno, o processo não parecia ser viável. Logo que foi assinado o cessar-fogo com os três movimentos, passei a convidar, como membro da Junta, os responsáveis das delegações dos movimentos para almoços informais, na Messe da Força Aérea. Através destes contactos, passei a ter uma ideia mais clara das suas intenções, algumas bastantes preocupantes.
P: Quando assinaram o cessar-fogo, entraram em Luanda ...
R: Efectivamente, cada um dos movimentos estabeleceu a sua delegação, em Luanda, dispondo de forças de segurança próprias, que nunca deixaram de crescer duma forma incontrolável e que acabariam por estar na base dos violentos confrontos armados, que tiveram lugar na cidade e nos arredores.
P: Dos contactos privados com os responsáveis dos movimentos o que é que apurou, em concreto ?
P: Da UNITA conheci um jovem (22 anos) Wilson dos Santos, que se fazia acompanhar pelo Capitão Sabino, sendo, depois, um elemento importante em toda aquela problemática, pelas relações fáceis que tinha com os outros dois movimentos e estar aberto a todas as sugestões para uma transição pacífica para a independência. Algo imaturo e desconhecedor da realidade angolana, era bem intencionado.
Da FNLA contactava com o Vaal Neto e o Barreiros, Chefe do Estado Maior do ELNA (Forças Armadas da FNLA), em Luanda, que se mostraram prontos a colaborar, mas lembrando, sempre, a sua acção durante a guerra e o seu actual poderio militar. O Comandante Barreiros, que seria um mau soldado no Exército, num determinado dia e já com uns copos, dizia-me: O Barreiros, em menos de um ano, também será general e estará na Fortaleza de Luanda, como Comandante-Chefe das Forças Armadas Angolanas. Perante tal afirmação, era mais do que evidente que a FNLA se preparava para tomar o poder pela força, contando, para tal, com o apoio do Zaire, que também não escondiam.
Do MPLA, tive, como interlocutores, Lúcio Lara e Lopo do Nascimento, que sempre se mostraram bastante reservados, não revelando qualquer linha de acção, mas preferindo conhecer as nossas intenções. Acabei por me aperceber da estreita colaboração que havia entre este movimento e o MFA e da grande aversão que sentiam em relação à FNLA, sendo impensável qualquer espécie de entendimento entre ambos, pelo que a luta armada pelo poder, seria inevitável.
A FRA e as tropelias de Rosa Coutinho
P: Desculpe, mas gostava que apreciasse um outro aspecto do sucedido, ainda em 1974. Aqueles brancos, que lá se encontravam, envolveram-se em certos movimentos, como a FRA. Qual foi a actuação desta Frente ?
R: Não chegou a ter actuação significativa e credível. Foram criados imensos movimentos, em especial no papel, houve imensas intenções... e também o descrédito nas nossas instituições, já que os brancos foram completamente ignorados. Eles, que tinham feito Angola e dado o seu melhor àquela terra, ficaram marginalizados e algumas vezes sujeitos a violências físicas e morais.
P: Principalmente depois da chegada de Rosa Coutinho a Luanda ...
R: Antes dessa altura, pouco ou nada de significativo aconteceu nesse campo. A intenção de entregar Angola ao MPLA, condicionou todo o processo aos interesses inerentes e neutralizou tudo o que pudesse afectar este propósito, por detrás do qual, estava a União Soviética.
P: Antes disse que a URSS tinha deixado de apoiar o MPLA...
R: O apoio, nestas condições, tinha uma outra amplitude e incluía vectores que, durante a guerra, não poderiam ser considerados, tal como a estreita colaboração do MFA.
P: Teve conhecimento de que chegou a haver entrega de brancos ao MPLA e encarcerados nas suas prisões ?
R: Sim. Prisões havia todos os dias, a todas as horas. Brancos, pretos, mestiços...
P: Também feitas por fuzileiros portugueses...como foi o caso do marido de uma senhora grávida, entregue nos cárceres do MPLA, que o General Altino Magalhães impôs, ao Rosa Coutinho, a sua libertação e, dias depois, apareceu nu na estrada do aeroporto...(6)
R: Lembro-me perfeitamente disso. Havia prisões arbitrárias e quase todos os dias desapareciam pessoas.
P: Havia indivíduos que nunca mais apareciam ?
R: Claro. Incluindo brancos. Quem fazia isso com mais frequência era o MPLA, embora a FNLA e até a UNITA não estejam isentas de culpas nesse campo.
P: As entregas de presos efectuadas por fuzileiros e marinheiros, ligados ao Rosa Coutinho, eram feitas ao MPLA ?
R: Não tenho essa ideia, pelo menos numa escala significativa. Pode ter havido um caso ou outro, mas não era a norma. Aliás, eram casos sempre conduzidos nos chamados segredos dos Deuses.
Quando ocorriam incidentes, de certa envergadura, procurava-se resolver a questão com as delegações dos três movimentos, que eram chamadas ao Palácio. Recordo perfeitamente, das precauções que havia a tomar, para que os representantes do MPLA e da FNLA não se encontrassem, nem nos bastidores. Sentia-se um ódio visceral entre aquelas duas organizações...
P: E antes das delegações estarem instaladas em Luanda ?
R: Elementos, ligados ao MPLA, eram uma presença quase sistemática. Sempre que aparecia algum mais importante, o Rosa Coutinho dizia: Esses vão aparecendo aos poucos. Dizia-o com uma grande satisfação, traduzindo o desejo de ver o MPLA com uma estrutura, cada vez mais forte. Quanto aos outros movimentos e nesse período, raramente apareciam ou eram solicitados a tal.
P: Nessa altura, ainda não havia cessar-fogo em Angola. Continuavam a decorrer operações de guerra, no terreno...
O cessar-fogo com o MPLA e o relançar da UNITA
R: O cessar-fogo, com a UNITA, foi assinado logo após o 25 de Abril, tendo-se deslocado, ao Leste, o Pezarat Correia e o Passos Ramos, hoje oficial general. Na altura, este movimento estava a ser objecto de acções militares, na minha opinião, erradamente, não tendo havido qualquer dificuldade em estabelecer este cessar-fogo.
Com o MPLA, a guerra tinha terminado havia algum tempo, por este movimento se ter totalmente desmembrado, política e militarmente.
