quarta-feira, setembro 29, 2010

Partrimónio de Luanda

AMIGOS, APOIANTES E SIMPATIZANTES:



A CAMPANHA REVIVER tem como objectivo a DEFESA, PROTECÇÃO, REABILITAÇÃO e REQUALIFICAÇÃO do património da cidade de Luanda.

JUNTE-SE A NÓS NO LARGO DO "BALEIZÃO"

"10 de Outubro"

quinta-feira, setembro 23, 2010

Para onde vamos afinal?/Maurílio Luiele

Para onde vamos afinal?


Os Riscos de Falência do Estado Democrático em Angola!



Maurílio Luiele



Causou-nos viva perplexidade o recente episódio afectando o semanário ‹‹A Capital››. Meus Senhores, impedir uma publicação de sair à rua, queimando mais de 3000 exemplares apenas porque expressa uma opinião contrária ao discurso oficial é um atentado grave à liberdade de expressão e de opinião, direitos fundamentais garantidos pela Constituição da República de Angola. É censura grotesca e violenta, que nos remete para a era das trevas. É GOLPE! Não tem outra designação!

Pensar que, menos de um ano depois de inaugurada a chamada III República, assistiríamos impotentes a uma violação tão escancarada da Constituição com a manifesta complacência dos órgãos do Estado, é de deixar arrepiado qualquer angolano que, como eu, acredita que a democracia é possível em Angola e, aliás, pela sua diversidade sociocultural, não há mesmo a ela alternativa.

Não é necessária nenhuma super-formação jurídica para concluir que o episódio em epígrafe é uma violação grosseira aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Não cabe sequer interpretação ou discussão. Porém, um olhar pregresso pelos acontecimentos em Angola, pelo menos desde Setembro de 2008 nos alerta para o facto deste episódio não se tratar de um caso isolado. Desde o próprio processo eleitoral 2008 ao escamotear posterior do calendário eleitoral, passando pelo atribulado processo constitucional, às proibições de manifestações e pelo cortejo quotidiano de violações de direitos fundamentais de que Tchavola, Iraque e Zango são exemplos eloquentes, fica exposta uma orquestração afinada e consciente que visa perverter o processo democrático angolano. Tais práticas passam longe do discurso oficial que advoga uma sociedade plural, e consequentemente democrática, reconciliada e economicamente desenvolvida. Como explicar então este ‹‹gap›› entre o discurso político oficial e a prática política. Quem são afinal estas pessoas que, tendo inusitado acesso aos jornais privados antes mesmo que sejam publicados, se arrogam ao direito de simplesmente queimá-los se contiverem matérias contrárias aos seus interesses? Quem são, entre nós, os pescadores de águas turvas e porque elegem este comportamento? É aqui que a meu ver cabe espaço para profunda reflexão, visando descortinar os rumos sinuosos porque passa a nossa incipiente democracia. Sem essa reflexão e posicionamento consciente corremos o risco de ver o país descambar para um brutal totalitarismo ante a nossa cúmplice passividade, e isso, não é, absolutamente, desejável. Por isso quero aqui avançar humildes subsídios que possam ampliar esta reflexão que se faz necessária.

Rafael Marques em seu makaangola.com, iniciativa anti-corrupção, tem trazido contribuições que nos ajudam a compreender a aracnídea teia de interesses envolvendo destacadas figuras do Estado angolano. Segundo ele, a ‹‹Presidência da República de Angola tem sido usada como um cartel de negócios obscuros›› e isso aporta consequências perniciosas ‹‹para a liberdade e o desenvolvimento dos cidadãos assim como para a estabilidade política e económica do país››. As várias denúncias levantadas por Marques não têm sido convincentemente desmentidas pelos implicados e isso explica em parte porque a célebre ‹‹tolerância zero›› só serviu para levantar poeira e turvar ainda mais as águas para os habituais pescadores se deleitarem e porque, em relação à lei da probidade administrativa, a ‹‹montanha pariu um verdadeiro rato›› que fecha as ditas declarações de bens num fortíssimo e inacessível cofre da PGR e isenta os mais altos dignitários do país desta declaração. A defesa destes interesses consolidados gera práticas políticas contrárias ao espírito democrático plasmado no discurso oficial e resulta nesta perniciosa fissura que separa contundentemente o discurso da prática. Entre estas práticas a mais costumeira e generalizada é a bajulação à figura de Eduardo dos Santos. Segundo Adam Smith, em ‹‹Teoria dos sentimentos morais›› nas cortes de príncipes onde sucesso e privilégios dependem não da estima de inteligentes e bem informados mas do favor de superiores presunçosos e arrogantes, a adulação e a falsidade prevalecem sobre o mérito e habilidades. Diz ainda Smith que em tais círculos ‹‹as habilidades em agradar são mais consideradas do que as habilidades em servir››. Os rasgos de bajulação que nos são dados a assistir diariamente em Angola nos fazem pensar que os círculos do poder aqui se guiam desta forma perversa e a blindagem que se procura em torno de Eduardo dos Santos resulta em práticas violentas como o episódio que aqui nos serve de referência e que afectou o semanário ‹‹A Capital››. Eduardo Gianetti, em seu livro ‹‹Auto-engano›› nos ajuda a compreender porque isto pode comprometer as nossas aspirações democráticas . Segundo ele, ‹‹o auto-engano pode ser uma estratégia útil para a sobrevivência. O enganador auto-enganado, convencido sinceramente do seu próprio engano, é uma máquina de enganar mais habilidosa e competente em sua arte do que o enganador frio e calculista.›› O enganador passa a acreditar em suas próprias mentiras e, assim fica mais fácil convencer os demais. Assim, aqueles que se cercam somente de bajuladores enquanto concentram poder e conquistam as massas, acabam blindados contra todo tipo de crítica. Os conselheiros mais sábios são ultrapassados pelos bajuladores e ficam diante deles impotentes passando a conduta do ‹‹príncipe›› a ser ditada pelos perversos conselhos dos bajuladores. Estes perseguem interesses díspares e, para alcançá-los não olham a meios, só os fins interessam.

