Elogio póstumo da sobrinha Constança Gomes ao tio Maurício
Glória eterna a Maurício de Almeida Gomes (1920‐2012)
"Mas onde estão os filhos de Angola, se os não ouço cantar e exaltar tanta beleza e
tanta tristeza, tanta dor e tanta ânsia desta terra e desta gente?"
Por estes dias estamos todos muito tristes, o luto bateu‐nos à porta, morreu,
anteontem (dia 2), em Lisboa, aos 92 anos de idade, o nosso tio Maurício de Almeida
Gomes. Ele era o patriarca da família porque era o mais‐velho sobrevivo dos 8 filhos de
Mário José Gomes (dos quais 6 com Ema de Lemos Rodrigues de Almeida Gomes).
Agora ficam connosco apenas os tios Vicente (Portugal) e Abílio (Angola).
O ti "Mau", como carinhosamente o chamávamos, sempre foi um homem exemplar e
uma referência para todos nós. Inteligente, dedicado e trabalhador alcandorou‐se aos
níveis mais altos socio‐profissionais da Angola da sua época, numa sociedade onde a
discriminação social e racial eram prática quotidiana. Com serenidade, determinação e
sem revanchismo, soube ultrapassar todos os obstáculos e subiu, degrau a degrau, por
mérito próprio, em concurso público, em que normalmente era o primeiro classificado,
até ao escalão máximo dos Serviços das Alfândegas de Angola, tendo sido reformado
como Director Geral. Para ele os valores mais importantes eram resumidos por
"palavras basilares, edificantes: trabalho, instrução, educação", como ele próprio dizia
na sua poesia.
Maurício de Almeida Gomes (o tio Mau) foi também um grande poeta e articulista
interventivo. Desde cedo, ainda estudante, começou a publicar artigos temáticos, no
"Estandarte", o órgão literário do Liceu Salvador Correia, onde era estudante. Mais
tarde, escreveu para o Farolim e para as revistas "Cultura", da Associação Cultural de
Angola, encabeçada por Eugenio Ferreira, e "Angola", da Liga Nacional Africana,
associação de que foi membro dos seus órgãos directivos, ao lado de "sô Botelho", o
digníssimo mais‐velho Botelho de Vasconcelos.
Foi um poeta visionário, de tom messiânico que chamou, no início dos anos 1950, os
seus compatriotas a construir a sua identidade literária. Na sua escrita de ressonância
"estilística de tradição popular" (Manuel Ferreira) exalta a terra e as suas gentes,mas
denuncia também a dor e ânsia dos angolanos de serem eles próprios. Algumas das
suas inquietações são ainda, infelizmente, actuais. Senão vejamos os poemas Bandeira
e Exortação que escolhemos como exemplos.
(eb)
3 comentários:
BANDEIRA
somos um povo à parte
desprezado
incompreendido
um povo que lutou e foi vencido.
por isso em meu canto de fé,
clamo e proponho, negro,
que a nossa bandeira
... seja um pano negro,
negro da cor da noite sem luar...
sobre essa escuridão de luto e de pesar,
da cor da nossa cor,
escreve, irmão,
com a tua mão rude e vacilante
- mas forte
a palavra-força:
união!
traça depois, teimosamente
estas palavras basilares,
edificantes:
trabalho, instrução, educação.
e com letras de ouro,
esplêndidas,
(a mão, mais firme já)
escreve, negro,
civilização, progresso, riqueza.
em caracteres róseos
esboça comovido
a palavra-chave da vida:
amor!
com letras brancas
desenha com amor
a palavra sublime:
paz!
a seguir
a vermelho-vivo
a vermelho-sangue,
com tinta feita de negros corpos desfeitos,
em lutas que vamos travar,
a vermelho-vivo,
cor do nosso sangue amassado
e misturado com lágrimas de sangue,
lágrimas por escravos choradas,
escreve, negro, firme e confiante,
com letras todas maiúsculas,
a palavra suprema
(ideal eterno,
nobre ideal
da humanidade atribulada,
que por ela vem lutando
e por ela vem sofrendo)
escreve, negro,
escreve, irmão,
a palavra suprema:
LIBERDADE
à volta dessas palavras-alavancas
semeia estrelas às mãos cheias
todas rútilas
todas de primeira grandeza,
estrelas belas da nossa esperança
estrelas lindas da nossa fé
estrelas que serão certeza na nossa BANDEIRA.
(1951)
Maurício de Almeida
Que linda homenagem ao padrinho Maurício! Deixou-me ainda mais cheia de orgulho de ter tido lugar no seu grande coração.
Bonito
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