Com a FNLA, prosseguia a intercepção das colunas e abastecimento aos seus santuários nos Dembos, que acabaram com todo o seu poder ou força, no interior de Angola. O cessar-fogo foi conseguido, após negociações conduzidas a partir de Nóqui e assinado no iate do Presidente Mobutu. A delegação portuguesa era presidida pelo General Fontes Pereira de Melo, que se deslocara de Lisboa, para o efeito, e incluía também o Leonel Cardoso e outros elementos das nossas Forças Armadas, não pertencentes à Coordenadora do MFA.(7)
P: E o cessar-fogo com o MPLA ?
R: Com esse movimento, não tinha, praticamente, quaisquer contactos. Tudo se passava com o Rosa Coutinho e com o seu staff pessoal, sendo acordado por eles, sem o meu conhecimento. Só recordo que, num determinado dia, cheguei ao aeroporto de Luanda, procedente de Lisboa e notei um movimento pouco habitual naquela área. Indagando da sua razão, informaram-me de que iriam partir três aviões para a zona libertada do Leste, a fim de se assinar o cessar-fogo com o MPLA. (8) Fiquei estupefacto e disse para comigo: Tudo foi planeado nas minhas costas e chamam zona libertada do Leste a uma área, onde o MPLA foi batido em toda a linha! E vamos sujeitar-nos a uma coisa destas ?. Nada havia a fazer e o plano, para entregar Angola ao MPLA, prosseguia os seus trâmites.
Ao acordo com a FNLA tinha-se dado uma grande projecção, por sua exigência ou de Mobutu. Agora, com o MPLA, o cenário era o mesmo, tendente a projectá-lo, tanto interna como externamente.
P: Qual foi a constituição da delegação desse último encontro ?
R: Não me recordo, mas com certeza, os elementos da Junta, em Luanda, a Coordenadora do MFA e toda a Comunicação Social. Como disse atrás, utilizaram-se três aviões. Diria, talvez, uma centena de pessoas.
P: Eles ainda tinham actuações no terreno, contra nós ?
R: Como já referi, o MPLA estava completamente desconjuntado.(9) Tudo aquilo foi montado apenas para efeitos propagandísticos, o que também tinha sido evidente com a FNLA mas, neste caso, por exigência deles. Como considerava a UNITA uma peça fundamental neste processo, pela necessidade de existir uma espécie de amortecedor das tensões, mais que claras, entre os outros movimentos, pensei em dar também uma certa projecção a esta organização, promovendo um encontro da Junta Governativa com o Savimbi, na presença da Comunicação Social. Considerava esta projecção essencial para o processo de descolonização de Angola.
P: Isso não passou de intenção ?
R: Não. Após uma longa conversa com o Rosa Coutinho, este acabou por aceitar encontrar-se com Savimbi, indicando, como únicos locais, o Luso ou a Base Aérea de Henrique de Carvalho. De imediato marquei um encontro com aquele líder guerrilheiro mas, na véspera, surgiram-me febres altas e o médico, Dr. Carlos Pinto, não autorizava a minha ida, no dia seguinte, até ao Leste. Após apresentar as razões imperiosas da minha deslocação, acedeu, com a condição de me acompanhar...
Como habitualmente, fomos de avião até ao Luso e, depois, de helicóptero para o meio da chana, donde, após cerca de dez minutos a pé, lá chegámos ao local acordado, bem no seio da mata... Pouco depois chegou o Savimbi, acompanhado de um conselheiro e, posto a par da razão do nosso encontro, disse-me ser impossível a realização dessa conversa já no próximo Domingo, visto estar a decorrer o congresso do partido, que se prolongava até essa data.
Retorqui-lhe, com firmeza: Tomar uma posição dessas, quando se pretende dar projecção ao seu movimento, que pouco significado tem e nem sequer é reconhecido pela OUA... Portanto, se quer fazer parte do processo, arranje as coisas como entender, mas tem que comparecer a este encontro!. Depois de muita conversa, acabou por concordar: Vou ter que obter autorização dos congressistas e não pode ser no Luso, nem em Henrique de Carvalho, mas, aqui, em Cangumbe. Era um simples apeadeiro do Caminho de Ferro, desactivado e com as casas em ruínas.
Lá convenci o Rosa Coutinho de que, por causa do congresso em curso, tínhamos de mudar de local e, no dia seguinte, seguimos todos para Cangumbe. (10) Tinha-se combinado o encontro para as 9H00. Eram 11H00, quando o Savimbi chegou com uma comitiva e uma escolta fortemente armada, pois tinham marchado a pé, desde as 01H00, altura em que conseguira convencer os seus congressistas. Foi a partir daí que, em termos de opinião pública, a UNITA se projectou e ganhou dimensão interna e externa.
P: Existe uma teoria, abordada em alguns livros, de que o General Spínola pretendia demitir o Rosa Coutinho e substituí-lo por Altino Magalhães, no 28 de Setembro. Qual é o seu comentário ?
R: Não tem o mínimo fundamento. Até o General Spínola teria consciência de que, naquela altura, era impossível destituir o Rosa Coutinho, não só porque tinha o apoio de todo o MFA mas, também, porque a missão que o levara a Angola, ainda não tinha sido cumprida.
Manipulação dos catangueses e perseguições do MFA
P: Considera que tenha havido uma tentativa do Coronel Costa Campos de aliciar os catangueses ?
R: Não tenho qualquer ideia de que tal tenha ocorrido. Houve muita coisa, pouco clara, em torno dos catangueses, mas essa não me constou.
P: Teve conhecimento dos mandados de captura contra o secretário geral do PDCA, Dr. Ferronha e do director do Província de Angola, Dr. Rui de Freitas ?
R: Houve esses e muitos outros mandados de captura, determinados por conjunturas não devidamente esclarecidas e cozinhadas pelo Presidente da Junta, MFA e, quase certo, o MPLA. Qualquer indício de actividade, que se pudesse opor ou dificultar a estratégia delineada, era, desta forma, neutralizada. O mesmo se viria a passar com os próprios militares.
P: Uma questão que deve ter abordado com Mobutu, nas suas deslocações a Kinshasa, foi a problemática dos catangueses...
R: Essa era uma das grandes preocupações e, daí, a sua intenção de procurar pôr, à frente de Angola, a FNLA e, assim, garantir a sua neutralização. Com a finalidade de o tranquilizar fui a Kinshasa, levando como intérprete o Dr. Jorge Campinos, tendo sido dadas garantias de que, enquanto vigorasse a admnistração portuguesa, os catangueses jamais intentariam qualquer acção contra o Zaire.
P: No pós 25 de Abril, qual foi o procedimento dos catangueses ?
R: Ficaram completamente desorientados. Como sabe, eles tinham combatido ao nosso lado, durante a guerra, dita de libertação de Angola. Nestas condições, a sua situação era precária e, dado o seu enorme potencial de combate, eram objecto do namoro dos três movimentos.