Harry Adams em seu ensaio sobre plutocracia, diz-nos que plutocracia é um sistema em que seus actores se servem dos mecanismos e instituições democráticas para alimentar simplesmente interesses particulares em detrimento do interesse comum. A diferença com a cleptocracia é que esta simplesmente não se esconde sob o guarda-chuva da democracia. A cleptocracia simplesmente detona o sistema democrático porque não se resguarda nele. De toda a forma, as consequências sociais, políticas e económicas de ambos os sistemas são as mesmas: desigualdades sociais gritantes, crises económicas, atentados à liberdade de expressão, passam a ser imagens inamovíveis da paisagem social e política. No caso de Angola há fortes indícios que apontam para o estabelecimento de uma forma plutocrática de governo que explica, de resto, a dissonância entre o discurso político oficial de cunho essencialmente democrático e as práticas contrárias a ele que resultam da defesa de interesses particulares consolidados. O MPLA é hoje refém desta malha fina de interesses que foi tecida em torno de José Eduardo dos Santos e, não admira, portanto, que figuras como Marcolino Moco se confrontam com estrondosas dificuldades de se reverem e reconhecerem neste partido que tem responsabilidades históricas no processo angolano. Por seu lado, o Presidente da República que inquestionável e indiscutivelmente teve um papel decisivo no alcance da paz há oito anos e foi apontado por muitos como a figura da estabilidade, envolto nesta teia aracnídea, se transformou hoje no principal obstáculo ao desenvolvimento do processo democrático em Angola. Adams aponta como exemplo de plutocracia o governo de George W Bush, que, entre outros aspectos, se aproveitou da guerra no Iraque e da sua reconstrução para favorecer interesses de grupos económicos que lhe eram próximos, inclusive de grupos onde eram patentes interesses de Dick Cheney, então seu vice-presidente. As consequências das práticas plutocráticas de Bush são conhecidas: uma crise económica de dimensões planetárias e que todos, de alguma forma, experimentamos na pele. Contudo, o sistema democrático americano secular, dotado de mecanismos consolidados de exercício democrático, funcionou, ele próprio, como antídoto e tratou de extirpar radicalmente este cancro, gerando uma onda de mudança que numa única sentada varreu do seu caminho John MacCain e Hilary Clinton e conduziu Barack Obama, expressão cristalina da mudança, ao poder. No nosso caso, a plutocracia está actuando sobre uma democracia incipiente, minando à nascença os seus fundamentos, havendo, por consequência, riscos sérios dela se consolidar e converter o Estado democrático num estado autoritário, opaco e brutal que empurrará inexoravelmente mais angolanos para a miséria. Só a alternância protagonizada por forças verdadeiramente democráticas e engajadas poderá livrar Angola desta fatalidade.

Assim, é importante desde já uma tomada de consciência sobre os riscos reais de perversão do Estado democrático em Angola. Como cidadãos, dispomos ainda do poderoso instrumento que é o voto para impedirmos que isso aconteça. Mas, não admira que as forças retrógradas, que giram em torno dos interesses acima referidos, joguem a cartada de viciar a partida o processo eleitoral quer por vias jurídicas ou operacionais ou mesmo por via do torpedear do calendário eleitoral, como, aliás, já ocorreu em 2008 (afinal deveríamos votar para as presidenciais em 2009!). A própria constituição actual está cheia de “cascas de banana” estrategicamente colocadas para impedir a alternância. Mas, se for gerada uma verdadeira tsunami favorável à mudança, não haverá força capaz de impedir. As forças democráticas angolanas têm assim a responsabilidade de mobilizar amplamente os cidadãos para a mudança, gerando uma onda imparável de mudança que permitirá protagonizar a alternância em 2012. Se este movimento não se erguer, receio, sinceramente que a sobrevivência do Estado democrático em Angola ficará comprometida

Negócios impróprios para Beócios!

