Angola perdia um ilustre filho em 23 de Fevereiro de 2008. Morria Joaquim Pinto de Andrade um dos símbolos maiores da resistência à opressão e da luta pela liberdade em Angola.
Nos tempos coloniais dos anos 50 do passado século, era um padre guiado pelos valores universais dos direitos humanos e pelos princípios doutrinários da sua religião, o catolicismo. Encorajava clandestinamente os seus compatriotas a lutarem pela liberdade e, abertamente, perante a nata da sociedade colonial, nas suas célebres homilias de domingo, na Igreja da Sé de Luanda, proclamava que os homens são todos iguais quando nascem e todos devem viver com dignidade. Apesar dos assuntos «provocadores» que nelas versava nas homilias, essa sociedade deliciava-se a ouvi-lo, tão grande era a sua erudição e fluente a sua oratória. Sendo padre (deixou de o ser anos depois, mas continuou católico) Joaquim Pinto de Andrade, convivia com ateus, agnósticos e fiéis de outras religiões e pela vida fora manteve sempre este espírito eclético e ecuménico.
Nos finais daquela década de 50, a situação política evoluía muito rapidamente: os nacionalistas angolanos organizaram-se para a acção política e, através de panfletos, denunciavam o colonialismo português e reivindicavam a independência nacional. Joaquim Pinto de Andrade embrenhou-se directamente nessa luta e, em 1960 é preso com Agostinho Neto e outros angolanos. Ambos são deportados de Angola. Joaquim Pinto de Andrade é colocado em Portugal onde iniciará um longo ciclo de residências vigiadas em diversos mosteiros e prisões em várias cadeias, que durou cerca de catorze anos. Enfrentou com firmeza e dignidade a polícia secreta salazarista, a PIDE, em vários interrogatórios, evocando as condições de opressão colonial em que vivia o povo angolano e afirmando que nada mais era que um homem assumindo a defesa das aspirações de liberdade do seu povo. Vozes se levantaram em todo o mundo contra a repressão que a polícia política portuguesa exercia sobre ele e o MPLA nomeou-o presidente honorário do Movimento.
Após a revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974, Joaquim Pinto de Andrade procurou no Exterior dar a sua contribuição para a solução das divergências no seio do MPLA, dividido então em três tendências. Os tempos não se prestavam à sua mediação pois as perspectivas de uma próxima independência despoletaram em quase todos os dirigentes nacionalistas a preocupação maior e única de prepararem o assalto ao poder na futura Angola independente. Daí que graves questões como métodos de direcção e funcionamento do Movimento, responsáveis pela crise existente, e importantes questões nacionais não fossem objecto de interesse e preocupação dos dirigentes instalados pois o que lhes interessava eram as acções e manobras visando uma próxima conquista do poder em Angola.
Mesmo assim, depois de numerosas conversações e mediações de países africanos limítrofes amigos, foi decidida a realização de um congresso que levasse à unificação das fileiras do MPLA, estabelecesse métodos democráticos no seio da organização e definisse as estratégias a seguir naquele delicado momento político que antecedia as conversações com o novo regime português para a independência de Angola. Mas o congresso de Lusaka fracassou, devido às posições extremadas de Neto e Chipenda. Foi então que Joaquim Pinto de Andrade aderiu à facção Revolta Activa e passou a ser o seu líder.
Regressado meses mais tarde ao país, foi alvo de humilhações públicas por parte de vários sectores do MPLA às quais respondeu corajosamente. Após a independência, viu serem presos vários membros da ex-Revolta Activa e outros patriotas. De novo foi atacado na imprensa oficial por escribas ignorantes ou de má fé que vomitavam várias insinuações e calúnias até a de traição à pátria. Contra a repressão reagiu escrevendo cartas ao presidente Neto e chamando-lhe a atenção para o processo de exclusão de cidadãos válidos da vida nacional que fora desencadeado, um processo susceptível de trazer consequências ao próprio presidente. Eram proféticas as suas palavras porque um ano depois deu-se o 27 de Maio. Joaquim Pinto de Andrade, o incansável lutador pela liberdade, o tenaz resistente à opressão colonial, assistiu consternado a uma sanguinária repressão feita por angolanos sobre angolanos (até do mesmo partido político) na Angola Independente.
Desde a independência que estava impossibilitado de se pronunciar publicamente e também impedido de exercer profissão pública. Mas a sua ânsia de intervenção na sociedade angolana permanecia e, assim, em Janeiro de 1990 criou a Acção Cívica Angolana, ACA. Depois, na abertura política proporcionada pelos acordos de Bicesse, ainda procurou exercer intervenção política através de um dos novos partidos, mas depressa se desiludiu. Tendo-se afastado da intervenção directa, falava de Angola em colóquios internacionais para os quais era convidado pelos organizadores. Até que a doença o acometeu e nele se instalou durante longos anos em que lentamente foi perdendo as suas capacidades até ao desfecho ocorrido há um ano, tinha ele oitenta e dois anos.
É útil lembrar que Angola se tornou independente graças às atitudes e actos de pessoas como Joaquim Pinto de Andrade. Contudo, o Estado angolano ainda não reconheceu os erros que praticou em relação a este patriota e exemplar cidadão nem lhe presta a homenagem a que tem direito pelo contributo que deu à Pátria, colocando-o na galeria histórica dos mais insignes angolanos.
Mas, independentemente dos reconhecimentos oficiais, importa o exemplo que Joaquim Pinto de Andrade será para as novas gerações angolanas. Neste momento que Angola atravessa em que as concepções dominantes na sociedade são o ganho fácil e a ganância desenfreada, o recurso a todos os meios mesmo os mais abjectos para se conseguir os seus fins, o desprezo mais absoluto pelo povo, convém recordar os princípios que orientaram a vida de Joaquim Pinto de Andrade e que podem servir de estímulo àqueles que desejam ver Angola tornar-se um país de maior justiça social.
A constante luta pela liberdade dos homens e dos povos, a coragem face à repressão em todos os momentos (perante o regime colonial ou perante a ditadura nacional), a honestidade e dignidade, o civismo, o amor ao seu povo são valores que nortearam a vida de Joaquim Pinto de Andrade e constituem um magnífico legado ao seu país.
Adolfo Maria
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2009
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