P: Terá havido uma jogada para os atrair ao MPLA, através de um Capitão Figueiredo?
R: Sem qualquer dúvida, embora tudo se passasse fora do âmbito da Junta ou, pelo menos, de alguns dos seus membros. Tentei, por vezes, saber o que estava a ocorrer, mas sem êxito.
P: Parece que tinha cobertura superior. Julgo que o General Ferreira de Macedo também estaria envolvido ... (11)
R: Nada me custa a aceitar o seu envolvimento, embora tudo tenha sido conduzido, dentro do maior secretismo. Penso que terá havido uma certa chantagem com os catangueses, pelo facto de terem combatido ao nosso lado, designados como fiéis.
P: Na altura da independência ainda estavam com o MPLA ?
R: Naturalmente, embora desconheça o que se passou, com o recrudescimento da UNITA e do controlo da área, onde estavam acantonados.
P: Havia ordens e ocorrências que não eram do seu conhecimento ?
R: Claramente. Dada a aceitação que tinha, no seio das Forças Armadas, o conhecimento de determinados factos podia conduzir à tomada de reacções, que prejudicariam o processo em curso, ao lado do MPLA. Assim aconteceu, quanto à intenção de prender três majores: Monteiro Pereira, Alves Ribeiro e um outro, também de Cavalaria. A questão, que levara a esta situação, foi rapidamente esclarecida pelo General Altino Magalhães, não chegando os oficiais em questão, diga-se, de grande prestígio, a serem presos.
No caso do Coronel Dinis dos Comandos e do Major Cerqueira Rocha, foi o próprio Rosa Coutinho a comunicar-me a sua intenção. Fiquei atónito e não podia crer em tal posição.
Era amigo do Rosa Coutinho. Durante algum tempo, fui mesmo o seu defensor, junto da população de Luanda, que o apelidava de Almirante Vermelho e não só. Quando me comunicou a sua intenção, olhei-o bem de frente e afirmei-lhe: Estás louco, agora percebo porque toda essa gente não te pode ver e tem razões para essa atitude. Só por cima de mim é que eles seguem presos para Lisboa.
Saí dali, telefonei ao Altino e contei-lhe o que se estava a tramar, sabendo, de antemão, que ele estava sempre ao meu lado. Como éramos cinco, na Junta, precisava também, do voto do Leonel Cardoso, para garantir a anulação da ordem.
P: Esse falhou ?
R: Éramos amigos desde os tempos da Escola Naval, onde foi meu instrutor de Educação Física. Após duas longas horas de conversa, saí, sem saber qual a posição que iria tomar durante a sessão da Junta, onde a questão iria ser abordada.
Voltei para o Palácio e perguntei ao Rosa Coutinho se ele conhecia, de facto, os camaradas em questão. Respondeu-me de uma forma bastante evasiva, o que me levou a concluir que o seu conhecimento era superficial.
Retorqui-lhe: Conheço-os bem e não tenho dúvidas de que são incapazes de se meter em traições, ou coisas que não sejam exclusivamente militares. São militares a sério. De maneira que, chama-os e conversa com eles. Não tomes decisões precipitadas e sem qualquer justificação de facto !
Algum tempo depois, mandou-os convocar e, durante cerca de uma hora, conversaram os três, sempre em movimento, dentro da sala, numa marcha, que os oficiais tinham dificuldades em acompanhar... A um canto, meio na penumbra, aguardava o veredicto final.
Depois de os ter despedido, sem ter revelado a verdadeira intenção da sua convocatória, virou-se e disse: Eles não vão presos e oxalá que nunca venha a arrepender-me ! Não fiquei completamente esclarecido sobre a sua posição neste caso. Aguardemos.
Assim, o Dinis e o Cerqueira Rocha continuaram em Angola nas mesmas funções, sem qualquer problema que pudesse afectar a sua missão.
P: Eram esses os procedimentos dos elementos do MFA de Angola...
R: Afastar todos aqueles que se opusessem à estratégia delineada, no sentido de equipar, armar e potenciar o MPLA, de modo a não ter problemas, aquando da tomada do poder.
A FNLA contava, por seu turno, com a ajuda de Mobutu, pois como constatei, posteriormente, as suas forças também tinham sido completamente desfeitas.
Era notória a preocupação de dar força e credibilidade ao MPLA e todos os meios eram utilizados.
P: E quanto àquele caso, em 23 de Outubro, de a FRA ir executar um golpe...
R: Tudo isso foi mais uma inventona, um fantasma. As acções eram desencadeadas, essencialmente, com base em informações, que recebiam do MPLA e apenas um pequeno grupo do MFA mexia os cordelinhos, no sentido de colmatar brechas no processo, que havia de levar este movimento ao poder.
P: Segundo o General António de Spínola, no seu livro País Sem Rumo seria um grupo de dez militares ...
R: Na minha opinião, os mais activistas eram os então Majores Pezarat Correia e José Emílio da Silva, o Capitão de Fragata Correia Jesuíno e o 1.º Tenente Soares Rodrigues. Não significa que não existissem outros, empenhados nesta manobra...
P: O que tem a referir sobre a demissão do General Altino Magalhães?
R: Sempre esteve ao meu lado, nas tomadas de posição e era difícil demitirem dois membros da Junta. No entanto, quando se recusou a cumprir a ordem do Rosa Coutinho, para destruir a sede da FNLA, iniciou-se o esquema para o afastarem e, naturalmente, com sucesso.
P: Qual foi o argumento utilizado ?
R: Não tenho qualquer ideia mas, naquela altura, tudo era permitido ao poder instituído.
Nos preparativos do Acordo do Alvor
P: Qual foi o seu papel na preparação do Acordo do Alvor ?
R: Fiquei extraordinariamente surpreendido, quando me disseram que iria fazer parte da delegação portuguesa. Tinham havido várias tentativas ou intenções do Rosa Coutinho, para reunir os três movimentos connosco, a fim de se estabelecer o plano, que haveria de conduzir Angola à independência total. Ainda hoje, recordo as suas palavras: Faça-se uma reunião nos Açores ou no Continente, ou em Angola, ou em qualquer outro lado, pois nós temos de mostrar ao mundo que estamos de acordo e que chegámos a uma plataforma de entendimento. É preciso fazer este teatro.