Isabel dos Santos: Filha do Zé Dú à conquista de Moçambique



Chamam-lhe princesa, mas é cada vez mais Rainha Isabel do "doing business" à moda angolana. Angola já é sua, com negócios em áreas estratégicas para esticar a sua mola sem rebentar a corda. Dizem que, pelas suas alianças tácticas empresariais, já é a mulher mais poderosa de Portugal. Agora, ela vem aí: aos 37 anos, Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, está à conquista de Moçambique. À velocidade de um ZAP!



Esta mulher não pára! É assim como muitos preferem qualificar a sanha conquistadora da filha mais velha de Zé Dú, como carinhosamente é tratado o Presidente de Angola José Eduardo dos Santos.



Isabel dos Santos, a empresária mais influente de Angola no Mundo inteiro (incluam-se empresários que vestem calças por força da genética), está a chegar a Moçambique, dentro em breve. Princesa em Angola, poderosa em Portugal, ela vai expandir agora os seus tentaculares negócios à Varanda do Índico, cuja porta de entrada é o lucrativo negócio da televisão por subscrição, no caso a televisão por satélite.



Através da ZAP, negócio em que ela participa com 70 porcento associada à portuguesa Zon (com os restantes 30%), Isabel dos Santos entra no mercado da TV em sinal fechado concorrendo com a TV Cabo portuguesa e a DSTV Moçambique – subsidiária da multinacional de origem sul-africana DSTV Multichoice.



Os media (TV e agências de comunicação) e as telecomunicações (móveis, Internet, transmissão de dados em banda) são um negócio bastante apetecível em Moçambique, não obstante no capítulo da TV por satélite tenha entrado no país, há dois anos, e em pouco tempo decretado falência a GTV África, subsidiária da britânica Gateway Communications.



A ZAP vai oferecer jogos da Liga Portuguesa de futebol, um exclusivo garantido para Angola e Moçambique através do canal Sport TV África, bem como os canais portugueses SIC Notícias, SIC Mulher, TVI 24, TVI Internacional e o Económico TV.



Segundo informações veiculadas esta semana, com ênfase para a imprensa económica lusa, José Pedro Pereira da Costa, administrador financeiro da Zon, está esta semana no País para tratar dos últimos detalhes antes do início da comercialização do serviço de satélite. Pereira da Costa adiantou que a ZAP já começou a contratar pessoas no país e que a operação, a acontecer no final do primeiro trimestre deste ano, será similar à lançada em Angola. “Vamos ter os mesmos canais e usar o mesmo satélite”, explicou, citado pelo Correio da Manhã de Portugal.



Potencial vencedora da terceira licença de telefonia móvel em Moçambique



Os tentáculos de Isabel dos Santos não se ficarão pelo universo da televisão, pelo campo dos media e das telecomunicações.



A filha mais velha de Zé Dú é potencial vencedora do concurso para a adjudicação da terceira licença de telefonia móvel em Moçambique, uma vez os seus interesses empresariais estarem fortemente estabelecidos em dois dos três consórcios concorrentes.



Concorrendo contra o consórcio Movitel - produto da aliança entre a holding do partido Frelimo (SPI – Gestão e Investimentos) e os vietnamitas da original Movitel -, Isabel dos Santos tem a vitória quase garantida via suas ligações à TMN portuguesa ou pela participação no consórcio UNI-Telecomunicações, em que via UNITEL SA partilha interesses empresariais (50%) com o “tigre” Celso Correia.



A vantagem de Isabel dos Santos não é só por ter a mão em dois dos três concorrentes mas, e sobretudo, devido a dois factores X, de acordo com analistas insiders do meio empresarial moçambicano e familiares ao negócio.



O primeiro factor X é que tecnicamente a TMN oferece garantias de melhor qualidade técnica, gozando do expertise internacional da portuguesa PT - que acaba de vender a sua participação na brasileira Vivo para a rival espanhola Telefónica.



A TMN é um consórcio entre a PT e o Grupo Visabeira Moçambique, sendo que a PT é parceira com a mesma margem (25%) que Isabel dos Santos na UNITEL SA, de Angola - os restantes 50% da estrutura accionista são divididos pela holding e petrolífera angolana Sonangol e pela Vidatel.



Nas suas várias ramificações empresariais, Isabel dos Santos é dona da GENI angolana, que por sua vez entra na estrutura do Banco Espírito Santo Angola (BESA).