Pensei comigo, que tudo aquilo era loucura e não se podia, assim, brincar com o povo angolano. Parti para Kinshasa, acompanhado pelo Major Arnão Metelo, a fim de me encontrar com Holden Roberto, e convencê-lo da necessidade dos movimentos fazerem uma reunião prévia, para discutirem todo o contencioso existente entre eles e, quando conseguissem uma posição de entendimento comum, discutirem, então, com a parte portuguesa.
P: Tinha uma certa lógica e era mais coerente...
R: Anteriormente, em Luanda, tinha feito uma experiência interessante: juntar, à mesma mesa, os principais elementos das delegações dos movimentos. Tal intenção mereceu a hilaridade de Rosa Coutinho e seus pagens, pois era sabido que persistia um ódio visceral entre os homens do MPLA e da FNLA e que, nem nos bastidores, desejavam encontrar-se. (...)
Após ter recebido luz verde e com a preciosa ajuda de Wilson dos Santos, da UNITA, consegui fazê-lo, durante dois dias, onde estiveram Lúcio Lara e Lopo do Nascimento, do MPLA, Vaal Neto e Barreiros, da FNLA e Wilson Santos e Sabino, da UNITA.
P: Quais foram os problemas discutidos ?
R: Foram duas questões essenciais: um sistema de informações perfeitamente funcional, no pós-independência e a constituição de uma força militar, independente dos movimentos, com grande capacidade operacional.
No primeiro caso, ainda estiveram em funcionamento núcleos de recolha de notícias, que eram enviadas a órgãos constituídos por elementos dos três movimentos, onde se procedia à sua triagem, análise e difusão. Mas foi sol de pouca dura, por se verificar uma enorme parcialidade na recolha das notícias. Cada um só informava aquilo que lhe interessava e nem sempre correspondia aos factos.
Quanto à segunda questão, ficou acordado constituir uma companhia de pára-quedistas, com pessoal cedido pelos três movimentos. A preparação desta força foi iniciada, através da formação dos quadros, cujo lançamento teve honras de cerimónia oficial, onde me desloquei e falei sobre os objectivos que presidiam a esta acção, tal como da sua extraordinária importância para a Angola de amanhã. Também, neste campo e apesar do esforço realizado, a muito curto prazo, tudo se desfez pelo abandono dos elementos nomeados pelos movimentos, os quais, sem explicações, foram partindo, a pouco e pouco, até tudo ter terminado.
P: Foi com base nessa acção que o levaram para o Alvor...
R: Creio que sim. Foi considerado quase impossível juntar aquela gente e eu tinha-o conseguido, em circunstâncias bastante difíceis. Por isso e pela fácil ligação, que tinha com os homens dos três movimentos, acabei por ser nomeado Alto-Comissário.
Nomeação para Alto-Comissário de Angola
P: No entanto, no Alvor, o MPLA queria o Rosa Coutinho e a FNLA e a UNITA só desejavam o senhor para Alto-Comissário...
R: Sim. A FNLA e a UNITA afirmavam que eu seria a única pessoa capaz de conduzir o processo com isenção e, daí, a sua preferência. Como já referi, tinha relançado a posição da UNITA, com o encontro de Cangumbe. Igualmente, dado o fácil relacionamento mantido com os principais dirigentes da FNLA, pela frequência, com que me deslocara a Kinshasa, conduziram, inevitavelmente, a esta preferência, que ninguém estranhava.
Quanto ao MPLA, as minhas relações com Lúcio Lara, Lopo do Nascimento e, praticamente, todos os dirigentes deste movimento, presentes em Luanda, era bastante amistosas. Por isso, o General Costa Gomes abordou-me, ainda antes do Alvor, para o exercício dessas funções, tendo-lhe respondido: Nem pensar nisso. Tinha plena consciência que me iriam atribuir uma missão impossível.
Acrescentei: Já dei muito a Angola, tanto antes, como depois do 25 de Abril. Para que possa haver uma saída minimamente digna, eu sei, agora, que isso é impossível. O MPLA vai enveredar pela via da força, assim como a FNLA também está preparada para tomar o poder, pelo mesmo meio. Aquilo vai ser um inferno, uma grande tragédia...
P: Qual foi a reacção dele ?
R: Perguntou se eu estava doente ou cansado, tendo-lhe respondido afirmativamente e, sem mais conversas, o Alvor arrancou. Já perto do final, o Presidente da República deslocou-se ao Algarve, tendo voltado a pôr-me a questão do Alto-Comissário. Disse-lhe, depois de muito instado, saber que a FNLA e a UNITA me aceitavam. Se o Agostinho Neto me convidasse, ficaria.
Não sem surpresa, nessa mesma noite, tive um convite para jantar com este líder, no Hotel da Penina, onde me convidou para aquelas funções.
P: Ficou amarrado...
R: Nunca acreditei e fiquei mesmo amarrado.
Bastante tempo antes de sair de Angola para a conferência do Alvor, referi ao Rosa Coutinho, da necessidade de partir, o mais cedo possível, a fim da delegação portuguesa poder preparar um projecto para a fase subsequente da descolonização, que defendesse os interesses dos angolanos e dos próprios portugueses lá residentes. Retorquiu para não me preocupar, pois o pessoal, em Lisboa, estava a tratar do assunto.
P: Portugal constituía uma das partes...
R: Sem dúvida e devíamos ter o nosso próprio projecto. Na realidade, os dias foram passando e só na véspera, do início da reunião, já depois da meia-noite, fomos chamados pelo Melo Antunes, que se limitou a informar: Amanhã vamos discutir este papel. Era o que o MPLA tinha apresentado em Mombaça e fora aceite pelos outros movimentos, praticamente, sem discussão.
Tinha provocado a reunião de Mombaça, para evitar que o teatro, como pretendia o Rosa Coutinho, tivesse lugar, em qualquer local, o mais rapidamente possível.
Como referi, tinha ido a Kinshasa, onde me encontrei com o Holden Roberto e o seu Estado Maior. Falei-lhe da necessidade dos movimentos discutirem entre si o vasto contencioso existente, antes de qualquer reunião, ao mais alto nível ter lugar, e encontrarem uma plataforma de entendimento, para se poder chegar, com Portugal, a um acordo com bases sólidas.
Eventualmente, o Dr. Savimbi encontrava-se, também, em Kinshasa e não perdi a oportunidade de lhe apresentar a questão, com a qual concordou. Pretendi dar um salto até Brazaville, onde se encontrava o Dr. Agostinho Neto, mas o Savimbi disse não ser necessário porquanto, ele próprio trataria do assunto com o Presidente do MPLA. Adiantei quão importante seria a presença de Portugal, na reunião, que viessem a acordar, mesmo como simples observadores. O conhecimento que tínhamos da realidade angolana podia ser bastante conveniente. Anuiu, mas frisou que a nossa presença seria apenas como observadores, devendo eu ser incluído na delegação, assim como outro elemento, por mim indicado.
Depois de regressar a Luanda, elaborei um pequeno relatório, que o Arnão Metelo trouxe para Lisboa.
A reunião preparatória sempre teve lugar em Mombaça, onde apenas foi discutido o projecto apresentado pelo MPLA, que os outros aceitaram, praticamente sem discussão. A UNITA concordou nas suas linhas gerais, pois a questão das eleições estava contemplada e este ponto era importante para Savimbi. A FNLA tencionando tomar o poder pela força, não quis levantar problemas.
P: Chegou a ir a Mombaça ?
R: Não. O MFA indicou o Pezarat Correia e um outro elemento da Coordenadora, que não recordo. Eles rejeitaram, não estando, desta forma, Portugal representado.
Aliás, hoje estou convencido de que não havia qualquer interesse na nossa presença, nessa reunião, por ter fortes suspeitas de que o documento apresentado pelo MPLA foi cozinhado em estreita ligação com o MFA. Estava tudo em família !
P: E o texto que saiu no acordo ?
R: Foi o apresentado por Melo Antunes, com pequenas e insignificantes alterações, propostas pelos movimentos. Nos bastidores, ainda cheguei a aventar a hipótese de as Forças Armadas Portuguesas só deixarem o seu dispositivo, em Angola, depois de definidas ou concretizadas no terreno, as condições para procederem a eleições.
P: Esse ponto foi aceite ?
R: Nem tão pouco discutido, pois, desde logo, foi considerado inaceitável pelos movimentos, embora estivesse plenamente convicto de que, à partida, não se realizariam eleições, sem a participação activa do lado português. Nesta altura, recordei a conversa com o Chefe do Estado Maior do ELNA, havida meses antes: o problema de Angola apenas se resolve pela força e nós vamos ganhar.
Depois, quando cheguei a Luanda, para assumir as funções de Alto-Comissário e perguntei pelo Iko Carreira, disseram que estava na União Soviética a seleccionar o armamento, para equipar o MPLA, o qual chegou a Ponta Negra, a bordo de navios.
Desempenhando uma Missão Impossível
P: Também utilizavam a via aérea ?
R: Com certeza e até aconteceu estar um dia, no aeroporto, quando aterrou um avião procedente de Ponta Negra. O oficial encarregado da segurança, ao pretender saber qual o tipo de carga a bordo, foi informado tratar-se de fardamento e equipamentos. Quando mostrou interesse em revistar o avião, foi a isso impedido por elementos do MPLA e as suas suspeitas aumentaram. Aproveitando a minha presença no local, pôs-me a questão, tendo ordenado, de imediato, a verificação da carga.
Ao constatar-se ser esta, constituída por armamento, foi o mesmo apreendido e entregue à guarda do Batalhão de Pára-quedistas.
Posteriormente, fui com frequência, pressionado pelos elementos da Coordenadora do MFA para entregar o material ao MPLA. Sempre recusei, até que um dia, saturado e farto da conversa, anuí à entrega. Mas tive uma agradável surpresa: os Pára-quedistas, sob o comando do Ten-Coronel Gonçalves Ramos, Comandante do Batalhão de Pára-quedistas, recusaram-se a cumprir a ordem, alegando que, mais tarde, esse mesmo armamento poderia ser utilizado contra eles. Aqui está uma ordem, cujo não cumprimento, poderia merecer um louvor!!
P: Quando o Rosa Coutinho ainda estava em Angola, será verdade que ele apoiava da mesma forma e por igual, os três movimentos, em armas e dinheiro ?
R: Em relação ao dinheiro julgo que isso era um facto, pelo menos, em termos oficiais. Só que, nos bastidores, tudo era possível e o mais apoiado por todas as formas, como já referi, foi o MPLA.
P: Em algum momento pensou que a sua acção estava a prejudicar a evolução do processo concebido pelo MFA, no que se refere à descolonização de Angola?
R: Houve várias tentativas para me demitirem ou criarem as condições que levassem à minha demissão. Antes de assumir funções, tinha, naturalmente, concebido o meu Estado Maior pessoal. Mas, à minha chegada, deparei-me com uma Coordenadora do MFA, paredes meias com o meu Gabinete e idealizada pelo Pezarat Correia que, entretanto, regressara a Portugal. Esta Comissão tinha o engenho de controlar a minha actividade e ocupar todo o meu tempo, limitando a capacidade para tratar de outros assuntos, muito mais importantes e prioritários. Andava meio louco com aquela gente, que não me dava um minuto de descanso...
A neutralidade activa e os incidentes em Luanda
P: Houve ocasiões em que tentaram derrubá-lo ?
R: Creio que sim, mas entretanto os ânimos tinham sossegado, tendo sido definido o conceito de neutralidade activa, que ninguém sabia bem o que era. Pelo menos, eu nunca percebi... nem era para perceber. Seria para bater quando fosse preciso, ou só bater na FNLA e na UNITA, facilitando a vida ao MPLA ?
P: Acabou por se demitir em Julho ?
R: Sim. Entretanto, depois duma cena ocorrida nas comemorações do 25 de Abril e da referida neutralidade activa, tiveram lugar os grandes incidentes de Luanda: o confronto entre o MPLA e a FNLA. Aconteceu que o MPLA, desde o primeiro dia, após a minha chegada a Luanda, como Alto-Comissário ( e até já antes, quando saí de Angola para vir para o encontro do Alvor), passou a provocar a FNLA, duma forma quase directa e sistemática, no sentido de acicatar os ânimos e levá-los ao confronto armado. Era isso, exactamente, o que o MPLA pretendia, e neste campo, tudo era válido. Só importavam os fins. Os meios eram os necessários e mais adequados, independentemente das consequências. Prisões arbitrárias, mortes indiscriminadas, uma tremenda tragédia, impossível de descrever.
P: Tinha havido provocação do MPLA ?
R: Sim. Provocações, utilizando a rádio e os chamados atiradores furtivos, para criar tal insegurança que acabou, natural e logicamente, no confronto armado entre os dois movimentos.
P: O Savimbi estava em Luanda, nessa altura ?