O BESA é detido maioritariamente pelo BES de Portugal, esse mesmo banco sobre o qual na semana antepassada noticiámos que vai entrar na estrutura accionista do Moza Banco.



A ligação directa de Isabel dos Santos à PT é, por isso, concretizada pela participação do BES na PT. Seja como for, Isabel dos Santos e a PT detêm juntos 50% da UNITEL SA, que se juntou à moçambicana Energia Capital SA no consórcio UNI-Telecomunicações.



Naquilo que o jornalista do SAVANA Francisco Carmona designou como um novo mapa cor-de-rosa, a Energia Capital SA representa os interesses do Grupo INSITEC, do tigre Celso Correia, que tal como Isabel dos Santos tem fibra bancária (segundo Factor X) para avançar com a melhor proposta financeira na corrida ao indicativo 86 que será conferido à terceira operadora de telefonia móvel do país.



Unir TV, telefonia móvel e Internet e investir na energia



Caso consiga aliar a telefonia móvel à televisão, analistas do doing business nacional vaticinam que Isabel dos Santos deverá atacar o negócio da Internet em Moçambique, agregando essas três ramificações das telecomunicações e explorando o vindouro negócio da televisão móvel.



Segundo @Verdade apurou no meio empresarial, os interesses da primogénita do Zé Dú não deverão ficar-se por aí, porquanto ela pretenderá investir no próspero sector da energia. A sua entrada poderá processar-se via aliança com a Energia Capital de Celso Correia, não se descartando a hipótese de uma ligação com um dos homens da energia com mais tarimba, Salimo Abdula.



@Verdade sabe que Isabel dos Santos teve um encontro privado com Salimo Abdula, à margem da visita da comitiva empresarial moçambicana a Angola, no voo inaugural da LAM no ano passado, assinalando o regresso da rota Maputo/Luanda/Maputo.



Não se sabe se esse encontro foi com o Salimo Abdula presidente da Confederação das Associações Económicas (CTA) ou com o Salimo Abdula investidor decano no sector da energia e derivados.



Mas, certamente, terá manifestado a sua vontade de investir em Moçambique.



Rainha Isabel, tão famosa como Njinga Mbandi



Na historiografia angolana há uma mulher de consenso, quanto ao poder que detinha: é a Rainha Njinga Mbandi. Considerada o maior símbolo da resistência angolana à colonização, não só lutou contra a ameaça do colonizador como também aliou os povos do Ndongo, Matamba, Kongo, Kasanje, Dembos, Kissama e do Planalto Central, naquela que a história reza como a maior aliança que se constituiu para lutar contra os portugueses.



Não será blasfémia nem heresia considerar que Isabel dos Santos corre sérios riscos de se tornar tanto ou mais famosa que a mítica Njinga Mbandi, mundialmente. Pelo menos nos motores de busca Google e Bing, Isabel dos Santos já é infinitesimamente citada por força das suas participações em negócios tão lucrativos quão estratégicos quais:



Casinos em Angola, em aliança com o magnata macaense Stanley Ho, o tal que cedeu quase metade da sua participação no moçambicano MozaBanco ao BES, sabendo-se que esta aliança dos Santos/Ho pretende expandir para Moçambique também o negócio da roda da sorte e azar e das chamadas máquinas caça-níqueis ou slot machines;



Bancos, em Angola e Portugal, com importantes investimentos no banco português BPI (9,69%), no Banco Espírito Santo Angola - BESA (20%), no BIC (25%), e no Banco Fomento Angola (49,9% através da UNITEL);



Telecomunicações em Angola e Portugal, detendo 25 porcento da UNITEL, através da GENI, e participando ínfima mas lucrativamente na PT portuguesa.



“A mulher mais poderosa de Portugal é angolana”



Num traço do seu perfil empresarial escasso em adjectivos mas prenhe de substantivos, o Jornal de Negócios de Portugal dedicou-lhe uma matéria em que a associa à maioria dos dez mais ricos de Portugal e a compara às suas mulheres mais ricas, para concluir que “a mulher mais poderosa de Portugal é angolana”.



Será que o mesmo não será aplicado a Moçambique, dentro de alguns anos?

Termo de comparação: a mulher mais rica de Portugal, segundo a revista Exame, é Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo Silva, com uma fortuna de 731 milhões de euros; com apenas uma fracção do seu dinheiro (na Galp, BPI, Zon, BESA), Isabel já tinha em Janeiro passado quase dois mil milhões de euros.



O autor da peça, Pedro Santos Guerreiro, chega ao extremo de referir que aliando todas as suas conexões empresariais à sociedades portuguesas, Isabel dos Santos “dá um índice bolsista”.