R: Não. Mas tinha lá a sua delegação, à frente da qual se encontrava o Wilson dos Santos, um moço que, apesar dos seus 22 anos, mostrava uma grande maturidade e vontade de ajudar na solução dos conflitos. Após reuniões intermináveis, ia conseguindo umas tréguas sempre precárias, algumas vezes, mesmo antes de assinarmos o papel, com os acordos encontrados. Uma vez, após dois dias e uma noite consecutivos de diálogo, na altura das rubricas, recomeçou o rebentamento dos morteiros, disparados de forma indiscriminada. Houve, então, um homem extraordinário do MPLA, que me disse: Meu General, não vale a pena tentar levar isto através do diálogo e chegar a solução consensual. Não é possível.
P: Quem era esse indivíduo ?
R: O Jacob João, mais conhecido pelo Monstro Imortal. Um bom homem, excelente militar, que acabou por morrer, ou ter sido morto, pouco tempo depois de eu deixar as funções de Alto-Comissário ...
P: Naquelas depurações que eram habituais, neste tipo de organizações...
R: Talvez, embora não possa crer que o tenham eliminado, porquanto tinha um enorme prestígio, no seio das FAPLA.
P: Lembra-se de ter havido alguma revolta em Nova Lisboa ? Uma, em que terão chegado a queimar a Bandeira Portuguesa ?
R: Aconteceram bastantes incidentes, durante esse período, mas não me recordo de nenhum em que se tenha chegado a tal extremo. Posso dizer-lhe que a média de atitudes inconvenientes levadas a efeito pelos movimentos, atingiu uma média de sete por dia, alguns bastante preocupantes, como os que envolviam o desaparecimento ou assassínio, puro e simples de todo o tipo de pessoas.
P: Como conseguiu esses dados ?
R: Tínhamos um serviço de informações a funcionar, onde se fazia o registo de todos os incidentes cometidos pelos movimentos ou outras organizações. À data da minha partida, a situação era, sensivelmente, 800 atribuídos ao MPLA, 350 à FNLA e 180 á UNITA.
P: Alguma vez mandou actuar, pela força, contra tropas portuguesas, por actos de indisciplina ou rebelião ?
R: Julgo que, pelo menos uma vez, em Cabinda, no Belize, não me recordando dos pormenores de tal intervenção. Também tivemos outros problemas, de menor significado, tendo sido resolvidos dentro dos princípios que regem a disciplina militar e que, naquela situação, determinava que a bitola da pena a aplicar fosse, ou se aproximasse do limite máximo, previsto na lei. Foi, sem dúvida, um período difícil, mas quero afirmar que estou particularmente grato e mesmo honrado, por ter tido sob o meu comando homens, que nunca hesitaram em cumprir qualquer missão, independentemente dos riscos inerentes. E houve algumas baixas da nossa parte. Claro que houve excepções, despoletadas e alimentadas por elementos que apenas procuravam a desestabilização geral, essencial para, com maior facilidade, atingirem os seus objectivos pré-definidos.
A desafronta de Vila Alice
P: Pode descrever o sucedido naquele caso de Vila Alice, com o MPLA ?
R: Esse acontecimento, altamente lamentável, teve lugar em fins de Julho de 1975. Certo dia dia, já tarde, um jeep das nossas Forças Armadas, transportando um sargento e respectivo condutor, foi interceptado e mandado parar por uma patrulha do MPLA. Depois de identificados, foram autorizados a prosseguir mas, logo que a viatura se pôs em marcha, o sargento foi alvejado pelas costas, tendo ficado gravemente ferido.
P: Não houve mortos ?
R: Não. Tive conhecimento desta ocorrência, já bastante tarde, creio que depois da meia-noite. Reuni, de imediato, a Comissão Coordenadora e os Comandantes Militares. Perante a gravidade da situação, foi decidido exigir, ao MPLA, a entrega do autor do disparo cobarde e traiçoeiro, para ser julgado, de acordo com a legislação em vigor. Deixei bem claro que a entrega teria de se processar, a bem ou a mal, às primeiras horas da manhã seguinte.
P: A quem confiou a execução dessa missão ?
R: Ao Brigadeiro Heitor Almendra, Comandante do COPLAD, militar da minha inteira confiança e que gozava de grande prestígio, não só no seio das nossas Forças Armadas, como entre os militares dos movimentos. Foi-lhe conferida toda a liberdade de acção para o cumprimento da missão, usando os meios e as modalidades que julgasse mais adequadas.(12)
P: A Comissão Coordenadora concordou com essa acção ?
R: Nem abriram a boca. Compreende-se, num caso destes, em que os nossos militares foram alvejados pelas costas ... Alguém tinha a coragem de tomar uma atitude contra uma ordem destas ?
P: Qual foi a reacção do MPLA, a essa operação ?
R: Na altura, compreenderam mas, depois, vieram explorar o sucedido, como algo criminoso da minha parte.
P: Acusaram-no de ter dado a ordem de atirar sobre a sede do MPLA, em Vila Alice ?
R: Sim. Através da Comunicação Social e não só....
Uma demissão inevitável...
P: Qual foi a razão da sua demissão, em Julho de 1975 ?
R: Havia uma situação concreta, no terreno, bastante grave. A FNLA estava à entrada de Luanda e punha-se o problema de nós irmos ou não, ajudar o MPLA a travar a FNLA ou deixar que ambos resolvessem a questão. No Palácio reuni todos os comandos dos três Ramos, os elementos da Coordenadora, o Secretário Geral, etc., num total de 42 pessoas.
Descrevi a situação e, depois, um por um, todos se pronunciaram sobre o caso. Com excepção do Major Gomes de Abreu, todos os restantes foram de opinião que nos devíamos manter afastados daquele confronto. Praticamente, desde o primeiro dia, o Acordo do Alvor tinha sido sistematicamente violado, pelo que, um novo confronto entre os dois movimentos não seria novidade.
P: Qual foi a posição da Coordenadora do MFA ?
R: À excepção daquele oficial, todos os outros se manifestaram no mesmo sentido, pelo que foi extraordinariamente fácil tomar a decisão: a neutralidade, não sei se passiva, se activa. Só no caso do conflito alastrar para dentro da cidade, nessa altura, seríamos activos em defesa das populações. Recordo que a reunião terminou cerca das 23H00 e a decisão tinha sido tomada, praticamente, por unanimidade... Nessa mesma noite, dois elementos da Coordenadora viajaram para Lisboa. Não liguei ao caso, por se tratar de algo rotineiro.
No dia seguinte, recebi uma mensagem do Presidente da República, descrevendo, com grande pormenor, a situação vivida em Luanda, dizendo para se actuar segundo a posição, que o Major Abreu defendera. Isto é, o contrário do que tinha sido decidido, com a opinião unânime de todos os outros camaradas - devia apoiar o MPLA, no confronto com a FNLA !
Devo acrescentar que o referido major não tinha seguido para Lisboa. Não podia cumprir esta ordem. De imediato, telefonei ao Presidente da República e perguntei-lhe: O Meu General tem conhecimento desta mensagem ?. Obtive como resposta: Ah, isso foram os seus rapazes que “cozinharam”.... Voltei a insistir: Estou a perguntar-lhe se tem conhecimento do conteúdo da mensagem ? Como a resposta foi a mesma, disse-lhe: Pronto, estou esclarecido. Vou fazer as malas e seguir para Lisboa, cessando funções.
P: Qual foi a sua reacção ?
R: Não reagiu. Como também era militar, sabia perfeitamente que, depois de uma decisão tomada naquelas circunstâncias, era impossível alterar a posição e fazer o contrário.
P: Em relação aos movimentos, qual foi atitude que tomaram ?
R: Sucedeu um caso interessante. Apesar de toda a guerra, que o MPLA me moveu, houve algo, neste final, que me tocou. A decisão de cessar funções apenas foi comunicada aos comandantes dos Ramos, em Luanda, Comissão Coordenadora e ao Secretário Geral.
Nesse mesmo dia, deslocaram-se ao Palácio, para apresentarem os seus cumprimentos de despedida duas entidades do MPLA: O Lopo de Nascimento, Primeiro Ministro, da parte daquele movimento, que me disse reconhecer o enorme esforço que tinha desenvolvido duma forma tão imparcial que, diria mesmo, quase obsessiva, embora, publicamente, pudesse ser acusado do contrário, expressando a sua gratidão; o outro, o Lúcio Lara, disse vir agradecer tudo o que tinha tentado fazer por Angola, reconhecia a minha honestidade e o enorme desejo de ver aquela terra o melhor possível, frisando que, se não tinha resultado não fora por culpa minha... Isto, poucos dias depois de se ter desenrolado a acção militar na Vila Alice!
P: E os líderes dos outros movimentos ?
R: Nem sequer sabiam da minha decisão. O MPLA conhecia-a através da Comissão Coordenadora do MFA, naturalmente !
P: Quer dizer que essa ligação funcionou sempre ?
R: Claro. E eu fiquei espantado. O Lúcio Lara era um homem extraordinariamente racista, que odiava o branco, talvez por ser mulato e por esse facto lhe causar dificuldades dentro do próprio MPLA. Um dia, convidei-o para jantar, no Palácio e não se cansou de focar os crimes que tínhamos cometido durante a guerra, como a destruição das lavras, que constituíam a base da sua alimentação, em operações, etc. Pois, foi este um dos homens que teve a amabilidade de ir, ao Palácio, para se despedir, agradecer e elogiar a minha acção.(13)
P: Em 1978, Rosa Coutinho em declarações públicas (“O Jornal” de 1-12-1988 ) referiu que haveria uma conspiração encabeçada por Jorge Jardim, com um plano de levantamento (a iniciar na Beira) em 16 de Setembro, em Moçambique e entre 21 e 24 do mesmo mês, em Angola, estendendo-se, depois, ao Continente, em ligação com a programada manifestação da maioria silenciosa (28 de Setembro). Que comentário lhe merecem estas afirmações?
R: Isso são das tais cabalas, que não cabem na cabeça de ninguém. Não existia qualquer interligação entre os três casos. Ninguém dispunha de capacidade para levar a efeito tal manobra. O MFA controlava tudo, incluindo as próprias Forças Armadas.
Comentando a descolonização de Angola
P: Para finalizar, gostaria de perguntar o que pensa da descolonização em geral ou da dita descolonização possível ?
R: Julgo que vai sendo tempo para se começar a fazer o balanço duma época tão trágica da História Portuguesa. Nomeadamente porque muitos dos intervenientes estão ainda vivos e deverão testemunhar os factos que, realmente, escreverão sobre essa História. Se isso não se fizer agora, grande parte da Verdade perder-se-á e o trabalho dos historiadores vir a ser mais ingrato. Por isso, não fugi às suas perguntas e, nas respostas, fiz a minha apreciação de vários comportamentos. Agora, os visados que contestem, se desejarem que eu refresque mais a minha memória. Antes de ocorrer o 25 de Abril e já com Marcello Caetano no poder, surgiram indícios claros de que o problema da guerra colonial iria ser resolvido através de uma solução política. Entre esses indícios, poder-se-ão enumerar:
1. A vitória militar em Angola, com o potencial de combate da guerrilha praticamente reduzido a zero, o que reforçava a capacidade de Portugal, em qualquer solução política, que o Governo decidisse.
2. O livro Portugal e o Futuro do General Spínola era um alerta sério para se repensar a estratégia ultramarina.
3. O início de negociações oficiosas entre Portugal e o PAIGC, que tivera, lugar em Londres, sob o maior secretismo, conforme foi revelado pelo Dr. Rui Patrício, há dois anos, na televisão e confirmadas por elementos desse partido, presentes nas negociações.
4. Uma certa liberalização do regime vigente em Portugal, há mais de 40 anos, aparecendo na então Assembleia Nacional, um grupo de deputados, claramente em oposição à ditadura.
Outros sintomas poderiam ser indicados, alguns por mim próprio vividos, mas julgo que estes são suficientes para provar que tudo se encaminhava para uma solução política da questão dos territórios ultramarinos. Isto, apesar da euforia resultante da vitória militar em Angola.
Podemos imaginar, que tipo de solução política, o Governo do anterior regime, procuraria encontrar: pró-ocidental ou pró-soviética? Parece que ninguém tem dúvidas que acabaria por ser pró-ocidental, com todas as consequências, altamente negativas para a estratégia global do Leste.
Por isso, o Governo teria de agir, com rapidez, a coberto duma guerra que conduzisse a uma solução política a curto/médio prazo e a uma democratização, que se avizinhava. E em Portugal, havia já forças democráticas poderosas, que pretendiam uma solução deste tipo. Mas havia, também, as outras, que queriam arrastar as Províncias Ultramarinas para a órbita soviética, e essas, além de radicais, estavam organizadas para actuar. Por isso, foram os principais agentes do 25 de Abril que, segundo as mesmas, era necessário fazer, não tanto pela democratização de Portugal, mas para impor o controlo do Sul de África pelo Urso Soviético (como Lenine preconizava), impedindo que a solução política do Ultramar fosse favorável ao Ocidente. O seu objectivo só não foi totalmente conseguido, porque se acelerava o desmoronamento do sistema comunista do bloco soviético...