Isabel dos Santos joga os seus interesses em rivais nos vários sectores estratégicos da economia portuguesa. Astuta, Isabel dos Santos dá-se ao luxo de protagonizar proezas como esta: os últimos dois grandes negócios dela em Portugal, no BPI em 2008 e na Zon em 2009, tiveram uma curiosidade cabalística - ambos foram fechados na terceira semana de Dezembro; ambos de 10%; ambos por 164 milhões.



Filha mais velha de José Eduardo dos Santos e da azeri Tatiana Kukanova, Isabel nasceu em 1973 em Baku (Azerbaijão), quando o pai foi estudar Engenharia de Petróleos no Instituto de Petróleo e Gás de Baku, ex-União Soviética.



Isabel viveu grande parte da vida em Londres, onde estudou Gestão e Engenharia e conheceu o também empresário congolês Sindika Dokolo, com quem se casou em 2003.



Empossado Presidente de Angola aos 37 anos, a 21 de Setembro de 1979, após a morte de Agostinho Neto 11 dias antes, vítima de cancro, Zé Dú vê a sua filha tornar-se poderosa aos 37 anos, ao ponto de o jornalista luso Santos Guerreiro sentenciar:

“Dizem que detesta ser tratada como a filha de José Eduardo dos Santos. Pela maneira como se está a afirmar em Portugal, um dia trataremos o Presidente de Angola como o pai de Isabel dos Santos.”

http://www.verdade.co.mz/destaques/economia/isabel-dos-santos-filha-do-ze-du-a-conquista-de-mocambique.html

Casa Pia/ Opinião de Mário Brochado Coelho

Uma opinião





1. É necessário que se saiba que a situação actual da Justiça afecta os cidadãos que a ela recorrem e todos os agentes de sua administração (magistrados, procuradores, advogados, funcionários e polícias com poder de investigação ou apoio), criando uma descrença generalizada que corrói não apenas a chamada “confiança no sistema judiciário português” mas o próprio dia a dia de cada pessoa e de cada profissional. Ninguém, pois, pode ser indiferente ao que se passa. Só por isso, entendi que não devia deixar de fazer ouvir a voz de um advogado com mais de 40 anos de profissão em prática individual e que se situa fora do mundo caótico do espaço dito mediático, das lutas corporativas do sector da justiça, e do quadro político-partidário anexo.



2. Tomemos por motivo apenas os últimos acontecimentos do chamado “caso Casa Pia” e comecemos por recordar em linguagem simples alguns princípios básicos:

a) a administração da justiça constitui um polo central do edifício de um estado democrático devendo ser tratado em regime de alta prioridade a todos os níveis (recursos humanos e financeiros, em particular) e não apenas como algo de meramente lateral e acessório;

b) a verdadeira legitimidade de todos quantos actuam na administração da justiça - e em particular de quem julga - nasce e decorre, em meu entender, apenas da bondade dos resultados por si produzidos;

c) a justiça praticada numa dada sociedade tem a ver com os quadros ético e legal imperantes nessa mesma sociedade e as decisões proferidas deverão, em regra geral, “condizer” com as melhores aspirações de todos os cidadãos organizados de forma democrática, pelo que não é aceitável uma justiça obscura ou clandestina ou subjectiva que não seja explicada e suficientemente entendida pelo povo (que, aliás, é constitucionalmente em nome de quem é feita a justiça);

d) ou seja, só é verdadeira justiça aquela que respeita estes princípios e os executa com uma celeridade adequada a cada caso concreto e aos seus efeitos declaratórios, preventivos e/ou punitivos.



3. Não tenho conhecimento dos termos do processo do “caso Casa Pia” e por isso recuso-me a exercer esse velho jeito português de dar palpites sobre o que não se sabe, duvidar de tudo e de todos para aumentar a suspeição geral, e de usar o “sábio” critério lusitano do “cheira-me que...”. Mas sou vítima e beneficiário das consequências negativas e positivas de um mau processo, uma má sentença, uma má justiça. Só com esta base, portanto, me arrisco a concluir o que, porventura, muitos já concluíram: o processo Casa Pia começou mal, desenvolveu-se mal e produziu uma decisão (ainda não final) que não apazigua os receios dos cidadãos, os direitos tanto das eventuais vítimas como dos arguidos, e o “bom nome” das magistraturas, dos advogados e de todos os demais agentes judiciários. Mas que quero dizer com a palavra “apaziguar” ? Uma decisão judicial, para além de dever ser juridicamente correcta, tem de se enquadrar no nível de exigência ética da globalidade da sociedade em que se insere e a que se dirige, tem de ser um acto de bom senso exemplar, e tem que ser claramente fundamentada e explicada. Ora, em meu entender, o produto destes largos anos de luta judicial não é compreensível e poucos foram os que o tentaram tornar compreensível. Ou seja, tudo leva a crer que “não foi feita justiça” em termos úteis e adequados a uma sociedade democrática. Ouvem-se apenas as vozes bárbaras dos que sempre bradam por sangue, fogueiras e penas de morte quer para todos os que “se suspeite” serem pedófilos quer para a administração da justiça portuguesa no seu todo quer para todos aqueles de quem pessoalmente não gostem.



4. Não é, assim, de estranhar que também se ouçam magistrados a acusar procuradores, uns e outros a apontar para os advogados e vice versa, os jornalistas a denunciar tudo o que, na sua ignorância quase generalizada, julgam perceber, mas que viabilizem mais títulos tabloides, mais comentários de pseudo-comentaristas (com uma ou outra excepção), mais falsos debates sobre enganos, erros ou nada. Reina a confusão. Uma confusão aumentada, como de costume, pelos muitos que sabem e gostam de navegar nestas águas inquinadas, lançando boatos, manipulando a opinião pública, pressionando os agentes da justiça, lançando campanhas corporativas contra “os outros”.



5. O mundo da justiça não deve ser um mundo de silêncio total mas tem de ser um mundo de contenção por parte de todos e fornecer uma publicidade qualitativamente fidedigna e autêntica dos factos principais de cada processo para que os cidadãos saibam o que nele acontece e se decide e porquê. Já houve tempo em que o direito era, ele próprio, secreto, mas ainda hoje muito se faz no mundo da justiça que é deliberadamente escondido do “público”, das próprias partes litigantes e até de alguns decisores distraídos...



6. Direi, pois, que fiquei sem saber se os arguidos não confessos são ou não culpados, se os ofendidos são ou não vítimas, se esta decisão (ainda não final) é correcta ou não. Fiquei na mesma, portanto. Pressuponho abstractamente, porém, que no meio da amálgama de todos os milhares de páginas dos autos se poderá, aqui e ali, pressentir quer a existência de algumas eventuais vítimas e de alguns eventuais inocentes, quer de alguns falsos ofendidos e de alguns eventuais criminosos... Mas nada mais. A tragédia da Casa Pia é tão grande que em todo o lado se pressentem os seus sinais “responsavelmente” escondidos ao longo dos anos.



7. As decisões judiciais para terem qualidade devem tomar em conta o sobressalto social e axiológico existente em torno dos factos em apreço, mas devem fugir - têm de fugir ! - de toda e qualquer tentação para tornar o seu trabalho mais fácil ou mais “aceite”, fazendo coincidir ponto por ponto os seus juízos de cada pulsão da dita “opinião pública”. Por isso, os magistrados, em particular, devem ser pessoas com experiência de vida, acuidade de análise social, vigilância sobre si mesmos, sentido ético, espírito de defesa dos valores democráticos, ponderação, serenidade e respeito pelos demais intervenientes processuais. Deverão ter também uma razoável preparação técnico-jurídica, é certo, mas o essencial será sempre o que enumerei atrás.



8. A falta de meios no sector da justiça é simultaneamente uma realidade e um alibi para que tudo continue exactamente na mesma. Os bons agentes de justiça, mesmo nas actuais condições, devem fazer tudo para que a justiça funcione, com empenho e humanidade, mas não devem levar esse seu esforço até ao ponto de caírem em voluntarismos pessoais que ocultem as deficiências do sistema e, assim, as aumentem. Deverão sempre explicar caso a caso as dificuldades que têm, sem parar de exigir o necessário para que a justiça seja igual para todos, de qualidade e atempada. Não estão em causa as suas “carreiras pessoais” e o seu “bom nome”. Está em causa a administração da única justiça de que dispomos dentro de um estado de direito.



9. Mais do que as leis o que deve ser mudado é o modo e o empenho como elas são aplicadas e sindicadas pela sociedade.



10. Concluindo: o caso Casa Pia é apenas um exemplo que de bom só trouxe a aguda atenção social dada quer ao problema da pedofilia quer à escandalosa forma como o Estado cuida dos jovens que estão à sua guarda.



11. Na verdade, o maior culpado de tudo quanto se tem passado e se poderá continuar a passar nas múltiplas “Casas Pias” e instituições similares deste país é o Estado que ainda temos, não entendido em abstracto mas concretamente personificado em todos quantos desde partidos, governos e ministros a gestores, professores e assistentes (religiosos ou não) deixaram que ao longo dos anos se tivesse criado uma cultura e uma prática tão perversas e continuadas.









Mário Brochado Coelho

Advogados

6.9.2010

O José Manuel Fernandes sempre nos habituou a debitar estultices!