Assim, a descolonização não foi a possível, mas a cuidadosamente gizada e planeada por forças internas (diminutas) e forças externas (as grandes impulsionadoras). Depois, para a execução do plano, não faltaram os actores: os esclarecidos, os oportunistas, os indiferentes, os coagidos, os revoltados, os ingénuos e, no final, os sacrificados, com o seu rol de misérias, dor e morte.
Repare-se quem, nesse período conturbado da vida nacional, pensou a sério e com realismo no enorme problema da descolonização. Uma impensável intranquilidade política, social, económica, etc., perfeita anarquia foi gerada e alimentada na então chamada Metrópole, como manobra de diversão, para ocupar as cabeças pensantes deste País e deixar correr a descolonização, segundo os desígnios e fins, até hoje ainda não totalmente revelados, em que os verdadeiros manobradores iam puxando os cordelinhos, segundo a sua vontade ou orientações recebidas... Uns poucos, mais com os pés na terra, tentaram lutar contra o fogo, mas foram neutralizados ou desacreditados.
A História far-se-á, sem vencidos nem vencedores, nesta triste batalha, da qual ficou, tão somente, a tragédia. É doloroso ver que, dos territórios mais ricos e prósperos de toda a África Negra, em poucos anos, caíram para o fundo da tabela das nações mais pobres do mundo, onde a fome era o maior flagelo.
Haver muitos responsáveis políticos de então, ainda hoje figuras de relevo, com grande peso na consciência porque, da sua acção, apenas resultou a miséria e a fome; outros que nada fizeram, a não ser autopromoverem-se, também não podem ter um sono tranquilo; aceitam tudo por ignorância ou simplesmente como uma fatalidade; outros, talvez um dia, cheguem a falar, se a velocidade infernal do correr do tempo, não lhes varrer a memória...
NOTAS:
(1) Entrevista ( 2.ª Parte) realizada em 7-2-1997, em Lisboa.
(2) Refere-se ao agora Major General Passos Ramos.
(3) Segundo outro oficial, a prestar serviço na área das informações, no Comando-Chefe de Angola, aquando do 25 de Abril, existiriam apenas 30 guerrilheiros armados, em todo o território angolano. Ver Manuel A. Bernardo. “Marcello e Spínola; A Ruptura; As Forças Armada e a Imprensa na Queda do Estado Novo 1973-1974”. Lisboa, Ed. Estampa, 1996, pp 75.
(4) Em 21-10-1974. Ver Boaventura de Sousa Santos, Maria Manuela Cruzeiro e Maria Natércia Coimbra. “O Pulsar da Revolução; Cronologia da Revolução de 25 de Abril (1973-1976)”. Lisboa, Ed. Afrontamento, 1997.
(5) Terá ocorrido em 2-11-1974. Ver Boaventura Sousa Santos (...). Ob. cit.
(6) Efectuado em 12-10-1974. Ver Boaventura Sousa Santos (...). Ob. cit.
(7) Efectuado em 21-10-1974, como já referido.
(8) De facto, desde Janeiro de 1973, que Daniel Chipenda se separara do MPLA (Revolta do Leste) e tinha ocorrido, entretanto, a designada “Revolta Activa” de Joaquim Pinto de Andrade. Foi tentada a unidade das três facções no Congresso de Lusaka, em Agosto de 1974, mas Agostinho Neto abandonou a sala, após a votação com uma dezena de votos a mais para Chipenda. Ver depoimento do Coronel Alcino Roque, neste trabalho.
No entanto, outra fonte considera apenas ter havido a diferença de um voto (165 contra 164 e 70 para a "Revolta Activa"). Ver João Paulo Guerra. “Descolonização; o Regresso das Caravelas”. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1996, pp 158.
Deste modo, continuou o rompimento das três facções, tendo Daniel Chipenda ocupado quartéis no Leste, no pós-25 de Abril, com o acordo inicial das autoridades portuguesas e até aberto uma delegação em Luanda. Posteriormente viria a ligar-se à FNLA.
(10) Ter-se-á realizado em 28-10-1974. Ver João Paulo Guerra. Ob. cit. pp 164.
(11) Terá havido uma tentativa do MFA/Angola de desestabilização dos catangueses, para posterior controlo, que apenas seria do conhecimento dos então General Costa Gomes, Almirante Rosa Coutinho, Brigadeiro Ferreira de Macedo, Major Pezarat Correia e Capitão Figueiredo. (Fonte confidencial n.º 2).
(12) Foi executada em 27-7-1975. Ver Boaventura Sousa Santos (...). Ob. cit. e entrevista com o Major General Heitor Almendra, constante deste trabalho.
(13) O General Silva Cardoso, à chegada a Lisboa, em 4-8-1975, afirmava significativamente:
Trago, ainda nos ouvidos, os discursos demagógicos em que sistematicamente se afirma que tudo se faz pelo povo e para povo, quando no fim é o povo que sofre, é o povo que morre. Isto tudo devido a ambições desmedidas, que não conhecem meios e que sacrificam tudo para atingir os seus fins. Vim expressamente, como já disse, para falar com Sua Ex.ª o Presidente da República, que me confiou aquela que seria, talvez, a nobre missão de representar a soberania portuguesa naquele território. Missão na qual empenhei todos os esforços, todas as minhas capacidades, missão que me causou grandes desilusões. Já não acredito nos homens, principalmente nos políticos, e estou cansado da mentira, das falsas promessas e das atitudes de fachada. Venho cansado da miséria, de ver a miséria, o ódio e o desespero. Venho cansado do egoísmo, da crueldade e da ambição desmedida. Estou aqui em Portugal, estou aqui, como sempre estive à disposição dos meus superiores hierárquicos para receber ordens, ordens para um militar que sempre fui, um militar que nunca deixei de ser e que sempre serei.
Quero dirigir as últimas palavras àqueles milhares de portugueses europeus brancos, escorraçados daquela terra, terra que já consideravam como a sua nova pátria e que têm perdido tudo e deixando tudo, se vieram refugiar em Portugal. Muitos já vieram, muitos, infelizmente, ainda hão-de vir, ou terão mesmo que vir. Para eles o meu carinho e um voto sincero de melhores dias e mais sorte. Nunca é demais para começar. Tenham fé nos destinos do nosso País. Ver “Diário de Notícias” de 5-8-1975.
Curiosamente na mesma edição, o Almirante Rosa Coutinho afirmava, não querendo comentar estas afirmações do General Silva Cardoso: “(...) não ser oportuna uma intervenção militar em Angola, conduzida pela OUA e que nada há de concreto sobre a possibilidade de intervenção dos capacetes azuis da ONU.”
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