Para além da morte trágica de Sita Valles

Por José Manuel Fernandes, Público, 10.09.10

Crença na revolução levou a militante comunista a adoptar a violência - e depois a ser uma das suas vítimas



Sita Valles teve uma morte horrorosa. Foi torturada, violada e executada com vários tiros destinados a provocar sofrimento. Conta-se que se portou de forma corajosa e enfrentou os torcionários. E também ninguém duvida de que a orgia de violência desencadeada pelo regime de Agostinho Neto depois do 27 de Maio de 1977 foi um crime só comparável aos grandes massacres políticos do violento século XX.



Mas isso não faz de Sita Valles uma heroína. Ou, pelo menos, não devia fazer. Contudo, foi muito essa imagem que passou para os jornais aquando do lançamento do último livro de Leonor Figueiredo, Sita Valles - Revolucionária, Comunista até à Morte. Isto apesar de o livro, que mais do que uma biografia é uma reportagem longa, não apresentar a antiga militante e dirigente da UEC - União dos Estudantes Comunistas - apenas como uma idealista sem mácula. Isto talvez porque a obra não nos esclarece sobre o tema mais difícil: o da real responsabilidade de Sita na violência que, na Angola pós-1975, não surgiu apenas com a perseguição dos chamados "nitistas" após o golpe fracassado.



Quem era realmente Sita Valles? Uma revolucionária e uma comunista, como se diz no título do livro. E seguramente uma idealista, como alguns dos que com ela conviveram a descrevem. Mas também uma fanática, como se percebe de algumas passagens da obra e como o seu percurso confirma sem margem para dúvidas. Por isso valeria a pena ir um pouco além do seu martírio para tentar perceber os mecanismos do radicalismo político, sobretudo do radicalismo dos jovens intelectuais que aderem a ideologias extremistas.



O livro ajuda-nos nesta procura de respostas. Nascida em 1951, Sita cresceu na Luanda colonial numa família de origem goesa da classe média alta. Era bonita e inteligente, sabia utilizar o seu encanto e gozava de grande autonomia. Até entrar na Universidade não teve actividade política, na Faculdade de Medicina de Luanda ainda se aproximou de uns grupos maoístas, mas foi em Lisboa, para onde veio estudar em 1971, que mergulhou por completo na militância comunista e na UEC, onde se tornaria uma das figuras de maior destaque ao lado de Zita Seabra. Adepta entusiasta do regime soviético (estava em Moscovo no dia 25 de Abril, a assistir a um congresso), decidiu regressar a Angola no Verão de 1975 para, naquela que considerava a sua pátria, participar na revolução. Em Luanda aproximou-se ao sector ideologicamente mais ortodoxo do MPLA, de clara obediência soviética, encabeçado por Nito Alves e José Van-Dunem.



A adesão de Sita ao marxismo-leninismo foi uma adesão intelectual, muito no espírito do tempo que viveu. E o porquê da sua adesão a uma doutrina "global" é bem retratada nesta reflexão de Marcelo Caetano, apesar desta se referir ao integralismo lusitano: "O jovem, não tendo experiência, rejeita o empirismo. À medida que a sua inteligência se vai abrindo ao mundo das ideias, gosta de conquistar certezas resultantes de raciocínios ou neles apoiadas, quer poder discutir numa argumentação sem falhas, precisa de ter a segurança de uma doutrina bem estruturada".



As cartas à família, citadas abundantemente no livro, revelam alguém que não duvidava das suas certezas, os muitos testemunhos recordam uma militante com grande capacidade de argumentação e não faltam também os que recordam terem-na desaconselhado de voltar para Angola invocando a sua falta de experiência. Ou seja, a Sita Valles que nos é retratada é muito mais do que uma idealista, é uma militante capaz de abdicar de tudo em nome das suas certezas - e poucas doutrinas "armam" os revolucionários com tantas "certezas" como o marxismo-leninismo. O sectarismo e o radicalismo de Sita, que tantos ódios lhe granjeou na Luanda pós-independência, foi por certo apenas a manifestação exterior desse universo de "certezas" em que vivia.



Até aqui a jovem comunista não se distinguiria muito da grande maioria dos militantes radicais dessa época - ou só se distinguiria por ser mais trabalhadora, mais organizada, mais brilhante e... mais bonita. Só que Sita, em Angola, foi mais do que uma militante. Não restam grandes dúvidas de que desempenhou um papel maior no grupo de Nito Alves e José Van-Dunem. E, apesar de aí este livro ser quase omisso, também não deviam restar grandes dúvidas de que este grupo defendia soluções para Angola no mínimo tão radicais, e tão brutais, como as do grupo de Agostinho Neto. As prisões de Angola não ficaram cheias só depois do 27 de Maio. E, no próprio 27 de Maio, durante os confrontos que Sita acompanhou num comando de operações, os "nitistas" também fizeram muitas vítimas (existem mesmo dúvidas se não terão mesmo executado sumariamente alguns ministros afectos à linha de Agostinho Neto).



Que papel teve Sita Valles nestes acontecimentos? Até onde vai a sua responsabilidade na violência política? Este livro, como muitos outros, é omisso. Mas nada nos indica que esta "Comunista até à Morte" tenha sabido, ou conseguido, parar antes de se envolver na violência política - até porque a doutrina em que acreditava previa, e defendia, essa violência política. Mais: como notou Isaiah Berlin em The First and the Last, "causar dor, matar e torturar são actos geralmente condenados; mas se não foram cometidos para meu benefício pessoal e sim em prol de um ismo - socialismo, nacionalismo, fascismo, comunismo, de crenças religiosas fanáticas, do progresso, ou do cumprimento das leis da História -, então esses actos são aceitáveis".



Paul Hollander, que estudou a adesão dos intelectuais ao comunismo em livros como O Fim do Compromisso, também notou que "o culto da sinceridade, dos sentimentos fortes, e do desejo de agir consoante os mesmos - quer isto dizer, da autenticidade - tornou-se especialmente pronunciado na década de 60", uma época em que "a orientação para a acção cativou os radicais e tornou-se a sua marca característica". Sita Valles era, sem dúvida, uma filha desses tempos, alguém que levou ao limite a condição de "verdadeira crente", alguém que acreditava numa "doutrina infalível" e, assim, ficava imune não só às incertezas como às realidades quando estas se revelavam desagradáveis. Isso cegou-a - e levou-a a não ver a tragédia que se preparava e da qual seria, ela também, vítima. Jornalista (www.twitter.com/jmf1957)

Ainda a morte de Saramago

o El Pais e no Público é analisada a reacção do Vaticano à morte de Saramago, «un ataque denigratorio, una condena de un tono casi sarcástico, que suena casi a celebración por la muerte de uno de los intelectuales que más lúcidamente ha condenado los abusos cometidos en nombre de la religión». De facto, Saramago foi dos primeiros a perceber as reais implicações do que aconteceu no dia 11 de Setembro de 2001. O artigo que se segue foi publicado uns escassos dias depois dos atentados levados a cabo por fundamentalistas islâmicos em solo americano.


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O factor Deus

Por José Saramago - Nobel da literatura

Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos mas até a mais obtusa das imaginações poderá “ver” cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes. Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro.Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova Iorque. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são mostradas no próprio instante da tortura, da agónica expectativa da morte ignóbil. Em Nova Iorque tudo pareceu irreal a princípio, episódio repetido sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos trilhados, de merda. O horror agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefacção para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez “aqui estou” quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, numa chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdómen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda de um milhão de mortos, daquele Vietname cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atómicas que arrasaram e calcinaram Hiroxima e Nagasaqui, daqueles crematórios nazis a vomitar cinzas, daqueles camiões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta dos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas sem excepção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como os outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que isto seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os taliban, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente os textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conluio pactuado entre Religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos, o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa. E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gémeas de Nova Iorque e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela acção dos homens, cobriram e teimam em cobrir de torpor e sangue as páginas da História. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o “factor Deus”, esse está presente na vida como se efectivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o “factor Deus” o que se exibe nas nota de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos e não a outra...) a benção divina. E foi o “factor Deus” em que o deus islâmico se transformou que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o “factor Deus”, esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem, acabou por fazer do homem uma besta. Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiram, não peço que passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento se não puder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do “factor Deus”. Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se. José Saramago - Nobel da literatura (Transcrição do jornal “Público” de 2001/Set/18)



Sobre uma notícia do Expresso

“ 300 milhões de euros é no mínimo quanto os investidores portugueses têm de receber do falido Lehman Brothers, segundo os cálculos conservadores feitos pelo Diário Económico. São cerca de mil os credores portugueses do norte-americano Lehman, e entre eles encontram-se desde bancos a instituições religiosas, como é o caso do Santuário de Fátima. O BES, o Finantia e o Montepio Geral estão entre os principais credores do lado da banca.Na lista constam nomes surpreendentes como A Casa do Gaiato ou o Centro Social Padre David Oliveira Martins.Nada foi pago pela massa falida do Lehman, nem em Portugal nem nos EUA”.
Noticia do Expresso de 18/09/10
Duas considerações
1ª Já nem a ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) se fia no IOR(Instituto das Obras Religiosas), vulgo Banco do Vaticano, e com razão, pois há dias, foi descoberta mais uma vigarice, perdão contabilidade criativa, no seio de tão pia instituição, dando continuidade às orientações deixadas pelo Cardeal Marcinkus.
2ªPelo menos três instituições bancárias portuguesas tinham avultados valores no Lehman, seguramente remunerados a taxas inferiores às que pagam quando pedem dinheiro no exterior.Haja alguém que me explique isto!!!
Humberto de Almeida